domingo, 18 de novembro de 2012

PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS EM CRIANÇAS PARTE 1


PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS EM CRIANÇAS PARTE 1



Por Janaína Lopes Domingos, Patrícia Medeiros-Souza,
Celeste Aida Nogueira Silveira, Luciane Cruz Lopes

A prescrição pediátrica deve ser minuciosa, levando em conta aspectos  específicos desta população, tipos de formas farmacêuticas e formulações comercialmente disponíveis, dose e indicação clinica com provas de segurança e eficácia.

E tarefa difícil de ser cumprida considerando as insuficientes provas que apóiam o uso de medicamentos em criancas1. Ainda nos dias de hoje isso mostra os riscos a que esta população esta submetido. A aprovação de medicamentos para uso em crianças por órgãos reguladores esta mais influída por considerações comerciais do que clinicas. Isso resulta em uso de medicamentos não licenciados e prescrição de uso não autorizados (off label).

Em geral, pediatras, médicos gerais e outros provem tratamento com base em sua experiência e julgamento, decidindo sobre indicações, doses e formulações.

Na pratica clinica, a prescrição racional de medicamentos deve considerar o emprego de dose capaz de gerar efeito farmacológico (eficácia) com mínimos
efeitos tóxicos (segurança). Assim, surge a necessidade de se considerarem características fisiológicas da criança, de acordo com seu período de desenvolvimento, e parâmetros farmacocinéticos do farmaco.

As características fisiologicas tem variedade, principalmente na primeira década de vida, acarretando mudanças na função de cada órgão. Durante as fases de crescimento (ver Quadro 1), as crianças estão em continuo desenvolvimento, quando diferenças e processos de maturação não são matematicamente graduais ou previsiveis5.

Quadro 1. Fases de desenvolvimento do ser humano
FASE IDADE
PRÉ-NATAL 0-9 MESES

  • Embrionária, de organogênese 0-3 meses
  • Fetal 3-9 meses
  • Inicial 3-6 meses
  • Terminal 6-9 meses

NATAL OU PERINATAL OU INTRANATAL PÓS-NATAL

INFÂNCIA 0-12 ANOS

  • Recém-nascido 0-28 dias
  • Lactente 0-2 anos
  • Pré-escolar 2-7 anos
  • Escolar 7-10 anos

ADOLESCÊNCIA 10-20 anos
PRÉ-PUBERAL 12-14 a 14-16 anos
PÓS-PUBERAL 18 a 20 anos
Fonte: SILVA, 2006

A simples extrapolação de doses para crianças com base apenas em peso corporal, área de superfície corporal ou idade pode trazer consequencias drásticas.

Assim, eficácia e segurança da farmacoterapia nesta fase inicial da vida requerem compreensão completa do desenvolvimento biológico humano e da ontogênese dos processos farmacocinéticos.

O espectro dessa variedade fisiológica se estende desde crianças que nasceram com menos de 36 semanas, que tem imaturidade anatômica e funcional dos órgãos envolvidos nos processos farmacocinéticos, ate as que tem mais de oito anos de idade e os adolescentes, em que composição e função dos órgãos aproximam-se dos adultos jovens.

Aspectos farmacocinéticos em crianças

Absorção

Existe mudança no pH gástrico de modo que pode haver alteração na biodisponibilidade dos medicamentos. Logo depois do nascimento, o recém-nascido apresenta relativa acloridria; o pH do estomago, praticamente neutro depois do parto, decresce para 3 em 48 horas e nas 24 horas seguintes volta a ser neutro, permanecendo assim nos dez dias subseqüentes. A partir de então, ha um decréscimo lento e gradual ate alcançar valores do adulto por volta dos 2 anos de idade.

Estas mudanças de pH não são observadas em prematuros. Eles parecem ter pouco ou nenhum acido livre durante os primeiros 14 dias de vida. O pH intraluminal pode afetar diretamente o equilíbrio e o grau de ionização de um fármaco administrado oralmente, influindo na sua absorção. De acordo com a idade da criança, quanto maior o pH gástrico, maior o grau de ionização do medicamento, e menor a biodisponibilidade. A repercussão clinica e a de que o medicamento administrado por via oral em crianças tem a sua concentração diminuída e pode ser necessário um aumento da dose para manter a atividade terapêutica.

Esvaziamento gastrico e mobilidade intestinal também apresentam alterações na fase inicial da vida. O esvaziamento gástrico pode aumentar cerca de 6 a 8 horas no primeiro ou segundo dia de vida. Fármacos absorvidos primariamente
no estomago podem ter maior absorção inicialmente, diferentemente dos absorvidos no intestino delgado, que podem ter absorção retardada. O tempo de esvaziamento gástrico se aproxima dos valores dos adultos a partir dos primeiros 6-8 meses de vida. Em razão do aumento do tempo de esvaziamento gástrico, a concentração dos fármacos administrados ate os 8 meses pode diminuir. Deve-se, portanto, observar se a ação farmacológica do medicamento
esta sendo satisfatória.

Em recém-nascidos, o peristaltismo e irregular e lento, ocorrendo aumento do tempo de absorção. Logo, doses usuais podem tornar-se toxicas. Ao contrario, na vigência de diarréia, o peristaltismo aumentado tende a diminuir o grau de absorção. Depois do nascimento, os alimentos estimulam a mobilidade gastrintestinal9 que amadurece durante a primeira infância. A imaturidade da mucosa intestinal aumenta a permeabilidade, interferindo na absorção intestinal
de fármacos e nas funções biliar e pancreática.

Deficiência de sais biliares e de enzimas pancreáticas reduz a absorção de medicamentos que necessitam de solubilidade ou hidrolise intraluminal para serem absorvidos. O desenvolvimento dessas funções se da rapidamente no período pós- natal.

A absorção de fármacos administrados por via intramuscular e afetada pelo reduzido fluxo sanguíneo no músculo esquelético e pelas contrações musculares ineficientes, sobretudo em recém-nascidos. Levando-se em consideração que a absorção e o processo do fármaco ate a corrente sanguínea e que o fluxo sanguíneo esta diminuído no músculo esquelético, o fármaco leva mais tempo para começar a exercer ação farmacológica devendo esta via ser utilizada quando não houver outra opção terapêutica.

A absorção cutânea de fármacos administrados topicamente aumenta na presença de estrato córneo menos espesso, especialmente em bebes prematuros, quando ha maior perfusão cutânea, epiderme mais hidratada e maior relação entre superfície corporal total e peso corpóreo. Quando o medicamento e administrado por via cutânea não se tem ideia da dose que foi administrada.

Por causa de o estrato córneo ser mais fino e a pele mais hidratada que a do adulto, a penetração do fármaco e maior podendo haver ação sistêmica e desta forma a ocorrer toxicidade. Caso haja a administração simultânea de medicamentos por via oral e tópica pode resultar em um sinergismo de efeito adverso e consequente intoxicação. Preferentemente devem ser utilizadas na pele formas farmacêuticas mais oclusivas como o gel no lugar de formas mais lipossolúveis como o creme e a emulsão pretendendo-se menor penetração do medicamento.
A absorção retal não e tão acentuada. Ha maior numero de contrações pulsateis de elevada amplitude no reto dos bebes, podendo haver expulsão de formulas solidas de fármacos, diminuindo efetivamente a absorção. Alem disso, o pH local e mais alcalino na maioria das crianças. A absorção dos medicamentos via retal e irregular e consequentemente não ha como mensurar a ação farmacológica bem como o efeito adverso.

Distribuição

A distribuição de fármaco sem espaços fisiológicos e dependente de idade e composição corpórea.

A observação clinica em função da composição corpórea pela faixa etária e importante na administração dos fármacos. No recém-nascido, a quantidade total de água esta em torno de 78% do peso corporal, a água extracelular e de 45%, e a intracelular corresponde a 34%.

Na criança, esses valores são, respectivamente, 60%, 27% e 35%. No adulto, os mesmos parâmetros correspondem a 58%, 17% e 40%, respectivamente.

Em razão da maior concentração de água no recém-nascido que vai diminuindo ate chegar a fase adulta, deve-se administrar fármacos mais lipossolúveis do que hidrossolúveis.

Caso administrem-se fármacos hidrossolúveis o efeito farmacológico pode ser mascarado e havendo a administração de dose adicional, o medicamento que se dissolveu na água vai sendo liberado paulatinamente no sangue podendo causar toxicidade. Isso poderia ser resumido da seguinte forma: diminuição da efetividade, pois o fármaco ficou no espaço corpóreo aquoso e a administração de dose aditiva causando toxicidade. Como muitos fármacos se distribuem através do espaço extracelular, o volume deste compartimento pode ser importante para determinar a concentração do fármaco no seu sitio ativo, sendo mais significante para compostos hidrossolúveis do que para os lipossolúveis.

No recém-nascido a termo, a porcentagem de proteína total em relação a massa corpórea total e de 11%, aos quatro meses aumenta para 11,5% e com um ano de idade fica em torno de 15%9. O teor reduzido de proteínas totais do plasma, especialmente de albumina, promove aumento das frações livres de fármacos. Durante o período neonatal, a presença da albumina fetal (com reduzida afinidade de ligação para ácidos fracos) e o aumento de bilirrubina e ácidos graxos livres endógenos são capazes de deslocar um fármaco do sitio de ligação na albumina, elevando as frações livres de fármacos, o que aumenta o efeito e acelera a eliminação.

Prematuros, recém-nascidos a termo, lactentes de 4 meses e crianças com um ano de idade tem proporções distintas de gordura: respectivamente cerca de 1%, 14%, 27% e 24,5% do peso corporal. Essa variedade pode comprometer diretamente a distribuição de medicamentos lipossolúveis.

A barreira hematoencefalica no recém-nascido é incompleta e permite, consequentemente, a penetração de fármacos no sistema nervoso central.

Haverá maior permeabilidade para fármacos mais lipossolúveis. Alem da maior permeabilidade da barreira hematoencefalica em recém-nascidos, ha preocupação com a maior susceptibilidade dessa faixa etária a fármacos que atuam no sistema nervoso central, entre eles os analgésicos.

FONTE : Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos/MS – Formulário Terapêutico Nacional

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