terça-feira, 21 de janeiro de 2014

AVALIAÇÃO DE SERVIÇOS DE APOIO NA PERSPECTIVA DO CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR

AVALIAÇÃO DE SERVIÇOS DE APOIO NA PERSPECTIVA DO CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR


Milca Severino Pereira1, Marinésia Aparecida do Prado2 , Ana Lúcia de Melo Leão, Denise Nobre de Souza3


PEREIRA, M.S.; PRADO, M.A.; LEÃO, A.L.M.; SOUZA, D.N. - Avaliação de servilos de apoio na perspectiva do controle de infecção hospitalar.
Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.1, n.1, out-dez. 1999.


RESUMO. A qualidade dos serviços de apoio constiui em importante condição para a prevenção e controle de infecção hospitalar. Objetivo: Identificar e analisar o funcionamento e padrão de qualidade dos serviços considerandos de infra-estrutura, em relação ao atendimento dos pré-requisitos para o controle de infecção hospitalar. Metodologia: pesquisa descritiva analítica realizada em hospitais públicos e privados. Os dados foram obtidos por entrevista estruturada e check-list, ambos validados previamente, aplicados em supervisores dos serviços. Resultado: Foram analisados 13 hospitais, 62 serviços, todos possuem comissão de controle de I.H. A padronização dos procedimentos foram relatadas por 78% dos laboratórios; 45% das farmácia; 61% dos serviços de nutrição; 67% das lavanderias; 100% dos serviços de limpeza. A interação entre os serviços de apoio e a comissão de controle de IH é maior nos hospitais públicos. Conclusão: mais de 50% dos hospitais estudados apresentam um bom padrão de controle de IH, no que tange aos serviços de apoio. UNITERMOS: infecção hospitalar, controle de infecção, qualidade da assistência.
SUMMARY. The quality of the services of support is an important condition for the prevention and control of Hospital Infections (HI). Objective: To identify and to analyse the operation and pattern of quality of the service infrastructure, in relation to the attendance to the requirements for the control of infection into hospital. Methodology: Descriptive and analytic research accomplished at public and private hospitals. Structured interview and checklist obtained the data, both previously validated, applied in supervisors of the services. Result: Were analysed 13 hospitals 62 services and all have a Hospital Infections Control Commission (HICC). The procedures standardisation was related by 78% of the laboratories; 45% of the drugstore; 61% of the nutrition services; 67% of the laundries; 100% of the services of cleaning. The interaction between the support services and the HICC is larger in the public hospitals. Conclusion: more than 50% of the studied hospitals present a good pattern of control of HI in what it means to the support services.KEY WORDS: Hospital Infection, infection control, attendance quality
INTRODUÇÃO
O movimento pela qualidade nos serviços de saúde é um fenômeno mundial em decorrência da crescente conscientização de que na sociedade contemporânea, a qualidade é considerada um requisito indispensável de sobrevivência econômica e, mais importante ainda, uma responsabilidade ética e social1.
O controle de infecção hospitalar (IH) encontra-se entre os parâmetros utilizados na avaliação de qualidade da assistência , a vantagem da utilização desse parâmetro é a capacidade que esta atividade tem de avaliar três elementos: a estrutura existente para a prestação de serviços, o processo de realização das atividades de atendimento e os resultados deste, com aumento ou diminuição da ocorrência de IH6,7.
Para que um programa de controle de infecção hospitalar (PCIH) tenha êxito, é essencial que haja participação ativa dos vários setores do hospital que lhes fornecem a infra-estrutura mínima necessária à sua efetiva implantação.
Pode-se afirmar que as condições dos serviços de apoio como laboratório de microbiologia, farmácia, lavanderia, higiene e limpeza, serviço de nutrição e banco de sangue refletem a qualidade do serviço de controle de infecção hospitalar (SCIH), uma vez que trabalham em consonância buscando oferecer um bom padrão de assistência e atender às necessidades para a implementação dos cuidados hospitalares.
O laboratório de microbiologia tem um papel importante no apoio à SCIH nas diversas etapas da investigação epidemiológica, pois auxilia diretamente no diagnóstico de infecções e na identificação de pacientes com infecção ou colonização, cabendo-lhe realizar, quando necessário, estudos para estabelecer as diferenças e semelhanças entre microrganismos, realizar estudos do ambiente hospitalar e treinar o pessoal para as atividades de controle 2,3.
A farmácia hospitalar atua como um importante centro de distribuição e controle de medicamentos bem como de normatização de germicidas e esterilizantes. Tem sido relatado a implicação de produtos farmacêuticos manipulados sob condições inapropriadas como agentes causais das IH 9.
A lavanderia hospitalar é responsável pelo processamento da roupa e por sua distribuição em perfeita condição de higiene e conservação, este serviço de apoio merece grande atenção uma vez que as roupas são, usualmente, consideradas veículos condutores de microrganismos que podem ser responsáveis por IH 10.
A limpeza é um dos elementos primários e eficazes nas medidas de controle para romper a cadeia epidemiológica das infecções, pois está diretamente ligada à remoção da sujidade e contaminação dos artigos e das superfícies do hospital, como forma de garantir aos usuários uma permanência em local asseado e em ambiente com menor carga de contaminação possível, isto contribui para reduzir a possibilidade de transmissão de infecções, oriundas de fontes inanimadas8, 11.
O serviço de nutrição atua como integrante da cadeia epidemiológica das infecções veiculadas por alimentos, uma vez que são várias as doenças causadas por contaminação alimentar, que podem resultar em infecção cruzada ou intoxicação, decorrentes da estocagem e da manipulação inadequada dos alimentos8.
Diante da importância das doenças veiculadas pelo sangue, pelo seu alto custo e, principalmente, pela alta mortalidade, o banco de sangue passou a ser objeto de avaliações, considerando a coleta, o processamento, o armazenamento, os exames e as transfusões.
Assim sendo, este estudo tem como objetivo identificar e analisar as condições de funcionamento e padrão de qualidade dos serviços considerados de infra-estrutura, em relação ao atendimento aos pré-requisitos para o controle de infecção hospitalar.
METODOLOGIA
 Pesquisa realizada em hospitais públicos e privados, com número de leitos igual ou superior a 100, localizados no município de Goiânia- GO, no período de agosto/98 a julho/99.
Os dados foram obtidos através de check- list e entrevista estruturada, previamente validados quanto ao conteúdo por 5 profissionais que atuam em controle de IH. Visando verificar a adequacidade dos instrumentos foi realizado teste piloto utilizando-se de 2 hospitais.
Após prévia autorização da administração/ direção do hospital e aquiescência dos serviços de apoio propostos para o estudo, os instrumentos foram aplicados nos encarregados e supervisores.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram do estudo 9 hospitais da rede privada, abrangendo 43 serviços de apoio e 4 hospitais públicos, num total de 19 serviços de apoio. Portanto, foram analisados 13 hospitais e 62 serviços: higiene e limpeza, lavanderia, farmácia, nutrição, laboratório de microbiologia e banco de sangue.
Todos os hospitais estudados possuem comissões de controle de infecção hospitalar em funcionamento.
Tabela I- Distribuição dos serviços de apoio segundo o tipo de hospital.
Serviço de Apoio
Hospital Público
Hospital Privado
Total
%
Farmácia hospitalar
3
9
12
92
Lavanderia
4
9
13
100
Nutrição/Dietética
4
9
13
100
Higiene e limpeza
4
9
13
100
Laboratório de microbiologia
3
7
10
77
Banco de sangue
1
0
1
7,7
Total de Serviços
19
43
62
Total de Hospitais
4
9
13
O Banco de sangue foi encontrado em apenas 01 hospital, os demais utilizam este serviço terceirizado. É papel da vigilância sanitária avaliar a qualidade dos serviços prestados pelos bancos de sangue.
Nos últimos anos com o aparecimento de novas enfermidades e o aumento da importância de atividades de vigilância tendentes a melhoria das condições de vida, o banco de sangue passou a ser objeto de avaliações, considerando a coleta, o processamento, os exames e as transfusões.
Concernente ao serviço de banco de sangue, encontrado em apenas 01 hospital da rede pública, verificamos que apresenta áreas separadas para triagem, coleta de material, realização de exames e estocagem dos hemoderivados. Realiza teste sorológico e provas imunohematológicas, descartando as amostras em baldes com Hipoclorito a 1%, e ainda, comprovam a monitorização diária das geladeira com registros no mapa de controle de temperatura.
À medida que se organizam as comissões e serviços de controle de infecção hospitalar, surge a necessidade de conhecimento da característica epidemiológica bacteriana de cada instituição, acarretando melhoria das técnicas e resultados microbiológicos8 . O laboratório de microbiologia atua orientando a padronização e prescrição de antibióticos, gerando e fornecendo relatórios sobre a distribuição de microrganismos identificados em sítios corporais e unidades do hospital9 .
Um exame microbiológico é resultado de uma sequencia de etapas que devem ser executadas com cuidado, precisão e no menor tempo possível. Torna-se necessário que o laboratório detenha o controle adequado de cada uma delas, orientando a padronização de rotinas e checando a correta execução de suas atividades8 . O estudo revelou que 76% dos serviços contavam com o microbiologista à frente das atividades, 78% possuíam padronização de seus procedimentos e realizavam controle de qualidade dos meios de cultura e dos discos de antibiograma.
O isolamento e a identificação correta em uma amostra biológica são essenciais para o conhecimento das características microbiológicas das IH. Assim conhecer a sensibilidade "in vitro" do agente infectado é necessário para que se faça a escolha do antimicrobiano mais eficaz para o tratamento do processo infeccioso8 . Verificamos que 78% dos serviços identificam bactérias até espécies e fornecem dados de sensibilidade condensados e analisados.
Sobre o descarte das amostras dos exames realizados 67% relatam autoclavar esses materiais antes de desprezar no lixo, prática esta recomendada pelo MS, o qual preconiza que resíduos de amostras clínicas e outros materiais a serem descartados deverão ser acondicionados em sacos plásticos apropriados e, em seguida, autoclavados3 .
O sucesso dos programas de controle de IH depende do envolvimento ativo do laboratório de microbiologia. Os resultados do exames laboratoriais devem estar disponíveis de modo prático e rápido, afim de poderem ser consultados pelo corpo clínico do hospital10 .
A farmácia hospitalar deve possuir uma estrutura adequada para desenvolver uma assistência farmacêutica eficaz e participa ativamente das ações de controle e prevenção da IH. Recursos humanos capacitados, recursos materiais e área física compatível com o perfil assistencial da instituição são requisitos básicos para viabilizar a atuação da farmácia hospitalar8 .
A presença do farmacêutico foi verificada em 78% dos serviços pesquisados. A farmácia em 56% dos hospitais estava associada ao almoxarifado, e nem sempre o farmacêutico foi encontrado coordenando as atividades, 89% das instituições adotam a padronização de medicamentos.
O uso racional do medicamento é a principal diretriz de um programa de assistência farmacêutica, considerando-se que ao lado de sua ação terapêutica, todo medicamento tem um potencial de risco de efeitos iatrogênicos. Esse risco é ainda maior para os potentes fârmacos modernos entre os quais se destacam os antimicrobianos. O cenário atual da política de medicamentos em nosso país, determina a necessidade de criação de normas e critérios para a sua seleção8.
A distribuição de medicamentos é um aspecto estratégico seja do ponto de vista de segurança do paciente, do aspecto econômico do hospital ou em termos de controle de IH8. A existência de um sistema de distribuição de medicamentos foi observada em 100% dos serviços sendo que o método mais encontrado foi a distribuição por dose individualizada (89%). Além do medicamento, todos relataram distribuir outros materiais médico-hospitalares, via farmácia.
A seleção de esterilizantes químicos, desinfetantes, saneantes e anti-sépticos e a vigilância de sua utilização adequada são responsabilidade da farmácia7. Os nossos dados revelam que em apenas 23% dos hospitais a seleção, diluição e fracionamento desses produtos estava sob a responsabilidade da farmácia e a padronização foi verificada somente em 45% das instituições. Resultados semelhantes foram detectados pelo Ministério da saúde, que observou a padronização de germicidas, esterilizantes e anti-sépticos em apenas 50% dos hospitais terciários estudados9.
A complexidade de dietas, formulações, cardápios específicos e apropriados impõe a necessidade de medidas rigorosas para desinfecção, preparo, armazenamento e distribuição do alimento9.
É fundamental a atuação do nutricionista na organização e direção do serviço de nutrição e dietética (SND), pois além das funções administrativas fornece também assistência dietoterápica adequada às necessidades dos pacientes e estabelece as rotinas do serviço. A presença desse profissional foi verificada em todos os hospitais pesquisados.
Quanto à padronização dos procedimentos 61% dos SNDs referiram possuir rotinas escritas para o processamento do alimento desde a estocagem até a cocção.
O planejamento físico do SND deve ser realizado por uma equipe multiprofissional sendo imprescindível a presença de um profissional do controle de IH. O espaço deve ser bem dimensionado e adequado às várias etapas envolvidas. A área destinada às unidades operacionais do SND está subdividida em suja - corresponde àquelas de eliminação de resíduos e limpa – corresponde aos setores de recebimento e preparação de alimentos, que devem estar separadas por barreira física8. A separação física das áreas suja e limpa foi verificada somente em 38% dos serviços, sendo que em 62% essa separação era apenas técnica, o que contribui para a contaminação dos alimentos.
O SND deve ser localizado no pavimento térreo, proporcionando fácil acesso externo para o abastecimento, essa localização privilegia também a ventilação e iluminação naturais8. 34% dos profissionais entrevistados relataram ser inadequada a localização, iluminação e ventilação de seus serviços. Quanto à escolha do piso, detalhes importantes devem ser considerados, incluindo o tipo de material, que deve ser antiderrapante, resistentes às substâncias corrosivas e impermeável, os ralos devem ser sinfonados para impedir a entrada dos roedores8. Essas características foram observadas em 45% dos hospitais estudados à exceção dos ralos sinfonados que não foi verificado em nenhum SND, pois os mesmos ainda utilizam canaletas para o escoamento da água.
A área para o armazenamento do alimento sob temperatura controlada destina-se `a estocagem de alimentos perecíveis, em condições ideais de temperatura e umidade, considerando a diversificação dos alimentos, recomendam-se três câmaras frigoríficas ou geladeiras, afim de estocar carnes, laticínios/sobremesas e frutas/verduras8. O cumprimento dessa recomendação foi detectada em 67% dos serviços pesquisados. A cocção é um processo que vai eliminar os microrganismos e deve obedecer a um rigoroso controle de tempo e temperatura, ao serem servidos, os alimentos quentes devem permanecer no mínimo a 70ºC10. Esse controle de tempo e temperatura foi visto apenas em 31% dos hospitais.
Na produção especializada em lactário e de dietas especiais por sondas enterais, o processo deve ocorrer em área própria e isolada, com pessoal paramentado obedecendo as técnicas de assepsia específicas10. Essa preocupação com a área separada para o preparo desse tipo de dieta foi vista apenas em 38% dos serviços visitados.
É importante a presença de pia para a higienização de mãos, com sabão, escova para unhas, toalha descartável e lixeira de pedal8. Observamos que somente 54% dos serviços oferecem estrutura e condições adequadas para a higienização das mãos dos funcionários. É obrigatório a utilização de uniforme completo nas dependências do SND, contendo avental, gorro, máscara e sapato fechado8. Essa recomendação foi constatada em todos os hospitais.
O serviço de lavanderia é um dos setores de apoio a atividades assistenciais, responsável pelo processamento da roupa e sua distribuição em perfeitas condições de higiene e conservação em quantidade adequada a todas as unidades do hospital4.
Ao se organizar uma lavanderia, todo o seu funcionamento deve estar descrito em manual de orientação, este manual deve conter a especificação de cada atividade, a estrutura hierárquica, normas e rotinas, mostrando claramente a execução e organização do trabalho4. O estudo revelou que 67% dos hospitais possuem normas e rotinas escritas para o processamento da roupa.
A coleta da roupa suja deve ocorrer de forma a minimizar a contaminação do ambiente e das pessoas que a manipulam. As roupas devem ser adequadamente acondicionadas em sacos de tecido fechados e colocados em local destinado a esse fim, em caso daquelas contaminadas com fluídos corpóreos, preferencialmente, são indicados sacos plásticos8. Encontramos todos os serviços recolhendo a roupa suja em sacos de tecidos bem fechados e 78% acondicionam as roupas contaminadas em sacos plásticos, devidamente separados e identificados.
O transporte da roupa suja e limpa deve ser feito em carro de uso exclusivo e fechado, devidamente identificado evitando o cruzamento dos dois tipos de roupa a fim de garantir segurança adequada ao funcionário e ao ambiente sem contaminação dos mesmos8. Verificamos que 78% dos serviços transportam a roupa suja em carros fechados, separados da roupa limpa, que em 67% dos locais também é protegida e transportada em carrinho fechado.
A principal medida introduzida na moderna lavanderia hospitalar, para o controle das infecções, foi a instalação da barreira de contaminação, que separa a lavanderia em dois espaços distintos, as áreas suja e limpa4. Encontramos 89% dos serviços apresentando esta separação física na sua estrutura.
A rouparia é um elemento da área física, complementar à área limpa, e centraliza o movimento de toda a roupa no hospital. A centralização em um único local permite um controle eficiente da roupa limpa, do estoque e sua distribuição adequada, em qualidade e quantidade, às diversas unidades do hospital4. O estudo mostrou que 78% dos serviços possuem área física separada para o estoque e distribuição das roupas e estas eram dispostas em prateleiras.
São de competência do Serviço de higiene e limpeza a sua realização e manutenção, devendo existir manual de técnica e rotina de limpeza das áreas críticas, semicríticas e não críticas, como também coleta, acondicionamento e transporte dos resíduos. Todas as instituições estudadas referiram apresentar padronização de normas e rotinas de suas atividades2.
Os resíduos devem ser acondicionados em saco plástico de cor branca leitosa com símbolo do infectante, este saco serviria de forro para recipiente adequado. As lixeiras têm necessariamente de possuir tampa, a fim de impedir o acesso de vetores aos resíduos8. Essa recomendação quanto ao saco plástico, foi verificada em 78% dos serviços, enquanto apenas 23% destes utilizam lixeiras com tampa. Os materiais pérfuro-cortantes deverão ser acondicionados em recipientes rígidos e reforçados 5,8,11. Essa prática foi observada em 100% dos SHLs.
A sala de resíduo é necessária em todas as unidades geradoras, serve com um intermediário interno para o armazenamento do lixo, ate o seu destino final, esta área deve estar próxima à unidade, para possibilitar o recolhimento de resíduos sem causar acúmulo na própria fonte que o gerou8. A presença desta sala de resíduo foi verificada em apenas 11% dos hospitais. Todos os estabelecimentos de saúde devem ser dotados de abrigo externo, sendo que a sua função é armazenar os resíduos oriundos das salas de resíduo ou da própria fonte geradora, até que eles sejam coletados pelo serviço Municipal8. Essa central de armazenamento foi encontrada em todos os serviços pesquisados.
A limpeza concorrente é realizada quando o paciente ainda se encontra na unidade, é feita diariamente, ou de acordo com as necessidades e tem por finalidade a manutenção da limpeza e a organização do ambiente8. Todo o material usado para a limpeza deverá ser lavado e desinfetado diariamente e guardado em local apropriado 5,8. A limpeza concorrente foi vista em todas as instituições, contudo esse cuidado com o material utilizado foi verificado em 89% delas.
A limpeza terminal é realizada após alta, óbito ou transferência do paciente da unidade, tem por finalidade a redução da contaminação do ambiente, deve haver rigosa limpeza do teto, do piso e das paredes, esta conduta é adotada por todos os serviços.
É obrigatório que todo o pessoal envolvido no manuseio de resíduos de serviço de saúde receba treinamento, cuidados médicos e equipamentos de segurança e proteção individual. Os funcionários deverão receber treinamento especializado sobre a contaminação e a desinfecção de resíduos e instruções para a autoproteção5.Todos os hospitais referiram oferecer treinamento específico em limpeza hospitalar.
Os riscos ocupacionais devidos aos agentes biológicos estão universalmente distribuídos na estrutura de um hospital, sofrendo variações na proporção direta em que há contatos mais intensos e diretos com pacientes, principalmente, no que se refere a excreções, secreções, sangue e outros fluidos corporais11. Em todos os hospitais estudados foi observado a preocupação com as medidas de biossegurança, principalmente quanto a aquisição do equipamento de proteção individual.
Entretanto, ainda é freqüente a não adoção do EPI pelo funcionário por ocasião do desempenho de suas tarefas. Esta constatação indica ser necessário um programa de treinamento, sensibilização e conscientização do trabalhador.
Para que um serviço de controle de infecção hospitalar (SCIH) tenha êxito, é essencial que haja participação ativa dos diferentes profissionais de saúde, assim faz-se necessário haver uma maior integração do SCIH com os serviços de apoio, através de mudança de atitudes operacionais e implantação de rotinas técnicas que assegurem à clientela a qualidade do seu atendimento 2. Questionamos os responsáveis pelos serviços pesquisados, acerca da relação/ interação do SCIH com o setor , sendo identificada uma interação insuficiente em praticamente todos os serviços dos hospitais da rede privada, sendo que em alguns casos havia um completo desconhecimento acerca da existência e do funcionamento de um SCIH em sua instituição, figura I.
Quanto aos serviços dos hospitais da rede pública todos apresentam maior interação/ parceria com o SCIH, figura II.
FIGURA I- Porcentagem dos Serviços de apoio que relataram desenvolver suas atividades em observância e parceria às orientações do SCIH- hospitais da rede privada.
                                          
FIGURA II- Porcentagem dos Serviços de apoio que relataram desenvolver suas atividades em observância e parceria às orientações do SCIH- hospitais da rede pública.
                                
É extremamente importante que os serviços de apoio estejam interagindo-se com o SCIH. As normas e rotinas estabelecidas para cada setor de apoio necessitam contemplar aspectos técnicos relacionados à prevenção e controle de infecção hospitalar.
O trabalho em equipe visa, ao nosso ver, agregar as exigências de cada setor com vistas ao alcance do objetivo comum, qual seja, melhorar o nível da qualidade do atendimento ao usuário dos serviços hospitalares.
Os serviços de apoio/ infra-estrutura refletem na qualidade do controle de IH. O cumprimento de normas técnicas estabelecidas revela-se em fatos preponderante nessa integração.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Claramente ao se avaliar o desempenho dos serviços de controle de infecção hospitalar, é necessário avaliar simultaneamente a infra- estrutura com que contam e dependem, isso inclui a avaliação do funcionamento de setores e atividades a ele relacionados, considerados essenciais para a efetiva vigilância e controle.
A presença de profissional especializado como responsável técnico pelos serviços é um fator relevante, uma vez que supõe-se que tenha a capacitação científica necessária para implementar, em conjunto com o SCIH, medidas visando a redução dos fatores de riscos, para o controle de IH, atinentes ao seu setor. A presença desse profissional como responsável técnico pelos serviços foi amplamente verificada.
A padronização dos procedimentos e o estabelecimento de normas e rotinas técnicas foi observada, principalmente, nos serviços de higiene e limpeza, laboratório de microbiologia e farmácia hospitalar.
Detectamos, em alguns hospitais que a seleção, diluição e o fracionamento de germicidas não estava a cargo da farmácia sendo realizada, principalmente, na central de material esterilizado, sem as medidas de segurança necessárias. Demonstrando que apesar da presença do farmacêutico ter sido relatada pela maioria das instituições, algumas atividades de grande importância para o controle de IH, e de sua responsabilidade e competência, não têm recebido a atenção merecida.
Verificamos que apesar do serviço de nutrição e dietética relatar oferecer treinamento aos seus funcionários em noções básicas de higiene e limpeza, alguns não contavam com estrutura física mínima e condições necessárias para a higienização das mãos em hospitais da rede privada. Os supervisores, de vários outros serviços de apoio estudados, têm consciência de que o simples conhecimento das condutas corretas não viabiliza sua efetiva implantação, uma vez que dependem das condições do hospital.
A preocupação com as medidas de biossegurança foi observada em todos os hospitais, principalmente, quanto à aquisição do EPI, contudo ainda não existe um nível de conscientização formado acerca da importância do uso desse mecanismo de proteção. Ainda é comum o desempenho de tarefas sem o EPI.
Identificamos uma ineficaz participação do SCIH nos demais setores dos hospitais da rede privada, visto que a grande maioria destes serviços relataram não possuírem interação com o SCIH, em alguns casos até desconhecem a sua existência.
Em alguns hospitais a constituição de um SCIH foi apontado como instrumento para atender às prerrogativas legais, sendo encarada como uma atividade burocrática, distante dos problemas de quem está envolvido com as necessidades do dia-a-dia.
Observamos maior integração/parceria entre os SCIH e os serviços de apoio nos hospitais públicos. Tal característica pode ser atribuída ao fato de todos eles, de alguma forma estarem envolvidos com ensino, seja como hospital universitário, seja como campo de estágio.
A discussão dos resultados obtidos sustenta a necessidade de uma definição mais clara da infra-estrutura mínima hospitalar necessária para o controle de infecção hospitalar e de um sistema de informação atualizado, acessível às Instituições de saúde, sobre os padrões e características apontados pela literatura, para o adequado controle das infecções.
Os dados encontrados indicam a importância de programas permanentes de treinamento, necessidade de maiores esclarecimentos acerca da participação de cada setor no controle de IH, para que, efetivamente, todos os aspectos técnicos conhecidos como indicadores de qualidade sejam adotados.
Em linhas gerais, os hospitais estudados apresentam um bom padrão de controle de IH, no que tange aos serviços de apoio. O esforço dos profissionais e da própria instituição na busca da superação das dificuldades está evidenciado na busca permanente de melhoria da qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  1. ADAMI, N.P.; MARANHÃO,A.M.S.A. Qualidade dos serviços de saúde; conceitos e métodos avaliativos. Acta Paul. Enf, São Paulo, v.8, n.4, maio-dez, 1995
  2. . ALBUQUERQUE, H. S. T. et al. Comissão de Controle de Infecção Hospitalar. In: FERRAZ, E.M. Infecção em Cirurgia. Rio de Janeiro: MEDSI, 1997. P. 37-50.
  3. . BRASIL, Ministério da Saúde. Manual de procedimentos básicos em microbiologia clínica para o controle de infecção hospitalar. SNAS. Brasília,1991.
  4. . BRASIL, Ministério da Saúde. Manual de lavanderia hospitalar. Brasília, 19865. BRASIL, Ministério da Saúde. Processamento de artigos e superfícies em estabelecimentos de saúde. 2ª ed.Brasília,1994.
  5. BENNEETT, J. V. & BRACHMANN, P. S. Hospital Infections. 3ª ed. Boston: Little Brown, 1992.
  6. . NOVAES, M. H. Padrões e indicadores de qualidade para hospitais. (Brasil). OPAS/HSS/94.05. Washington, 1994.
  7. . OLIVEIRA, A.C. et al. Infecções Hospitalares, prevenção e controle. Rio de Janeiro: MEDSI, 1998.
  8. . PRADE,S.S. et al. Avaliação da qualidade das ações de controle de infecção hospitalar em hospitais terciários. Rev. Controle de Infecção Hospitalar, Brasília, ano 2, p.26-40, 1995.
  9. . RODRIGUES,E.A.C. et al. Infecções Hospitalares: prevenção e controle. São Paulo: SARVIER,1997.
  10. .WENZEL, R (Ed.) – Prevents and Control of Nosocomial Infection. 2ª ed.Baltimore: Williams and Wilkins, 1993.
Projeto e Autores
Estudo Vinculado à linha de pesquisa “Infecção Hospitalar" – Núcleo de Estudo e Pesquisas em Infecção Hospitalar – NEPIH da Faculdade de Enfermagem - FEn –Universidade Federal de Goiás – UFG. Financiado pelo CNPq
1.Milca Severino Pereira - Docente da FEn/UFG e Reitora da UFG
2.Marinésia Aparecida do Prado - Docente da FEn/UFG
3.Ana Lúcia de Melo Leão, Denise Nobre de Souza - Bolsistas PIBIC/CNPq/UFG


domingo, 19 de janeiro de 2014

O PAPEL DO FARMACÊUTICO AO LONGO DO SÉCULO XX

O PAPEL DO FARMACÊUTICO AO LONGO DO SÉCULO XX

Por Fabiola Sulpino Vieira

Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica. Esplanada dos Ministérios Bloco G Ed Sede 8º andar sala 829. 70058-900 Brasília DF
Ciência & Saúde Coletiva v.12 n.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2007

Os autores Hepler & Strand realizaram uma análise sobre os três períodos que consideram mais importantes da atividade farmacêutica no século XX, definindo-os como: o tradicional, o de transição e o de desenvolvimento da atenção ao paciente.
O papel tradicional foi desenvolvido pelo boticário que preparava e vendia os medicamentos, fornecendo orientações aos seus clientes sobre o uso dos mesmos. Era comum prescrevê-los.
Conforme a indústria farmacêutica começou a se desenvolver, este papel do farmacêutico paulatinamente foi diminuindo. Começa assim o período de transição. As atividades farmacêuticas voltaram-se principalmente para a produção de medicamentos numa abordagem técnico-industrial.
Os países do Primeiro Mundo concentraram-se no desenvolvimento de novos fármacos e o Brasil, que possui um parque industrial farmacêutico predominantemente multinacional, trabalhou a tecnologia farmacêutica adaptando as fórmulas às condições climáticas do país.
A publicação da Lei 5.991/7312, que ainda está em vigor, conferiu às atividades farmacêuticas um enfoque mercantilista. Qualquer empreendedor pode ser proprietário de uma farmácia ou drogaria, desde que conte com um profissional farmacêutico que se responsabilize tecnicamente pelo estabelecimento.
 Este é o marco da perda do papel social desenvolvido pela farmácia. O estabelecimento comercial farmacêutico voltou-se para o lucro e o farmacêutico começou a perder autonomia para o desempenho de suas atividades.
O profissional passou a atuar como mero empregado da farmácia ou drogaria, perdeu o respeito da sociedade e refugiou-se em outras atividades, distanciando-se de seu papel de agente de saúde.
Com isto, ampliaram-se os espaços para a obtenção de lucros desenfreados através da "empurroterapia" e da propaganda desmedida .
O medicamento passou a ser visto com uma solução "mágica" para todos os problemas humanos, assumindo o conceito de bem de consumo em detrimento ao de bem social.
Mas, enfim, o farmacêutico em meio a uma grave crise de identidade profissional iniciou sua reação fazendo nascer nos anos 60 a prática da farmácia clínica.
 Passou a se conscientizar do seu papel para a saúde pública. A prática farmacêutica orienta-se para a atenção ao paciente e o medicamento passa a ser visto como um meio ou instrumento para se alcançar um resultado, seja este paliativo, curativo ou preventivo. Ou seja, a finalidade do trabalho deixa de focalizar o medicamento enquanto produto farmacêutico e passa a ser direcionada ao paciente, com a preocupação de que os riscos inerentes à utilização deste produto sejam minimizados.
O lamentável desastre ocorrido em 1962, em virtude do uso da talidomida por gestantes, ocasionando uma epidemia de focomelia, desencadeou um novo olhar sobre o uso dos medicamentos e foi o marco para o surgimento das ações de farmacovigilância17. Passou-se então ao período de desenvolvimento da atenção ao paciente.
Os países começaram a se preocupar com a promoção do uso racional dos medicamentos18, motivados pela publicação de documentos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O primeiro passo neste sentido foi a introdução do conceito de medicamentos essenciais em 1977.
No Brasil, a partir de meados dos anos 1990, a presença marcante das ações dos conselhos de farmácia e vigilância sanitária em estabelecimentos comerciais farmacêuticos está mudando o panorama nacional. A exigência da presença do farmacêutico no setor privado está trazendo-o para o desempenho de suas funções em farmácias e drogarias.
O mesmo está ocorrendo no serviço público, embora de forma muito mais lenta. Hoje, mais do que nunca, é possível encontrar farmacêuticos desempenhando funções dentro das secretarias municipais da saúde, mas o número de profissionais está muito aquém das reais necessidades.
Ainda não está garantida a sua presença em todas as unidades básicas de saúde, mesmo existindo dispositivo legal que determine isto12. No entanto, temos que refletir que mudanças estão ocorrendo e que acenam para a melhora dos serviços oferecidos à população.
No sentido da necessidade de fomento à qualidade da assistência farmacêutica, em 1990, Hepler & Strand expuseram sua preocupação com os problemas que os medicamentos podem causar em relação à diminuição da qualidade de vida do paciente. Identificaram oito categorias de problemas relacionados aos medicamentos. Este foi o impulso inicial para o surgimento de uma nova prática, a atenção farmacêutica.
O conceito proposto de atenção farmacêutica pelos autores citados difundiu-se mundialmente: "é a provisão responsável do tratamento farmacológico com o propósito de alcançar resultados concretos que melhorem a qualidade de vida do paciente".
Em 1993, a Organização Mundial da Saúde20 publicou o documento conhecido como "Declaração de Tóquio", resultado do trabalho do grupo que se reuniu nesta cidade para discutir o papel do farmacêutico no sistema de atenção à saúde. Abre-se espaço sem precedentes para a ampliação da prática farmacêutica.
Este novo modo de pensar a atenção ao paciente pelo farmacêutico tem se difundido com rapidez e tem sido debatido com relação às potencialidades para a saúde pública.
O farmacêutico está voltando a cumprir o seu papel perante a sociedade, corresponsabilizando-se pelo bem estar do paciente e trabalhando para que este não tenha sua qualidade de vida comprometida por um problema evitável, decorrente de uma terapia farmacológica. Este é um compromisso de extrema relevância, já que os eventos adversos a medicamentos são considerados hoje uma patologia emergente21 e são responsáveis por grandes perdas, sejam estas de ordem financeira ou de vida.
No Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde22 (OPAS) comandou uma oficina de trabalho para discutir a atenção farmacêutica. O grupo constituído para este fim produziu o documento "Proposta de Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica", que tem por objetivo uniformizar os conceitos e a prática profissional no país.
A proposta de consenso defende que a prática da atenção farmacêutica deve estar orientada para a educação em saúde, orientação farmacêutica, dispensação, atendimento e acompanhamento farmacêutico, registro sistemático das atividades, mensuração e avaliação dos resultados. O propósito da atenção farmacêutica é reduzir a morbimortalidade relacionada aos medicamentos.
Contribuição da profissão farmacêutica para a promoção da saúde
Dentro deste novo contexto da prática farmacêutica, no qual a preocupação com o bem estar do paciente passa a ser a viga mestra das ações, o farmacêutico assume papel fundamental, somando seus esforços aos dos outros profissionais de saúde e aos da comunidade para a promoção da saúde.
Os autores James & Rovers identificaram quatro categorias de iniciativas que podem ser implantadas pelos farmacêuticos para a melhoria do estado de saúde da comunidade:
• Acompanhamento e educação do e para o paciente;
• Avaliação dos seus fatores de risco;
• Prevenção da saúde;
• Promoção da saúde e vigilância das doenças.
Ainda segundo os autores acima, a promoção da saúde pode ser feita através de três domínios que dão suporte aos serviços oferecidos à população:
• Disposição de serviços de prevenção clínica;
• Vigilância e publicações em saúde pública e
• Promoção do uso racional de medicamentos pela sociedade.
A abordagem de James & Rovers  está alinhada aos tópicos relacionados pela OMS24 em relação a medidas que podem ser adotadas para a promoção da saúde.
Transpondo para a nossa realidade as estratégias defendidas mundialmente, é possível dizer que o farmacêutico (da drogaria, farmácia comercial ou farmácia privativa dos hospitais e unidades ambulatoriais de saúde) pode trabalhar sob três pontos básicos: reorientando o serviço de farmácia, desenvolvendo as habilidades da comunidade e incentivando os indivíduos à ação comunitária.
Reorientação do serviço de farmácia
Estudo realizado em farmácias e drogarias sobre o manejo da diarréia utilizando a terapia de re-hidratação oral concluiu que estes estabelecimentos podem se tornar postos avançados de saúde quando bem utilizados25. Este potencial acena para o desempenho de um importante papel para a saúde pública, diferente da prática rotineira até então observada.
Nos últimos 30 anos, a farmácia privativa e as drogarias decifraram receitas (aqui está feita referência às letras de difícil leitura) e entregaram aos usuários do serviço os produtos correspondentes, quase sempre sem qualquer tipo de orientação sobre o uso dos mesmos. A manipulação de fórmulas também não fugiu a esta regra.
Em relação aos serviços públicos, os governos e dirigentes discutem a questão do abastecimento de medicamentos e as estratégias de financiamento, mas poucos reconhecem que os medicamentos são apenas um instrumento da prestação de um serviço e geralmente não se preocupam com a estruturação e a organização deste serviço.
A maioria das farmácias de unidades básicas de saúde funciona porque um leigo ou profissional com parcos conhecimentos sobre medicamentos atua na dispensação (auxiliares de enfermagem, auxiliares administrativos, de cozinha, entre outros).
Em meio a inúmeras necessidades e demandas, os serviços de farmácia não são considerados prioritários na disputa por recursos nos orçamentos da saúde. Talvez a sua importância ainda não esteja explicitada para a maioria dos gestores. Isto é possível constatar pelas condições físicas e de recursos humanos em que se encontram, embora estudos sobre o tema sejam necessários.
Dentro da estrutura das unidades de saúde, a farmácia geralmente ocupa pequenos espaços, muitas vezes sem as condições mínimas necessárias para o armazenamento adequado de medicamentos. Ainda é possível encontrar farmácias em que há grades separando o usuário do serviço e o profissional que faz o atendimento. Além disso, falta pessoal qualificado. Assim, não há condições apropriadas para que este serviço desempenhe a sua função e para que de fato as relações sejam mais humanizadas.
Vale lembrar que a ausência de serviço de farmácia adequado, que zele pelo uso racional de medicamentos em parceria com os demais serviços e profissionais do sistema de saúde, constitui um problema importante de saúde pública e, para chegarmos a esta conclusão, lembremos apenas das informações que tratam da morbimortalidade relacionada a medicamentos nos EUA, país em que todas as farmácias possuem farmacêuticos, e façamos um paralelo com a situação descrita anteriormente.
Faz-se necessário atentar para o uso racional dos medicamentos, de forma que os pacientes recebam os medicamentos para a indicação apropriada, nas doses, via de administração e duração apropriadas; que não existam contra-indicações; que a probabilidade de ocorrência de reações adversas seja mínima; que a dispensação seja correta e que haja aderência ao tratamento.
Os serviços farmacêuticos de atenção primária contribuem para a diminuição da internação ou do tempo de permanência no hospital, à assistência aos portadores de doenças crônicas, à prática de educação em saúde e, para uma intervenção terapêutica mais custo-efetiva .
Dentro desta lógica, o serviço de farmácia deve assumir papel complementar ao serviço médico na atenção à saúde. O paciente que sai do consultório com uma receita terá maior resolução de seus problemas se tiver acesso ao tratamento prescrito e se a prescrição atender à racionalidade terapêutica. Mas não é só isto. Também é necessário avaliar os fatores que potencialmente podem interferir em seu tratamento, como: hábitos alimentares, tabagismo, histórico de reações alérgicas, uso de outros medicamentos ou drogas, outras doenças, etc. ou até mesmo a falta de adesão. Esta avaliação, com a possibilidade de intervenção visando à efetividade terapêutica, pode ser alcançada com a implantação da atenção farmacêutica.
O farmacêutico, via de regra, é o último profissional de saúde que tem contato direto com o paciente depois da decisão médica pela terapia farmacológica. Desta forma, torna-se corresponsável pela sua qualidade de vida.
Tanto o usuário quanto o profissional devem ser vistos na totalidade do seu ser e por isso os conceitos de pessoa, responsabilidade, respeito, verdade, consciência, autonomia, justiça, etc. devem ser interiorizados para modelar a conduta profissional .
A humanização do serviço de farmácia passa por todos estes aspectos e também abrange questões relativas ao ambiente de atendimento. É necessário que haja instalações adequadas o suficiente para causar bem-estar e confiança. Que o farmacêutico possa atendê-lo em sala reservada para este fim, garantindo privacidade.
Assim, a estruturação das ações de atenção farmacêutica dentro do serviço de farmácia constitui uma abordagem imprescindível para a promoção da saúde. O quadro 1 relaciona algumas destas ações que podem ser adotadas para que este serviço seja reestruturado.
QUADRO 1
Ações para a reorientação dos serviços de farmácia
Implementação de ações de atenção farmacêutica para :
v Aumentar a aderência ao tratamento;
v Prevenir intoxicações
v Promover o  uso e o armazenamento de forma segura;
v Prevenir o surgimento de problemas relacionados aos medicamentos;
v Disposição de instalações, ambientes e equipamentos adequados;
v Estabelecimento de manuais de boas práticas de armazenamento e de dispensação
v Capacitação dos funcionários da farmácia;
v Fornecimento de educação continuada aos demais profissionais de saúde para assuntos relativos a medicamentos;

Desenvolvimento das habilidades da comunidade
O farmacêutico pode trabalhar para que a comunidade esteja informada sobre condições que sejam determinantes sobre o seu estado de saúde. A conscientização da comunidade é um pré-requisito para que sejam alcançados níveis elevados de saúde. É necessário que a mesma esteja orientada sobre como proceder em relação ao uso de medicamentos e conheça as doenças mais prevalentes em seu meio, bem como as maneiras para preveni-las ou minimizar suas complicações.
Com o desenvolvimento das habilidades individuais e da comunidade, será possível contar com seu apoio para a realização de movimentos maiores, que tenham em vista a promoção da saúde. O quadro 2 descreve algumas ações que podem ser adotadas para alcançar este objetivo.
QUADRO 2 
Incentivo à ação comunitária
Incentivar a ação comunitária reforça todas as medidas adotadas para a promoção da saúde. A comunidade passa a ser um forte aliado com vista à utilização racional de medicamentos, identificando os problemas mais frequentes e compartilhando com o farmacêutico a responsabilidade pela divulgação da informação para todos os indivíduos.
Considerações finais
A profissão farmacêutica, do século XX até os dias de hoje, passou por vários momentos difíceis, inclusive experimentando a perda da identidade.
Com a prática da atenção farmacêutica e a carência da população de um farmacêutico mais atuante em defesa do uso racional dos medicamentos, surge uma oportunidade ímpar para o desempenho de seu papel perante a sociedade.
Faz parte de suas atribuições a promoção da saúde, principalmente através da disposição de um serviço de farmácia com qualidade (e neste aspecto incluem-se a orientação e o acompanhamento farmacêutico) e, da educação em saúde, de fácil acesso à população.
QUADRO 3
 
O uso irracional de medicamentos é um importante problema de saúde pública; portanto, é preciso considerar o potencial de contribuição do farmacêutico e efetivamente incorporá-lo às equipes de saúde a fim de que se garanta a melhoria da utilização dos medicamentos, com redução dos riscos de morbimortalidade e que seu trabalho proporcione meios para que os custos relacionados à farmacoterapia sejam os menores possíveis para a sociedade.

Referências

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