FORMULÁRIO HOSPITALAR NACIONAL DE
MEDICAMENTOS
MEDICAMENTOS ANTI - INFECCIOSOS
PARTE 1
INTRODUÇÃO
A
prescrição de um antimicrobiano pode ser um dos mais complexos atos da
terapêutica medicamentosa pelas variáveis envolvidas, onde avulta a trilogia: agente, com a sua sensibilidade
específica e inata ao fármaco, que se pode modificar por vários processos de
resistência adquirida; hospedeiro,
com fatores fundamentais como: o local da infecção e grau e tipo da resposta
imunológica à infecção, sendo também a qualidade das funções hepática e renal
decisivas para a farmacocinética do antimicrobiano; e o fármaco, cujas estruturas, cinética e parâmetros de atividade, são
determinantes para a escolha correta da via de administração, doses e intervalo
das mesmas.
As
infecções no homem podem ser causadas por diversos microrganismos (bactérias,
vírus, fungos, parasitas) e podem ser não aparentes, sub clínicas ou
manifestarem-se sob a forma de doença. A doença infecciosa depende da interação
agente - hospedeiro e pode evoluir espontaneamente para a cura, ou progredir
com vários graus de morbidade e mortalidade. As doenças infecciosas de
expressão clínica grave, são mais da responsabilidade do hospedeiro do que do
agente, deverão ser tratadas em meio hospitalar, não só para monitorização,
como para eventual administração da terapêutica antibiótica adequada,
nomeadamente por via parenteral.
O
advento dos primeiros antibióticos há pouco mais de 50 anos, iniciou um período
em que se tornou possível tratar eficazmente muitas doenças infecciosas
bacterianas, contribuindo para uma clara melhoria na saúde, pública (controle
de endemias e epidemias) e individual (redução de morbidade, mortalidade e
também das seqüelas). Apesar do aumento do número de antimicrobianos
disponíveis, não foi possível a erradicação total das doenças infecciosas, nem
é previsível que o seja.
Com
efeito, a par do conhecimento de novos agentes infectantes e do ressurgimento
de velhas doenças infecciosas, de há muito é reconhecida a capacidade de os
microrganismos adquirirem resistências a fármacos que anteriormente eram
sensíveis, transformando as certezas terapêuticas de ontem e hoje em incertezas
de hoje e amanhã.
Esta
alteração no ecossistema microbiológico, nomeadamente em nível das bactérias, é,
sobretudo evidente em meio hospitalar, devido às prescrições intensivas, e
muitas vezes imponderadas, de antibióticos.
São
exemplo disso a utilização seqüencial e prolongada de antibióticos diferentes
ou a opção desnecessária por esquemas de largo espectro, em associação ou em
monoterapia. A infecção hospitalar é uma preocupação crescente para todos os
profissionais e sistemas de saúde. A sua dimensão e gravidade tornam
indispensável uma gestão sensata dos diferentes antimicrobianos disponíveis.
É
bem conhecido que cada hospital tem a sua flora bacteriana própria,
nomeadamente no respeitante ao padrão de sensibilidade aos antibióticos,
estando este fato muito ligado à forma e intensidade com que estes são
utilizados. Em dois hospitais diferentes, e também em diferentes serviços do
mesmo hospital, uma estirpe pode ser resistente a um determinado antibiótico
num deles e sensível no outro.
Esta
circunstância, porém, se por um lado legítima uma maior flexibilidade na
escolha medicamentosa, não legítima a inclusão, num formulário hospitalar da
totalidade de antimicrobianos de todos os grupos. Salvaguardadas que estejam às
opções terapêuticas para a generalidade das infecções diagnosticadas nos
hospitais, é suficiente e sensato que nele constem os considerados de referência
dentro de cada grupo, que possam ser úteis à diversidade habitual daquelas
situações clínicas e cuja eficácia seja reconhecida pela experiência.
ANTIBACTERIANOS
Os
antibióticos lactâmicos beta possuem mecanismos de ação e efeitos adversos
semelhantes, diferindo nas suas propriedades farmacocinéticas e no seu espectro
de ação. Tem em comum um anel lactâmico beta e, com base na sua estrutura
química, podem estabelecer-se quatro subgrupos:
1.
Penicilinas,
2.
Cefalosporinas,
3.
Monobactâmicos e
4.
Carbapenêmicos.
PENICILINAS
As
penicilinas foram os primeiros antimicrobianos usados na terapêutica; de origem
natural ou sintética, são amplamente utilizadas para maioria das infecções.
São
bactericidas e interferem na síntese da parede celular bacteriana. Distribuem-se
amplamente no organismo, mas a penetração no sistema nervoso central e pequena,
exceto quando as meninges estão inflamadas. Geralmente são bem toleradas; os
efeitos adversos mais importantes são as reações de hipersensibilidade. Reações
alérgicas a penicilinas ocorrem em 1% a 10% dos pacientes tratados, enquanto as
reações de anafilaxia, em menos de 0,05%, Deve-se investigar a historia previa
de reações alérgicas como forma de prevenir a ocorrência de reações de
hipersensibilidade.
Considerando
a resistência à acidez gástrica e, bem como o seu espectro de ação, é
tradicional dividir as penicilinas em 5 grupos:
v Benzilpenicilina e
Fenoximetilpenicilina,
v Aminopenicilinas,
v Isoxazolilpenicilinas,
v Carboxipenicilinas e
v Ureidopenicilinas.
1 - BENZILPENICILINA E FENOXIMETILPENICILINA
A atividade
da benzilpenicilina (penicilina G) sobre as bactérias que lhe são
sensíveis é extremamente rápida e eficaz, sendo este o menos tóxico de todos os
antibióticos. Continua a ser o agente de primeira escolha na maioria das
infecções provocadas por espiroquetas e cocos (com exceção dos estafilococos).
As
formas de ação prolongada (benzilpenicilina benzatínica e benzilpenicilina
procaínica) não permitem obter concentrações sanguíneas e tecidulares
tão elevadas para uma determinada dose, nem devem ser administradas em doses
tão elevadas como as possíveis com a benzilpenicilina.
Devem,
por isso, ser reservadas para o tratamento de infecções por bactérias bastante
sensíveis (concentrações inibitórias mínimas muito baixas) e em regimes profiláticos.
A fenoximetilpenicilina
( penicilina V) é resistente à acidez gástrica e ministrável por via
oral; possui um espectro de ação semelhante ao da benzilpenicilina, sendo no
entanto menos ativa contra o gonococo.
2 - AMINOPENICILINAS
São
penicilinas resistentes aos ácidos e com espectro de ação em grande parte
sobreponível ao da benzilpenicilina. No entanto, perdem a ação que esta tem
sobre os anaeróbios, enquanto que a adquirem em relação a algumas bactérias
Gram-negativo ( H. influenzae, E. coli, P. mirabilis).
Os
elementos deste grupo têm o mesmo espectro de ação, existindo apenas diferenças
na biodisponibilidade por via oral.
A ampicilina
é menos bem absorvida que a amoxicilina, pelo que esta
deve ser preferida sempre que se utilize esta via de administração (exceto nas
infecções provocadas por Shigella).
Dado
que as aminopenicilinas são sensíveis às lactamases beta, existem associações
de amoxicilina com um inibidor daquelas (ácido clavulânico), no
sentido de recuperar alguma ação sobre bactérias Gram-negativas produtoras de
lactamase beta.
Esta
associação, no entanto, tem mais efeitos secundários gastrointestinais e impede
que se possa aumentar a dose de amoxicilina, como é atualmente
preconizado nas infecções pneumocócicas. Nestas, portanto, deve sempre ser
utilizada a amoxicilina simples.
3 - ISOXAZOLILPENICILINAS
São
penicilinas resistentes aos ácidos e às penicilinases (ex: flucloxacilina).
São ativas por via oral e devem usar-se, exclusivamente no tratamento de
infecções causadas por estafilococos produtores de penicilinases. Em infecções
graves deve recorrer-se à via parentérica, pelo menos no início do tratamento.
4 - UREIDOPENICILINAS
Algumas
classificações, em textos de referência, englobam as ureidopenicilinas e as
carboxipenicilinas como penicilinas anti-pseudomonas.
São
três as ureidopenicilinas mais conhecidas: azlocilina, mezlocilina e
piperacilina. Têm um espectro de ação relativamente alargado em
relação às bactérias Gram-negativo. A piperacilina é aquela de que se
tem maior experiência. Quando associada a um aminoglicosídeo tem boa eficácia
terapêutica nas infecções provocadas por pseudomonas que tenham este padrão de
sensibilidade. Existe no mercado a associação da piperacilina com um inibidor
de lactamases beta (tazobactam), com resultados clínicos idênticos aos
da piperacilina isolada.
CEFALOSPORINAS
São
vários os antibióticos lactâmicos beta pertencentes a este grupo, com
características farmacoterapêuticas semelhantes.
As
cefalosporinas de 1a geração têm um espectro de ação relativamente próximo do
das aminopenicilinas (boa atividade contra as bactérias Gram-positivo,
incluindo o estafilococo) e são mais resistentes à hidrólise pelas lactamases
beta.
Algumas
cefalosporinas de 1a geração são sensíveis aos ácidos, como a cefalotina e
a cefazolina, pelo que não podem ser administradas por via oral.
Outras são resistentes, podendo por isso ser administradas por aquela via (cefalexina,
cefradina).
As cefalosporinas
de 2a geração, comparadas com as de
1ª, perdem atividade em relação às bactérias Gram-positivo mas aumentam a atividade
contra bactérias Gram-negativo. Embora a cefoxitina, o cefotetano
e o cefmetazole sejam cefamicinas, com modificações na estrutura da
cefalosporina, tem um espectro de ação sobreponível às cefalosporinas de 2a geração,
acrescido de ação sobre anaeróbios, incluindo o Bacteroides fragilis.
As
cefalosporinas de 3a geração alargam ainda mais o espectro de ação em relação
às bactérias Gram-negativo, uma vez que são mais resistentes à hidrólise por
lactamases beta de enterobacteriáceas nomeadamente. As indicações do seu uso
são, por isso, praticamente reservadas a meio hospitalar.
Apesar
de terem um comportamento de grupo há, no entanto, algumas diferenças que
justificam a presença de três representantes neste formulário: - a ceftazidima
é a mais eficaz contra a Ps. aeroginosa. - a cefotaxima é
a mais indicada para utilização nos recém-nascidos, por não interferir com o
metabolismo da bilirrubina. - a ceftriaxona tem um espectro de atividade
idêntico à cefotaxima, mas com uma semivida bastante maior, o que
permite reduzir o número de administrações diárias (uma ou duas).
Outras
cefalosporinas, de aparecimento posterior, consideradas por alguns autores como
de 4a geração,
não demonstraram qualquer vantagem em relação às necessidades hospitalares.
MONOBACTÂMICO
O
único antibiótico monobactâmico disponível para uso terapêutico é o aztreonam,
que é o primeiro lactâmico beta com uma ação exclusiva contra bactérias
Gram-negativo aeróbias. Não provou ter vantagens em relação a outros
antibióticos com o mesmo espectro.
CARBAPENÊMICOS
Os
carbapenemes têm um espectro de ação muito alargado, quer sobre a maior parte
das bactérias Gram-positivo (excluindo os estafilococos
meticilina-resistentes), quer sobre as Gram-negativo (incluindo pseudomonas),
aeróbias e anaeróbias. Não têm ação sobre riquetsias, legionelas, clamídias e Ps.
maltophilia.
O
primeiro carbapeneme disponível para uso clínico foi o imipenem. Encontra-se
associado na relação de 1:1 com a cilastatina, que impede a sua
inactivação, ao inibir a di-hidropeptidase I (enzima renal).
O meropenem
tem, in vitro, atividade semelhante à do imipenem. Difere deste por ser
estável à di-hidropeptidase I e atravessar a barreira hematoencefálica. O ertapenem,
dotado de uma maior semivida, tem um espectro de ação um pouco mais estreito
que os anteriores, tendo menor atividade que o imipenem sobre a generalidade
dos agentes aeróbios Gram-positivo (e, praticamente, ausência de atividade
sobre enterococos), não tendo ainda atividade relevante sobre pseudomonas.
Dentro
das reações adversas deste grupo de antibióticos, é de referir as relacionadas
com o Sistema Nervoso Central (SNC), nomeadamente convulsões, sendo maior o
risco em doentes com patologia a esse nível, anterior ou concomitante
(traumatismo craniano, neurocirurgia, ou história prévia de convulsões). A
referência acumulada destes episódios é superior em relação ao imipenem (embora
inferiores a 1%), o que pode ser devido ao seu maior tempo de utilização.
CLORANFENICOL
E TETRACICLINAS
O cloranfenicol
tem características farmacocinéticas que lhe permitem atingir
concentrações elevadas em determinados focos de infecção pelo que, apesar do
receio da sua toxicidade hematológica, continua a estar entre os de primeira
escolha no tratamento de abscessos cerebrais por anaeróbios, febre tifóide ou
sempre que uma febre escaro-nodular necessite de terapêutica intravenosa. Todas
as tetraciclinas atuais pelo mesmo mecanismo têm um espectro de ação semelhante
e resistência cruzada entre elas.
Distinguem-se
umas das outras nas características farmacocinéticas, sendo a doxiciclina
aquela que apresenta características mais favoráveis: é a melhor
absorvida por via digestiva e a menos afetada na sua absorção pela presença de
alimentos; tem uma semivida mais longa, o que permite uma a duas administrações
por dia. Além disso, como é apenas fracamente excretada por via renal, pode ser
administrada a doente com qualquer grau de insuficiência renal. As
tetraciclinas são antibióticos de primeira escolha no tratamento da Cólera, da
Peste, da Brucelose, das Riquetsioses e no tratamento das infecções por Chlamydia
e por Mycoplasma.
AMINOGLICOSÍDEOS
Os
aminoglicosídeos, antibióticos bactericidas, mantêm uma excelente atividade
contra a maioria dos microrganismos Gram- negativo aeróbios ( Klebsiella,
Serratia, Enterobacter, Pseudomona) e, ainda, contra o Staphylococcus
aureus. Apesar do aumento das resistências dos microrganismos aos
antibióticos alternativos (cefalosporinas, fluoroquinolonas) os
aminoglicosídeos mantêm a sua utilidade clínica. Não são absorvidos por via
oral e têm como inconveniente nefro e ototoxicidade e efeitos curarizantes.
A estreptomicina
é o mais antigo e melhor estudado dos aminoglicosídeos. Tem indicação
no tratamento da tuberculose (tal como a canamicina) e na
brucelose, neste caso em associação com uma tetraciclina. A gentamicina,
a netilmicina, a tobramicina e a amicacina são os
mais largamente utilizados. Usam-se no tratamento inicial de quadros sépticos
graves, particularmente em infecções nosocomiais, em combinação com
antibióticos lactâmicos beta. O momento oportuno da utilização desta associação
é a fase bacteriémica, em que o agente se encontra no sangue.
Embora
com significado clínico incerto, a tobramicina tem, in vitro, maior atividade
que a gentamicina sobre Pseudomonas aeruginosa e menor em
relação à Serratia spp. Esta ação da tobramicina sobre P. aeruginosa motivou
a sua utilização, por via inalatória, para controlo das repetidas infecções em
doentes com fibrose cística. Não está ainda provada vantagem em relação ao
antibiótico de referência usado para este fim (colistina), pois, embora em
curto prazo a eficácia bacteriológica seja semelhante, tem mais relações
adversas e maior promoção de resistências.
A amicacina,
comparativamente com os outros, tem tido menor aumento de resistências. Como se
referiu, são todos potencialmente nefrotóxicos, com exceção da estreptomicina,
que é fundamentalmente ototóxica. Assim, a sua utilização deve revestir-se dos
cuidados inerentes, sobretudo uma boa hidratação do doente, devendo recorrer-se
à monitorização das concentrações séricas nos doentes de maior risco, a fim de
garantir doses úteis em circulação; são o caso dos portadores de insuficiência
renal avançada onde as doses parciais e seus intervalos se calculam em função
do débito do filtrado glomerular.
MACRÓLIDEOS
Os
macrólideos disponíveis, apesar de algumas diferenças de pequena relevância
clínica, nomeadamente em meio hospitalar, são um grupo de antibióticos bastante
homogêneos, no que diz respeito ao seu espectro de ação e indução de
resistências, que é sempre cruzada. Têm como referência a eritromicina,
o primeiro macrólido a ser introduzido para uso clínico, que tem sido
largamente utilizada, como alternativa à benzilpenicilina no tratamento de
infecções estreptocócicas e diftéricas.
São
ainda alternativas às tetraciclinas no tratamento de infecções por agentes
atípicos, como Mycoplasma e Chlamydia. São de 1 linha contra Legionella,
nomeadamente L. pneumophila. O seu espectro de ação abrange ainda outros
agentes com interesse clínico, tais como Haemophilus influenzae, H.
ducreyi, Campylobacter e Moraxella catarrhalis, entre outros.
A claritromicina,
derivado semissintético, tem maior semivida que a eritromicina. É ativa
sobre micobactérias atípicas, nomeadamente M. avium. A azitromicina,
outro derivado semissintético, tem ainda uma maior semivida, permitindo uma
única administração diária. Tem alguma maior eficácia do que os anteriores em
relação a H. influenzae, mas menor que a eritromicina em relação
a cocos Gram-positivo, nomeadamente estafilococos e estreptococos.
Globalmente,
tem-se verificado, em relação aos macrólidos, um aumento crescente de
resistências por parte dos agentes etiológicos mais comuns das pneumonias
primárias (pneumococo e H. influenzae), pelo que a sua introdução em
protocolos de terapêutica empírica nestas situações deve ser bem ponderado.
Como relações adversas mais comuns, nomeadamente em relação à eritromicina,
os macrólidos, por via oral, podem originar sintomas de intolerância
gastrointestinal. Deve ainda referir-se que estes fármacos, nomeadamente os
primeiros (eritromicina e tetraciclina), podem ocasionar internações
clinicamente relevantes, com teofilina, digoxina, varfarina
e carbamazepina, entre outros.
FONTE
INFARMED Autoridade
Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde I.P de Portugal http://www.infarmed.pt/portal/page/portal/INFARMED
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