PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS
EM CRIANÇAS PARTE 1
Por Janaína Lopes Domingos, Patrícia Medeiros-Souza,
Celeste Aida Nogueira Silveira, Luciane Cruz Lopes
A
prescrição pediátrica deve ser minuciosa, levando em conta aspectos específicos desta população, tipos de formas farmacêuticas
e formulações comercialmente disponíveis, dose e indicação clinica com provas
de segurança e eficácia.
E
tarefa difícil de ser cumprida considerando as insuficientes provas que apóiam o
uso de medicamentos em criancas1. Ainda nos dias de hoje isso mostra os riscos
a que esta população esta submetido. A aprovação de medicamentos para uso em crianças
por órgãos reguladores esta mais influída por considerações comerciais do que
clinicas. Isso resulta em uso de medicamentos não licenciados e prescrição de
uso não autorizados (off label).
Em
geral, pediatras, médicos gerais e outros provem tratamento com base em sua experiência
e julgamento, decidindo sobre indicações, doses e formulações.
Na
pratica clinica, a prescrição racional de medicamentos deve considerar o emprego
de dose capaz de gerar efeito farmacológico (eficácia) com mínimos
efeitos
tóxicos (segurança). Assim, surge a necessidade de se considerarem características
fisiológicas da criança, de acordo com seu período de desenvolvimento, e parâmetros
farmacocinéticos do farmaco.
As
características fisiologicas tem variedade, principalmente na primeira década
de vida, acarretando mudanças na função de cada órgão. Durante as fases de
crescimento (ver Quadro 1), as crianças estão em continuo desenvolvimento, quando
diferenças e processos de maturação não são matematicamente graduais ou
previsiveis5.
Quadro
1. Fases de desenvolvimento do ser humano
FASE IDADE
PRÉ-NATAL
0-9 MESES
- Embrionária, de organogênese 0-3 meses
- Fetal 3-9 meses
- Inicial 3-6 meses
- Terminal 6-9 meses
NATAL OU PERINATAL OU
INTRANATAL PÓS-NATAL
INFÂNCIA
0-12 ANOS
- Recém-nascido 0-28 dias
- Lactente 0-2 anos
- Pré-escolar 2-7 anos
- Escolar 7-10 anos
ADOLESCÊNCIA
10-20 anos
PRÉ-PUBERAL
12-14 a 14-16 anos
PÓS-PUBERAL
18 a 20 anos
Fonte:
SILVA, 2006
A
simples extrapolação de doses para crianças com base apenas em peso corporal, área
de superfície corporal ou idade pode trazer consequencias drásticas.
Assim,
eficácia e segurança da farmacoterapia nesta fase inicial da vida requerem compreensão
completa do desenvolvimento biológico humano e da ontogênese dos processos farmacocinéticos.
O
espectro dessa variedade fisiológica se estende desde crianças que nasceram com
menos de 36 semanas, que tem imaturidade anatômica e funcional dos órgãos
envolvidos nos processos farmacocinéticos, ate as que tem mais de oito anos de
idade e os adolescentes, em que composição e função dos órgãos aproximam-se dos
adultos jovens.
Aspectos farmacocinéticos em crianças
Absorção
Existe
mudança no pH gástrico de modo que pode haver alteração na biodisponibilidade dos
medicamentos. Logo depois do nascimento, o recém-nascido apresenta relativa
acloridria; o pH do estomago, praticamente neutro depois do parto, decresce
para 3 em 48 horas e nas 24 horas seguintes volta a ser neutro, permanecendo
assim nos dez dias subseqüentes. A partir de então, ha um decréscimo lento e
gradual ate alcançar valores do adulto por volta dos 2 anos de idade.
Estas
mudanças de pH não são observadas em prematuros. Eles parecem ter pouco ou
nenhum acido livre durante os primeiros 14 dias de vida. O pH intraluminal pode
afetar diretamente o equilíbrio e o grau de ionização de um fármaco administrado
oralmente, influindo na sua absorção. De acordo com a idade da criança, quanto
maior o pH gástrico, maior o grau de ionização do medicamento, e menor a
biodisponibilidade. A repercussão clinica e a de que o medicamento administrado
por via oral em crianças tem a sua concentração diminuída e pode ser necessário
um aumento da dose para manter a atividade terapêutica.
Esvaziamento
gastrico e mobilidade intestinal também apresentam alterações na fase inicial
da vida. O esvaziamento gástrico pode aumentar cerca de 6 a 8 horas no primeiro
ou segundo dia de vida. Fármacos absorvidos primariamente
no
estomago podem ter maior absorção inicialmente, diferentemente dos absorvidos
no intestino delgado, que podem ter absorção retardada. O tempo de esvaziamento
gástrico se aproxima dos valores dos adultos a partir dos primeiros 6-8 meses de
vida. Em razão do aumento do tempo de esvaziamento gástrico, a concentração dos
fármacos administrados ate os 8 meses pode diminuir. Deve-se, portanto,
observar se a ação farmacológica do medicamento
esta
sendo satisfatória.
Em
recém-nascidos, o peristaltismo e irregular e lento, ocorrendo aumento do tempo
de absorção. Logo, doses usuais podem tornar-se toxicas. Ao contrario, na vigência
de diarréia, o peristaltismo aumentado tende a diminuir o grau de absorção.
Depois do nascimento, os alimentos estimulam a mobilidade gastrintestinal9 que
amadurece durante a primeira infância. A imaturidade da mucosa intestinal
aumenta a permeabilidade, interferindo na absorção intestinal
de
fármacos e nas funções biliar e pancreática.
Deficiência
de sais biliares e de enzimas pancreáticas reduz a absorção de medicamentos que
necessitam de solubilidade ou hidrolise intraluminal para serem absorvidos. O
desenvolvimento dessas funções se da rapidamente no período pós- natal.
A
absorção de fármacos administrados por via intramuscular e afetada pelo reduzido
fluxo sanguíneo no músculo esquelético e pelas contrações musculares ineficientes,
sobretudo em recém-nascidos. Levando-se em consideração que a absorção e o
processo do fármaco ate a corrente sanguínea e que o fluxo sanguíneo esta diminuído
no músculo esquelético, o fármaco leva mais tempo para começar a exercer ação farmacológica
devendo esta via ser utilizada quando não houver outra opção terapêutica.
A
absorção cutânea de fármacos administrados topicamente aumenta na presença de
estrato córneo menos espesso, especialmente em bebes prematuros, quando ha
maior perfusão cutânea, epiderme mais hidratada e maior relação entre superfície
corporal total e peso corpóreo. Quando o medicamento e administrado por via cutânea
não se tem ideia da dose que foi administrada.
Por
causa de o estrato córneo ser mais fino e a pele mais hidratada que a do
adulto, a penetração do fármaco e maior podendo haver ação sistêmica e desta
forma a ocorrer toxicidade. Caso haja a administração simultânea de
medicamentos por via oral e tópica pode resultar em um sinergismo de efeito
adverso e consequente intoxicação. Preferentemente devem ser utilizadas na pele
formas farmacêuticas mais oclusivas como o gel no lugar de formas mais lipossolúveis
como o creme e a emulsão pretendendo-se menor penetração do medicamento.
A
absorção retal não e tão acentuada. Ha maior numero de contrações pulsateis de
elevada amplitude no reto dos bebes, podendo haver expulsão de formulas solidas
de fármacos, diminuindo efetivamente a absorção. Alem disso, o pH local e mais
alcalino na maioria das crianças. A absorção dos medicamentos via retal e
irregular e consequentemente não ha como mensurar a ação farmacológica bem como
o efeito adverso.
Distribuição
A
distribuição de fármaco sem espaços fisiológicos e dependente de idade e composição
corpórea.
A
observação clinica em função da composição corpórea pela faixa etária e
importante na administração dos fármacos. No recém-nascido, a quantidade total
de água esta em torno de 78% do peso corporal, a água extracelular e de 45%, e
a intracelular corresponde a 34%.
Na
criança, esses valores são, respectivamente, 60%, 27% e 35%. No adulto, os
mesmos parâmetros correspondem a 58%, 17% e 40%, respectivamente.
Em
razão da maior concentração de água no recém-nascido que vai diminuindo ate
chegar a fase adulta, deve-se administrar fármacos mais lipossolúveis do que hidrossolúveis.
Caso
administrem-se fármacos hidrossolúveis o efeito farmacológico pode ser
mascarado e havendo a administração de dose adicional, o medicamento que se
dissolveu na água vai sendo liberado paulatinamente no sangue podendo causar
toxicidade. Isso poderia ser resumido da seguinte forma: diminuição da
efetividade, pois o fármaco ficou no espaço corpóreo aquoso e a administração
de dose aditiva causando toxicidade. Como muitos fármacos se distribuem através
do espaço extracelular, o volume deste compartimento pode ser importante para
determinar a concentração do fármaco no seu sitio ativo, sendo mais significante
para compostos hidrossolúveis do que para os lipossolúveis.
No
recém-nascido a termo, a porcentagem de proteína total em relação a massa corpórea
total e de 11%, aos quatro meses aumenta para 11,5% e com um ano de idade fica
em torno de 15%9. O teor reduzido de proteínas totais do plasma, especialmente
de albumina, promove aumento das frações livres de fármacos. Durante o período
neonatal, a presença da albumina fetal (com reduzida afinidade de ligação para ácidos
fracos) e o aumento de bilirrubina e ácidos graxos livres endógenos são capazes
de deslocar um fármaco do sitio de ligação na albumina, elevando as frações
livres de fármacos, o que aumenta o efeito e acelera a eliminação.
Prematuros,
recém-nascidos a termo, lactentes de 4 meses e crianças com um ano de idade tem
proporções distintas de gordura: respectivamente cerca de 1%, 14%, 27% e 24,5%
do peso corporal. Essa variedade pode comprometer diretamente a distribuição de
medicamentos lipossolúveis.
A
barreira hematoencefalica no recém-nascido é incompleta e permite,
consequentemente, a penetração de fármacos no sistema nervoso central.
Haverá
maior permeabilidade para fármacos mais lipossolúveis. Alem da maior
permeabilidade da barreira hematoencefalica em recém-nascidos, ha preocupação com
a maior susceptibilidade dessa faixa etária a fármacos que atuam no sistema nervoso
central, entre eles os analgésicos.
FONTE : Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos/MS – Formulário
Terapêutico Nacional
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