terça-feira, 4 de março de 2014

POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)


POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)


1 - INTRODUÇÃO

Sob as propostas de mudanças do setor saúde, a constituição de 1988 introduz o conceito de seguridade social. Assim a proteção social passa a ser entendida como a lógica da universalização e como um direito de cidadania. Os direitos passam a integrar um conjunto de ações, segundo o artigo 194 da Constituição Federal de 1988 como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e a assistência social “.

Os direitos de acesso à saúde são então estendidos ao conjunto de cidadãos independente de contribuição.Assim a Constituição Brasileira, no seu capítulo de seguridade social coloca, além da assistência médica, alguns outros benefícios de forma extensa como por exemplo a equiparação dos direitos urbanos e rurais, que todos os idosos e deficientes sem meios de manutenção recebam um salário mínimo, independente de contribuição previdenciária, o programa do seguro desemprego, abono de dois salários mínimos para quem pagar a previdência, no mínimo 36 meses nos últimos quatro anos. A Constituição Brasileira de 1988 preocupou-se em afirmar estas mudanças supra mencionadas na proteção social e anuncia em seus princípios no paragrafo único do artigo 194 :

1 - universalização da cobertura do atendimento;
2 - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
3 - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
4 - irredutibilidade no valor dos benefícios;
5 - equidade na forma de participação e custeio;
6 - diversidade na base de financiamento;
7 - caráter democrático e descentralização da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial trabalhadores, empresários

2 - A EQUAÇÃO POLÍTICAS SOCIAIS/ CIDADANIA NA ATUALIDADE

Com o advento do que poderíamos classificar de reforma sanitária, inicialmente representada pelas Ações Integradas de Saúde (AIS), como trincheira de um paradigma não hegemônico, que evoluiu para o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) e, finalmente para o Sistema Unificado de Saúde (SUS), que foram gestados inicialmente na previdência social, por um grupo de sanitaristas, que acreditavam na possibilidade de se conseguir atingir patamares mais próximos da equidade, da universalização e da humanização do atendimento, além da possibilidade de hierarquizar as redes de saúde no que se referia ao atendimento da população iniciou-se um processo mais democrático e que tinha como ponto de partida o processo de cidadania.

Infelizmente tais conceitos foram utilizados indevidamente e hoje apesar das conquistas constitucionais o que podemos observar é um tremendo retrocesso dos ideais básicos do projeto inicial pensado, em detrimento a conceitos contra hegemônicos, privados, que em curto espaço de tempo serão os responsáveis e predominantes, em termos de paradigma para a saúde como um modo geral.

3- ANÁLISE COMPARADA DE MODELOS DE SISTEMAS DE SAÚDE: A UNIVERSALIZAÇÃO EXCLUDENTE: REFLEXÕES SOBRE A TENDÊNCIA DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

A fórmula “Saúde - Direito dos Cidadãos, Dever do Estado”, elaborada no meio do movimento sanitarista e consagrado como princípio constitucional em 1988, sintetiza admiravelmente a concepção que informa a primeira experiência brasileira de uma política social universalizante.
A reforma Sanitária, não obstante suas marchas e contra marchas, configura uma ruptura pioneira no padrão de intervenção estatal no campo social moldado na década de 30.

A instituição de um sistema de saúde de acesso universal e igualitário rompe, assim, definitivamente com o modelo corporativista, do benefício como privilégio, e, adicionalmente assume a obrigação de quitar parte da nossa imensa dívida social. A interpretação que se tornou hegemônica a respeito do desenvolvimento do sistema de saúde brasileiro na década de 70, em especial em relação ao binômio público/privado, e que informou o projeto sanitarista.

Na década de 80, em função do fortalecimento de novos mecanismos de financiamento ( os planos de saúde ) capazes de viabilizar o acesso ao setor privado das camadas médias, à margem da intervenção da política oficial. Este fenômeno gera implicações sobre o projeto universalizante que são analiados posteriormente. A exclusão de significativos grupos sociais, sobretudo as camadas média, por mecanismos usuais de racionamento de oferta atuam como elemento de acomodação do sistema. Dai o caráter excludente da universalização do acesso ao sistema de saúde no Brasil.

3.1 - ALTERNATIVAS PARADIGMÁTICAS

3.1.1- INGLATERRA : UNIVERSALIZAÇÃO INCLUSIVA NUM SISTEMA PÚBLICO

O Serviço Nacional de Saúde Inglês ( National Health Service ) foi criado em 1948. Tais reformas deram origem, segundo Marshall ( 1975 ) ao Welfare State Inglês, que se apoiava basicamente em três pilares:

1 - O Sistema Nacional de Seguridade Social
2 - O Sistema Educacional
3 - O National Health Service

Os recursos do tesouro tem sido até hoje, a principal fonte de financiamento dos sistema baseados no seguro saúde, cuja lógica de operação induziria a uma tendência à concentração da oferta de médicos e serviços nos locais mais ricos, em geral já saturados. A rede hospitalar, na qual era significativa a participação dos hospitais filantrópicos, foi nacionalizada e o regime de trabalho passou a ser predominantemente assalariado. O NHS foi organizado em três níveis:

1 - Os serviços médicos gerais compunham o primeiro, oferecendo consultas, inclusive serviços odontológicos, farmacêuticos e oftalmológicos, constituindo o espaço de atuação dos clínicos gerais ( general practioners ) que mantinham uma relação contratual com o serviço, resguardando assim sua autonomia.

2 - O segundo nível, administrado pelo governos locais, correspondia aos serviços de assistência médica e saúde pública e incluía as maternidades, os serviços médicos para crianças, os visitadores sanitários, a educação para a saúde, os programas de vacinação e imunização e os serviços de ambulância.

3 - O terceiro nível era configurado em sua maioria pelos conselhos hospitalares regionais.

A ausência de barreiras ao acesso ao atendimento, ou seja a universalização, e uma característica básica do NHS, que combinada com o predomínio do setor público na oferta dos serviços, lhe confere caráter paradigmático nas comparações internacionais de sistemas de saúde.

3.1.2 ESTADOS UNIDOS : HEGEMONIA PRIVADA E AÇÃO RESIDUAL DO ESTADO

Em termos de seu aparelho de seguridade social, costuma-se indicar os Estados Unidos da America como caso paradigmático de uma vertente que teria que ser colocada num polo oposto a da experiência européia. Podemos citar duas característica que distinguem o sistema Americano do Europeu :

1- O aparelho de seguridade social norte americano foi montado sob uma predominantemente liberal, privilegiando o setor privado como o espaço legitimo de constituição da oferta destes serviços específicos;

2- O Estado tem uma ação direcionada a setores sociais bastante definidos. Neste caso o Estado realiza uma política de gastos voltada para amparar desempregados e grupos minoritários como é o caso dos idosos.

 Os países Europeus edificaram um aparelho de proteção social sob a égide de um conceito de cidadania que tornava - por consentimento e exigência social - todos os cidadãos alvos de políticas de Welfare direcionadas pelo Estado, entretanto os EUA direcionavam suas políticas para grupos populacionais excluídos do acesso aos serviços de proteção social pela lógica do mercado. Johnson criaria em 1965 dois programas na área de atenção à saúde. O primeiro, o MEDICAID para atendimento dos pobres e indigentes que não estivessem inseridos na lógica do mercado. O segundo programa seria o MEDICARE que tinha como principal finalidade viabilizar o acesso dos idosos aos serviços de saúde. Pela ótica do paradigma Americano poderíamos considerar o financiamento do setor saúde, em dois setores:

1- Subsistema Privado: onde os gastos são financiados a partir do desempenho dos beneficiários ou de alguma forma de seguro privado.

2- Subsistema Público: voltado para segmentos populacionais bastantes delimitados.

A proposição central deste artigo procura mostrar que os Estados Unidos estaria impondo como referência paradigmática básica para a análise estrutural do sistema de saúde brasileiro e os fatos em questão estariam substanciados em três evidências:

v - composição, do ponto de vista do financiamento do gasto, público/privado da oferta dos serviços de saúde.;

v - caracterização das clientelas que circundam os subsistemas referidos;

v - nas formas de financiamento emergentes ( planos de seguros individuais ou de grupo ) que garantem o dinamismo e a autonomia do setor privado.

4 - BRASIL: DIAGNÓSTICO, REFORMA E TENDÊNCIAS

SITUAÇÃO NOS ANOS 70

A ênfase na opção privatista se manifestou de diversas formas na política do INPS e, após 1978, do INAMPS, mas produziu, segundo esta interpretação, um resultado inequívoco: o fortalecimento do setor privado. Para este fenômeno também concorreu também outro fator, que foi a orientação para os agentes privados das linhas de financiamento à saúde do FAS - Fundo de apoio ao Desenvolvimento Social.

ANOS 80 : INOVAÇÕES FINANCEIRAS E AUTONOMONAÇÃO DO SETOR PRIVADO

Um dos fatos que indubitavelmente marcaram com maior intensidade os anos 80 no que diz respeito ao sistema de saúde brasileiro refere-se ao surgimento e acelerada proliferação de diversas inovações financeiras vibializadoras do acesso de amplas camadas populacionais ao sistema privado de saúde.

As inovações financeiras surgidas nos anos 80 aproximam sensivelmente a estrutura de financiamento dos Serviços de Saúde no Brasil ao quadro Norte Americano. Pode-se citar o surgimento ( ou expansão acelerada ) de pelo menos três instrumentos de financiamento ao acesso privado aos serviços de saúde:

1 - Planos de Saúde Individualmente Contratados;
2 - Planos de Seguro de Grupo com Participação Financeira das Empresas Privadas;
3 - As Caixas Própias das Empresas Estatais;

A universalização, consagrada como princípio constitucional em 1988, resultou da combinação da apontada tendência estrutural à absorção gradual de novos segmentos com longo esforço político do movimento sanitarista.

Portanto a universalização no caso brasileiro, dadas as suas especificidades parece ter assimido a função, não de incluir efetivamente todos os segmentos sociais na alçada do atendimento público de saúde, mas de garantir o atendimento aos setores mais carentes e resistentes aos mecanismos de racionamento. Com esta caracterização específica do processo de universalização, ou seja, excluindo para o subsistema privado os segmentos médios em diante, abre-se um espaço para que o Estado se capacite a atender mais eficientemente os setores sociais que continuaram possindo no subsistema público o seu referencial básico de assistência.

   Configurou-se assim um extenso elenco de medidas e procedimentos que formalizaram uma “agenda de reforma pós Welfare “ ( Benett, 1990 ). Essa nova agenda de reforma dos serviços de saúde estava centrada numa mudança de paradigma da intervenção estatal em campo social, cujos elementos centrais seriam ( OECD,1987) :

1 - Resposta do Estado ao consumidor: A mudança crucial e fundamental do paradigma foi na direção de tentar transformar o compromisso governamental - de garantia do direito de acesso aos serviços para todos os cidadãos - em políticas que se baseavam num conceito de demanda expressa segundo as preferências do consumidor a que levavam em consideração a questão dos custos.

2 - Inovações nas formas de organização da distribuição de serviços: O governo não seria o provedor de serviços por excelência e, da mesma forma, o financiamento desses serviços não deve provir de impostos gerais. Entretanto o Estado deve reter importante papel regulador, conferindo o desempenho do setor e estabelecendo o ambiente geral do processo decisório.

3 - Financiamento e recuperação de custos: O financiamento, tanto da infraestrutura quanto da melhoria dos serviços, por outros meios que não os orçamentos gerais ( isto é, a arrecadação fiscal ) seria mais efetivo na sustentação de uma posição financeira equilibrada entre os níveis federal/central e estadual/local. Isto estimularia, segundo seus defensores, maiores inovações na perspectiva de recuperação de custos ao invés de introdução de novos impostos ou taxas específicas.

4 - Reforma gerenciais (ou responsabilização interna ): Seria buscada nas instituições estatais através de mudanças na estrutura gerencial. Os objetivos centrais eram :

a - a busca de meios para responder à demanda real e não às decisões programáticas e burocráticas sobre o que as pessoas necessitariam ou a que deveriam ter acesso;

b - a revisão do desempenho dos funcionários públicos, que deveriam proporcionar serviços efetivos e eficientes e não atuar segundo decisões e demandas de sindicatos ou corporações profissionais;

c - a restrição e o redimensionamento do emprego público, uma vez que os serviços governamentais deveriam responder às demandas da população e não constituir um meio clientelista de troca política;

d - o estímulo à flexibilização (leia-se privatização) dos meios de provisão de serviços, com vista a aumentar a eficiência, superando as pesadas e monolíticas instituições estatais.

5 - Reinterpretação da representação (ou responsabilização externa): Propondo-se substituir as escolhas políticas ou burocráticas pela escolha do consumidor. A vinculação entre a cobrança política e a distribuição de serviços também foi posta em dúvida nessa nova agenda.

A - CO - PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DO USUÁRIO (COST - SHARING) OU TICKET MODERADOR

   Esta estratégia de contenção de gastos vem sendo introduzida em diversos países na Europa, desde os anos 70, e à participação do usuário no financiamento da assistência médica no momento da utilização são atribuídas tanto funções alocativas quanto financeiras. No que concerne à alocação de recursos, a introdução dos tickets está relacionada a objetivos racionalizadores das várias formas de assistência sobre as quais eles recaem, tomando positivo o seu custo para o usuário/consumidor.Evidentemente esse mecanismo age sobre a demanda em nível microeconômico, mas em compensação, em termos macroeconômicos, os tickets revelaram-se, por toda parte, impotentes para o gerenciamento dos gastos sanitários.

B - MANAGED CARE OU “ASSISTÊNCIA MÉDICA ADMINISTRADA”: CONTROLAÇÃO DE GASTOS, REGULAÇÃO (PÚBLICA E PRIVADA) E CONTROLE DA UTILIZAÇÃO

   A “assistência médica administrada” (ou managed care ) foi formulada inicialmente a partir da crença no poder da organização e da regulação privada para influenciar os padrões de prestação de serviços centrados no mercado privado independente do governo, e a preços acessíveis para a população . Originada nos EUA esses planos propõem-se a integrar a prestação e o financiamento de serviços assistenciais e conter os custos através de medidas reguladoras da relação médico paciente. Os aspectos relevantes da assistência médica administrada são:

1 - contratos com profissionais e serviços selecionados, para a prestação integral da atenção médica a membros de planos de seguro, usualmente mediante o pagamento de um montante fixo anual ou mensal;

2 - formas de controle da utilização e da qualidade da atenção pré -fixadas e aceitas pelos prestadores;
3 - incentivos financeiros para os pacientes, com finalidade de induzir a utilização dos prestadores associados aos planos e/ ou preferenciais;

4 - premissa de corresponsabilização dos médicos nos riscos financeiros da atenção alterando fundamentalmente o seu papel como agente de demanda;

5 - aceitação pelos médicos e serviços de menores preços e maiores controles sobre sua autonomia técnica e financeira, em troca de um fluxo permanente e garantido de pacientes.

   Na sua origem os planos de pré pagamento no EUA sofreram ferenha oposição da corporação médica e foram apoiados pelos movimentos trabalhistas e de consumidores, tanto por serem considerados uma forma mais solidária de assistência ( “os saudáveis subsidiariam os doentes “, uma vez que os preços são os mesmos para todos.

   O governo Nixon se apropriou e redefiniu a prática de grupo e pré pagamento, cunhando o nome de Health Maintenance Organization - HMOs, como alternativa política que a um só tempo preservaria a assistência médica empresarial e possibilitaria a diminuição da taxa de crescimento do gasto sanitário.

   Nos anos 80, a montagem de novas alianças em torno de questões dos custos da assistência médica norte-americana possibilitou um grande deselvolvimento dessas práticas. 

   No final da década de 80, o managed care se havia constituído na principal linha de defesa na estratégia dos empregadores privados contra o rápido crescimento dos gastos com os seguros -saúde de seus empregados. Existem diversos programas de managed care, ou assistência administrada, mas entre os modelos predominantes estão as Health Maintenance Organizations-HMOs, as proferred Providers Organization - PPOs e os chamados points -of-service plan, que é uma versão mais recente. Vejamos como se constituem :

1 - HEALTH MAINTENANCE ORGANIZATION - HMOs

   Combinam seguro de assistência médica e mercado de serviços, ou seja funcionam como um grupo de pré-pagamento, contratualmente responsável pela provisão de um pacote de serviços mais ou menos abrangente, com pouco ou nenhum adicional para os seus membros. Isto significa que se seus filiados utilizam menos serviços do que o contratado inicialmente, a organização lucra. O tamanho da HMOs parece fundamental para este balanço e autores estimam que não devam ultrapassar a aproximadamente 50.000 membros.

2 - PREFERRED PROVIDERS ORGANIZATION - PPO

   As PPOs constituem uma forma modificada de HMOs. São planos de seguro que oferecem prêmios mais baixos porque negociam descontos com médicos e hospitais específicos, no pagamento por unidade de serviço, em troca de determinado volume de trabalho.

3 - POINT-OF- SERVICE PLAN

   A diferença essencial em relação as anteriores está nos incentivos aos pacientes ( melhores benefícios, co-pagamentos mais baixos ) para canalizarem suas demandas de serviços médicos através dos clínicos gerais, fortalecendo o papel deste profissional na contenção da demanda.

C - COMPETIÇÃO : A ESSÊNCIA DOS MODELOS DE REFORMA SANITÁRIA DOS ANOS 80 

   As palavras-chaves eram regulação e competição, colocadas em oposição. Regulação, nessa discussão, se referia ao controle estatal de qualquer espécie, e competição não tinha um significado preciso, mesmo entre os economistas: na assistência médica, era vista como podendo produzir uma enorme variedade de resultados, dependendo da estrutura legislativa e institucional que atuava.

   A partir dessa discussões, os anos 80 assistiram a uma série de processos de reforma dos sistemas de serviços de assistência médica, onde o discurso retórico sempre esteve centrado na competição ( o que tem permanecido noas anos 90 ) . O que verifica-se na prática é um aumento da regulação estatal, uma vez que os mercados, como se sabe, jamais funcionam sem a mão invisível do Estado.

   Na Europa advogam a introdução nos sistemas públicos de mecanismos concorrenciais que imitam o jogo do mercado. Duas têm sido particularmente discutidas, constituindo novos modelos paradigmáticos para a área sanitária, sobretudo para as reformas dos sistemas nacionais de saúde: o mercado interno ( internal market ) implemedntado na reforma Inglesa de 1989/1981, e a competição pública ( Public Competition ), que está sendo estudada e desenvolvida em alguns Condados da Sueécia ambas tem como paradigma a denominação Competição Administrada ( Managed Competition ) que teve origem nos EUA.
 
a - MANAGED COMPETITION ou “COMPETIÇÃO ADMINISTRADA “

   O termo competição administrada “managed competition “foi criado por Alain Enthoven em 1977. A primeira formulação dessa proposta, que propunha a criação “um sistema nacional de seguro -saúde cuidadosamente modelado e administrado, baseado na idéia da livre escolha por consumidores conscientes dos preços dos serviços e na competição de preços entre planos alternativos de financiamento e distribuição de serviços ( Enthoven,1988 ). O objetivo maior da managed competition, no plano téorico, é reconciliar iquidade e eficiência.

b - O MODELO DO “ MERCADO INTERNO “( INTERNAL MARKET ) ou WORKING FOR PATIENTS ( 1989/ 1991 ) BRITÂNICO.

   A proposta do mercado interno, em termos sucintos, procura a separação entre financiamento e provisão, mediada por contratos entre compradores e prestadores ). Tem como eixo central o recurso à competição para a seleção de prestadores que conseguem fornecer um determinado pacote de prestações com uma relação qualidade/preço. A melhor oferta pode ser comprada de um serviço público, de um serviço privado lucrativo ou não, ou ainda de empresas pertencentes ao setor terciário. O contracting out caracteriza-se como uma versão particular da extensão de mecanismo de concorrenciais ao âmbito público e, dependendo do caso, como expansão da oferta privada ( Granaglia, 1993 ).

   As principais argumentações, a favor e contra, dos benefícios dessa reforma podem ser resumidos à seguir:

1 - Redução da ineficiência técnica : a Competição é vista como um instrumento capaz de constranger os seus hospitais a reduzirem seus custos unitários. É complicado conjugar a ética e autonomia clínica dos profissionais dà alocação mais eficientes dos recursos.

2 - Implantação de economia de escala nos serviços sanitários: os serviços se especializariam naquilo que têm de melhor desempenho e este processo de especialização comportaria a passagem de recursos de um serviço a outro.

3 - Redução dos preços dos fatores de produção: em teoria supõe-se que o mercado interno criaria diferenças geográficas, seja em termos salariais, seja em relação a especialidades.
4 - Qualidade da assistência, acessibilidade e livre escolha do paciente: Os indicadores para a avaliação da qualidade são escassos e complexos, além de que a acessibilidade e a livre escolha do paciente são temáticas estreitamente relacionadas com o tema equidade.
 
C - O MODELO DA COMPETIÇÃO PÚBLICA (PUBLIC COMPETITION ) OU REFORMA SUECA

   Os princípios organizativos básicos de seu modelo ideal é constituído por três componentes:

1 - propriedade e gestão pública das instituições prestadoras do serviço;

2 - livre escolha do médico e do serviço pelo paciente, de forma diferente do conceito tradicional de livre escolha, porém uma vez que a seleção dos serviços e profissionais deve restringir-se a elencos dos institutos e centros existentes numa determinada área e financiados com capital público;

3 - flexibilidade orçamentária, uma vez que requer ajustamentos contínuos e disponibilidade de recursos para incentivos em função de produtividade e eficiência;

   A pretensão da mudança que se propõe, para um modelo público paradigmático como o sueco, é, por um lado promover a eficiência interna do sistema através da introdução de incentivos ao estilo daqueles existentes no mercado, mas mantendo a estrutura pública de alocação de recursos; por outro lado melhorar a capacidade estrutural dos serviços sanitários públicos para satisfazer às múltiplas demandas contraposta pela população.

D - COMPARAÇÃO ENTRE OS DOIS MODELOS : COMPETIÇÃO PÚBLICA E MERCADO INTERNO

 
Competição Pública ( Public Competition )
Mercado Interno ( Internal Market )
Ênfase na mudança econômica : Apoia-se na escolha do paciente, isto é, na demanda
Basear-se precipuamente na oferta
Principal agente de mudança : Aumenta o poder do paciente mediante o qual concentra incentivo sobre médicos, staff e políticos, nessa ordem.
Aumenta o poder do manager, que deve conciliar qualidade e custo na escolha da assistência mais barata.

Nível de mudança do sistema : Concentra esforços nas mudanças de incentivos sobre prestadores, portanto, nos serviços.
Concentra-se principalmente no crescimento da autoridade no âmbito dos distritos.

E - O MODELO DO RELATÓRIO DEKKER OU DA REFORMA HOLANDESA

   A reforma proposta pelo relatório Dekker na Holanda tem sido referida como paradigmática para os sistemas de saúde tipo seguridade social, centrados no seguro doença, que contam com expressiva participação do setor privado.

   A maioria dos autores afirmam que a proposta Holandesa é provavelmente a mais radical em termos de reformas dos serviços de assistência médica previstas para os anos 90 nos países da OECD, cujas principais medidas são :

v . criação de um regime uniforme de seguro-doença nacional, ou seguro básico compulsório para todos os cidadãos, canalizando as atuais fontes de financiamento num único sistema de seguros;

v . integração de serviços de saúde e sociais num mesmo regime;

v . intervenção direta do poder público na definição do volume e dos custos dos serviços de saúde através de um regime de concorrência administrada., que envolvam tanto seguro doença quanto serviços de assistência médica propriamente dito.

IX - CONCLUSÕES

   A nova agenda de reformados serviços de saúde, que já não são tão novas assim, estava centrada numa “mudança de paradigma “ ( OECD, 1987 ) da intervenção estatal em campo social ( Bennett, 1990 ), cujas justificativas eram as mesmas utilizadas para decretar o fim do Welfare State, e o elemento central seria a implementação de políticas que se baseavam no conceito de demandas expressa segundo as preferências do consumidor que levaram em consideração a questão dos custos.

   Seus pontos fundamentais eram a eficiência gerencial responsabilização interna com os gastos dos serviços, respostas às preferências do consumidor e reequilíbrio da alocação de recursos entre o governo, nos seus diferentes níveis, e o mercado, istoé, descentralização para níveis subnacionais e para o setor privado. Isto significou mudança da ênfase na produção direta de serviços pelo governo para provisão em um ambiente regulatório apropriado, com introdução de mecanismos competitivos que, teoricamente, estimulariam a ação individual, proporcionariam melhor respostas do mercado e das organizações não lucrativas.

   Portanto as reformas dos anos 80, e que continuam nos anos 90, foram importantes não apenas por aquilo que mudaram mas também pelo que preservaram ( Saltman, 1994 ) . De um lado, deram maior visibilidade à complexidade dos sistemas sanitários; ressaltaram a importância da gerência, assim como evidenciaram as dificuldades trazidas pelas transposições mecânicas, para a área social, de teses vitoriosas no campo econômico. Do outro, significaram que os mecanismos e incentivos competitivos foram reinterpretados e um setor público fortemente regulador foi o resultado mais imediato dos primeiros anos da implantação dessas reformas . Ou seja apesar do pouco tempo de implementação das experiências reformistas dos países considerados paradigmáticos ( como o EUA e Reino Unido ) e embora as reformas tenham sido justificadas por uma retórica neoliberal às vezes radical, o resultado visível até o presente momento é paradoxal.  

BIBLIOGRAFIA

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2 - A Inovação Institucional, Distributivismo e Crise: A Política de Saúde nas Décadas de 80 e 90: Costa, Nílson do Rosário - Trabalho, com algumas modificações, da tese de Doutorado “Políticas Públicas e Justiça “- doc 42 p.

3 - Financiamento do Setor Saúde no Brasil : Subsídios para Reflexão - Monografia elaborada para a Disciplina Políticas de Saúde ( Mestrado em Saúde Pública ), ENSP/FIOCRUZ, 1995, Ramminger, Avila e Gustavo, doc 42 p c/ anexos.

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11 - “ AIS - SUDS-SUS : Os Caminhos do Direito à Saúde “, Noronha J.C & Levcovitz E., Rio de Janeiro, Abrasco, 1991.

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37 - Opiniões efetuadas na Imprensa sobre a proposta do CPMF.

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