MEDICAMENTO, FARMÁCIA,
FARMACÊUTICO E O USUÁRIO:
Novo século, novas demandas
Alide Marina Biehl Ferraes, Farmacêutica, Mestre em Saúde Coletiva/Universidade Estadual de Londrina/PR, ferraes@uol.com.br
Luiz Cordoni Junior, Médico, docente
do DESC/UEL/PR, Doutor em Saúde Pública
RESUMO
O artigo se propõe a discutir sobre o medicamento, a farmácia, o
farmacêutico e o usuário, no processo saúde doença e apontar tendências para o
século XXI. O estudo utilizou a problematização e a análise se baseou em textos
de Revisão Bibliográfica selecionada. Após leitura crítica, as questões que
nortearam a reflexão foram: Frente à indústria do medicamento, é lucrativa a
orientação sobre o uso racional do medicamento? O medicamento é mercadoria? A
farmácia é um estabelecimento de saúde ou um mero comércio? Qual é o papel do
farmacêutico no novo modelo assistencial? A ênfase deve ser no usuário ou no
medicamento? Como o conceito de atenção farmacêutica pode ser articulado nos processos
de saúde e formação profissional?
O artigo aponta para as possibilidades de resgate do papel, função e
valorização do farmacêutico; da farmácia como estabelecimento de saúde com
enfoque na atenção básica; e do medicamento como insumo crítico, mas útil para
promoção e recuperação da saúde. Destaca a orientação farmacêutica na promoção
do uso correto do medicamento e aponta a atenção farmacêutica como possível
tendência para uma maior aproximação com o usuário, com vistas à adesão ao
tratamento farmacológico e alcance de resultados concretos de melhoria da
qualidade de vida. O estudo sugere reflexão sobre a atenção farmacêutica
durante a graduação como estratégia na formação do farmacêutico para as novas
demandas e enfatiza a necessidade de ampliar as discussões sobre a interação do
farmacêutico com os demais profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS).
Palavras chave: farmacêutico e saúde pública; usuário;
medicamento; farmácia; atenção farmacêutica.
Introdução
Atualmente, a
farmácia e o farmacêutico têm sido alvos de uma série de discussões quando
entram em cena aspectos relacionados à saúde (ou não!) da população. Estes
aspectos dizem respeito a medicamentos falsificados, empurroterapia,
preço abusivo de medicamentos essenciais, genéricos, livre concorrência no
mercado de trabalho, propagandas transformando o medicamento em mágica curadora
de todas as doenças, sem nem ao menos alertar para possíveis efeitos
indesejados que podem ser provocados pelos mesmos, enfim, um grande incentivo
ao consumo de medicamentos (FERRAES, 2001).
O século passado foi marcado com
grandes avanços científicos e tecnológicos em diversas áreas inclusive na
industrialização dos medicamentos. Por outro lado, a formação universitária não
tem seguindo o mesmo ritmo e capacita profissionais que, na maioria das vezes,
têm dificuldade de se adaptar às exigências da sociedade. Isto porque, os
estudos concentram teoria e as ações subseqüentes acabam não contemplando a
realidade e a demanda social (FERRAES, 2001).
Além disso, a
indústria farmacêutica – hoje uma grande potência mundial – tornou-se capaz de
exercer um “poder generalizado”[1]
sobre o ser humano. Este poder acaba submetendo muito sutilmente os indivíduos
das mais diversas classes a um tipo de controle social. Conforme Cohen apud Chammé (1997), o
controle
social é, na verdade, uma extensão
do processo de socialização. Refere-se aos meios e métodos
usados para induzir uma pessoa a corresponder às expectativas de um grupo
particular ou da sociedade mais
ampla. Se o controle social é exercido com eficiência o
comportamento do indivíduo será consistente com o tipo de comportamento
esperado.
O poder da
indústria farmacêutica é alimentado pelo marketing, propagandas
duvidosas, muitas vezes ou quase sempre
enganosas, publicidade que oferece
tipos ideais e perfeitos de medicamentos sempre de última
geração, cada vez mais potentes (e mais caros!) do que aqueles que os
antecederam. A propaganda de medicamentos acaba sendo um grande estímulo ao
usuário, levando-o a comprar os produtos anunciados, e fazendo-o pensar que
pode ter todos os seus problemas resolvidos com esta compra. Triste e cara ilusão
para alguns! Mas, certamente lucro real
para outros! A propaganda de medicamentos acaba induzindo muitas pessoas a comprarem sem haver real
necessidade. Este tipo de procedimento gera lucro para a farmácia e para a
indústria farmacêutica, mas pode prejudicar, sem sombra de dúvida, quem comprou o medicamento.
A grande ênfase
na doença, as tentativas de fazer de tudo para encontrar e ter sempre mais
saúde para as pessoas, o produto final que pode ser comprado para se ter
saúde e o consumidor deste produto, não mais visto como usuário, contribuem
para desvirtuar o papel tanto do medicamento, como da farmácia e do
farmacêutico.
Este artigo se
propõe a discutir sobre o medicamento, a farmácia, o farmacêutico e o paciente, no processo saúde doença e
apontar tendências para o século XXI, utilizando a problematização. O estudo se
baseia em textos de Revisão Bibliográfica, selecionados para leitura crítica e
reflexão.
Problematização
Quando observamos esta triste realidade mercantilista, nos deparamos com
problemas que merecem ser aprofundados, na tentativa de compreendê-los e assim,
em alguma etapa deste processo, vislumbrar alternativas viáveis para superar os
mesmos. Poderíamos nos perguntar: porque existe um incentivo tão grande ao
consumo de medicamentos? O medicamento é o quê, afinal? É um meio a ser
utilizado para uma determinada finalidade relacionada ao bem estar do usuário,
ou o medicamento é mais uma mercadoria lançada no mercado e considerada como
tal? A farmácia é um estabelecimento de saúde ou um mero comércio de
medicamentos? Como o profissional farmacêutico pode atuar com qualidade dentro
da Farmácia? Que aspectos devem ser observados? A ênfase deve ser no usuário ou
no medicamento? Como o conceito de atenção farmacêutica pode ser articulado nos
processos de saúde e formação profissional?
O medicamento
deve ser encarado como um meio, uma estratégia para o processo de cura ou
reabilitação de um paciente. Conforme o relatório final da CPI do Medicamento
publicado em abril de 1996 e citado por Rech, em Pronunciamento da Federação
Nacional dos Farmacêuticos na Câmara Federal, o medicamento
não pode ser
tido como uma mercadoria qualquer,
à disposição dos consumidores e sujeito às leis do mercado. Ele
é, antes de tudo, um instrumento
do conjunto de ações e medidas utilizadas para a promoção e recuperação da saúde (Rech,1996b, p.
14).
Mas, na era do capitalismo,
esta qualidade do medicamento infelizmente tem-se descaracterizado. Chammé
(1997), ao discutir sobre o processo saúde/doença, ressalta que os meios de
comunicação para as massas são eficazes e potentes, uma vez que estas
acabam sendo as compradoras das sedutoras mercadorias do capitalismo. Conforme
Marcondes Filho apud Chammé (1997, p.4), [...] as pessoas não se realizam de fato sob este modo de
produção econômico em que vivem. O
domínio do capital transforma tudo em mercadoria e penetra até nos espaços mais
escondidos.
Neste sentido, se a saúde e
a doença forem considerados produtos que devem ser adquiridos e consumidos ou
até descartados, os usuários estarão diante de mais um bem ideologizado pela
mídia e moda capitalista (CHAMMÉ, 1997).
O mesmo pode acontecer com o medicamento que é idealizado pela mídia e
moda capitalista. Nesta perspectiva, o medicamento também se torna mais um
produto, uma simples mercadoria que tem grande valia e um preço. E esta mercadoria pode ser facilmente
adquirida em alguns supermercados, lojas
de conveniência e até em mesmo em farmácias!
Em analogia à frase de
Chammé (1997): Frente à indústria da doença, seria lucrativa a instalação da
saúde? Os questionamentos que surgem
nas nossas mentes são: “Frente à indústria do medicamento, seria lucrativa a
terapia não medicamentosa?” ou “Frente à indústria do medicamento, seria
lucrativa a orientação sobre o uso racional do medicamento?”
O Brasil se encontra
atualmente entre os dez maiores mercados consumidores de medicamentos de acordo
com dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), publicados em novembro
de 1998. Os dados referentes à Saúde no Brasil possibilitaram uma visão global
da situação relacionada aos medicamentos. O interessante é como se processa
este consumo. Mais da metade da população brasileira (51%), com renda até
quatro salários mínimos, é responsável pelo consumo de somente 16% dos
medicamentos produzidos, enquanto que uma minoria de 15% da população tem renda
superior a dez salários mínimos e consome 48% da produção de medicamentos
(BRASIL, 1999; PESSINI, 2000). Este fato
evidencia claramente que, por razão sócio-econômica, o acesso à terapia
medicamentosa não ocorre de forma igual
na população, ficando comprometido para milhões de brasileiros.
A farmácia é por sua
natureza um centro prestador do serviço público onde há,
além da distribuição de medicamentos, atenção à saúde da população (SANTOS,
1998b, p.11). Existe uma concordância de alguns autores sobre a importância de
se integrar a Farmácia ao Sistema Sanitário, na tentativa de contribuir na
atenção primária à saúde, através da participação em programas de prevenção e
promoção da saúde (ZUBIOLI, 1996b; SANTOS, 1998a; MOTA et al., 2000).
A farmácia, que poderia ou deveria ser um estabelecimento de saúde,
local também de atenção primária, acaba se tornando um comércio de
medicamentos. Rech (1996a) ao se pronunciar sobre assistência farmacêutica
destaca a qualidade da orientação farmacêutica em contrapartida ao interesse
mercantilista de alguns proprietários leigos de Farmácia, que ao pensarem
somente no lucro acabam induzindo ao
consumo desnecessário e irracional de medicamentos. Da competição entre Farmácias, cada uma
querendo vender o seu produto surge a empurroterapia
(CARLINI, 1996; RECH,
1996a), que pode ser barrada quando o
farmacêutico desempenha uma orientação adequada.
Em relação aos
interesses econômicos prevalentes no
Brasil, Rech (1996b) comenta que [...] a lógica puramente mercantilista, sobre
a qual predominam os interesses particulares e a busca incansável e sem limites
de lucro fácil, traz consigo distorções evidenciada no âmbito social, uma vez
que os interesses coletivos são relegados aos esquecimentos. Com base nestas
considerações do citado autor, são claramente perceptíveis os diversos
interesses que geralmente sustentam a criação em profusão de farmácias,
desconsiderando, muitas vezes, as necessidades da população. Assim, a farmácia
isolada dos outros serviços de saúde, transformou-se em local de
comercialização de mercadorias (com algumas raras exceções), onde o consumo é
considerado indispensável e altamente rentável. Certamente, esta situação vai
ganhando vulto à medida que mais e mais farmácias recebem o alvará de
funcionamento fornecido pelas prefeituras das cidades, e enquanto não forem
respeitados os Regulamentos sobre as
propagandas de substâncias e medicamentos constantes na Portaria 344 de 12 de
maio de 1998. A citada Portaria aprova o Regulamento Técnico sobre Substâncias
e Medicamentos Sujeitos à Controle Especial, e no capítulo XI, no artigo 91
expõe o seguinte sobre a propaganda de medicamentos:
A
propaganda de substâncias e medicamentos, constantes das listas deste
Regulamento e suas atualizações, somente
poderá ser efetuada em revista ou publicação tecno-científica de circulação
restrita a profissionais de saúde (BRASIL, 1998, p.17, grifo nosso).
Os aspectos
legais relacionados à abertura de farmácias são amplamente discutidos por
Zubioli (1992). É lamentável que no Brasil muitas farmácias estejam
descompromissadas com a saúde das pessoas a tal ponto de terem se tornado,
exclusivamente, estabelecimentos que simplesmente comercializam os medicamentos.
Parece que o compromisso social com a qualidade de vida da população praticamente inexiste. E, o
usuário do medicamento nestas farmácias tornou-se só mais um consumidor, que
para ser conquistado é atraído pelo olhar, propagandas, promoções, etc, além de
vitrines maravilhosas com vidros e espelhos por todos os lados. A indústria farmacêutica tem grande interesse
nessas farmácias, uma vez que elas acabam funcionando de intermediárias
repassando os produtos farmacêuticos ao consumidor. Diante de todas estas considerações, se
quisermos uma farmácia de interesse social e não somente um comércio com altos
lucros, torna-se claro que o próprio
farmacêutico tem uma grande tarefa devendo fazer parte de todo o processo de
assistência à saúde.
O farmacêutico é o profissional
capacitado para orientar educar e
instruir o paciente sobre todos os aspectos relacionados ao medicamento
(CARLINI,1996; RECH,1996a; PERETTA; CICCCIA, 1998). O papel do farmacêutico é importantíssimo no
novo modelo assistencial onde a ênfase é atenção primária à saúde (MOTA et al.,
2000). Na maioria das vezes, ele é o último profissional a ter contato direto
com o paciente (ZUBIOLI, 1996a; RECH, 1996b) assistindo-o em todas as suas
dúvidas antes de dar início ao tratamento. O diálogo com o paciente é
necessário até para motivar o cumprimento do tratamento (FERRAES, 2001;
2002). Ferraes e Cordoni Jr (2001),
mencionam que a orientação é um processo vital quando se visa a adesão do
paciente ao tratamento.
Em locais onde não há assistência
farmacêutica, só armazenamento e distribuição de medicamentos, os usuários não
recebem o repasse das orientações
esclarecedoras quanto aos cuidados na administração do medicamento (PAIVA
FILHO, 1998, p.17). Cabe lembrar que a assistência farmacêutica é
o termo utilizado na Política Nacional de Medicamentos para designar o grupo
de atividades relacionadas com o medicamento, destinadas a apoiar as ações de
saúde demandadas por uma comunidade. Fala-se em ciclo de assistência
farmacêutica, composta pelas fases: seleção, programação, aquisição,
armazenamento, distribuição, prescrição e dispensação do medicamento (BRASIL,
1999).
A condição essencial para o
sucesso de qualquer tratamento depende da qualidade da orientação que é
fornecida ao usuário sobre a utilização correta do medicamento. A ausência desta orientação, conforme Rech
(1996b, p, 15), [...] tem sido uma das causas mais freqüentes de retorno de pacientes aos serviços de saúde,
acarretando mais sofrimento à população
e onerando ainda mais o sistema de
saúde.
Provavelmente estas
considerações sobre a ausência de uma
orientação adequada no momento da dispensação do medicamento ao usuário, pode contribuir favorecendo a situação que Chammé (1999, p.9)
descreve como “processo de metamorfose de simples usuário dos serviços
públicos de saúde, à condição de poliqueixoso.” , referindo-se à figura típica do usuário que insistentemente
se mantém “rotinizado e, de queixa em queixa, vá tentando encontrar
resolutividade e eficiência para os males que o acometem.”
É importante
destacar a importância
do papel que
o farmacêutico desempenha na
dispensação, orientando o usuário sobre o uso correto do medicamento,
esclarecendo dúvidas e favorecendo a adesão e sucesso do tratamento prescrito
(RECH, 1996a; CARLINI, 1996; FERRAES, 2000; 2001; 2002; FERRAES; CORDONI, 2001;
PERETTA; CICCIA, 1998). Mota et al. (2000) quando se
referem ao “Farmacêutico na Saúde Pública” consideram o farmacêutico como o profissional de saúde com maiores responsabilidades na
cadeia da automedicação, sendo importantíssimo o seu papel no novo modelo
assistencial com ênfase
à atenção primária de saúde.
O tipo de atendimento que o
paciente recebe influi de forma decisiva na utilização ou não do medicamento,
e, mesmo que o diagnóstico e prescrição estejam corretos, a adesão ou “compliance” do paciente ao tratamento
dependem da orientação recebida, da aceitação, da disponibilidade e possibilidade
de se adquirir o medicamento (ZANINI et al., 1985). Conforme
Zanini et al. (1985,
p. 690), compliance é o termo utilizado para definir o nível de aceitação,
cooperação e cumprimento das instruções por parte do paciente em relação ao
tratamento médico recebido. A tradução mais apropriada na língua portuguesa
é “adesão” do paciente ao tratamento farmacológico.
Enfim, não adianta somente
ter acesso ao médico e ao medicamento, sendo necessárias as orientações
corretas quanto ao uso adequado do medicamento. Zanini et
al. (1985, p.691) fazem
um comentário bastante interessante neste aspecto e atualmente não consideram
suficiente, para o paciente, apenas a prescrição e
orientação médica, mesmo quando
cuidadosa. Surgem dúvidas que tornam necessário repetir as instruções e,
eventualmente complementá-las. Correia Junior (1997) também partilha desta
idéia e comenta que o farmacêutico tem as condições necessárias para reforçar
as informações sobre a terapêutica do paciente. Sem, contudo, afirmar que, a
presença do farmacêutico seja o sinônimo de adesão.
A Política de
Medicamentos proposta pelo Ministério da Saúde
(BRASIL, 1999, p.34) destaca alguns dos elementos importantes da dispensação. Estes elementos se referem a
ênfase no cumprimento da dosagem, influência dos alimentos, a interação com
outros medicamentos, o
reconhecimento de reações
adversas e as condições de conservação dos produtos.
Existem vários motivos para a não adesão do
paciente ao tratamento. Conforme Hardon e Legrand apud Correia Junior (1997,
p.11) encontram-se entre estes motivos: as características das drogas em si;
a percepção do paciente; e a relação entre o paciente e os profissionais de
saúde. Ressalta ainda um sério problema que pode induzir a uma não adesão e
que se refere ao próprio paciente. O autor mencionado se refere a quebra de
rotina do paciente,
com supressão de hábitos (fumar,
beber, etc), alteração de alguns (horários de refeições, dormir e acordar) e inclusão de outros (tomar
remédios), como grande obstáculo à adesão ao tratamento medicamentoso.
Contudo, na prática, percebe-se que estes aspectos podem ser corrigidos ou
melhorados quando o profissional farmacêutico estiver inserido na equipe de
saúde e quando houver as orientações adequadas sobre o uso racional do
medicamento.
Infere-se a partir daí, a
importância de um trabalho de equipe de saúde
multiprofissional, onde o farmacêutico esteja inserido. Para
desempenhar bem sua função, o farmacêutico deverá dispor de informações
atualizadas, verdadeiras e embasadas cientificamente. Em relação às necessidades
dos recursos humanos em saúde, um comitê de especialistas da Organização Mundial
de Saúde (OMS) em 1985, citado por Correia Junior (1997) declarou que a procura
da saúde para
todos, com ênfase na atenção primária de saúde, exigirá a
redefinição dos papéis e funções de todas as categorias de pessoal sanitário,
incluindo médicos, enfermeiros, farmacêuticos, dentistas ,engenheiros
sanitários,dentre outros profissionais.
O termo “Pharmaceutical
Care” de Hepler e Strand (1990) é o que mais se aproxima do que conhecemos como
atenção farmacêutica. Marín (1999, p. 126) se refere ao conceito como el processo a
através del cual un farmacéutico coopera con un paciente y otros professionales
en definir, implementar y monitorear un plan terapeutico que producitrá un
resultado terapéutico para el paciente.
A partir destes conceitos de Hepler e
Strand (1990), e tendo em vista destes
novos enfoques na atenção primária e contemplando os profissionais
farmacêuticos é elaborado um documento pela OMS em 1993, em Tókio, intitulado
“El Papel del Farmacéutico en el Sistema de Atención de Salud” (ORGANIZACIÓN,
1993, p.1) no qual a Atenção
Farmacêutica
é um conceito de
prática profissional em que o paciente é o principal beneficiário.É o
conjunto de atitudes, comportamentos, compromissos, valores éticos, funções,
conhecimentos, responsabilidades e destrezas
do farmacêutico na prestação da farmacoterapia, objetivando conseguir
resultados terapêuticos definidos e qualidade de vida do paciente (ORGANIZACIÓN,
1993, p. 1, grifo nosso).
Atualmente temos
relatos de experiências de alguns países que têm tido êxito no modelo
de atenção farmacêutica adotada, podendo citar: EUA, Canadá e Espanha
(ANTEZANA, 1998; PERETTA e CICCIA, 1998).
Na Argentina também temos algumas
experiências positivas na atenção farmacêutica (PERETTA; CICCIA, 1998). No Brasil, o conceito tem começado a fazer
parte da vida tanto de profissionais, como de acadêmicos de farmácia. Temos, no país o relato de algumas
experiências que têm tido êxito, podendo citar os trabalhos desenvolvidos por
Alberton et al. (2000) e Marcon et al. (2000).
Romero (1996)
destaca as diferenças existentes entre
farmácia clínica e atenção farmacêutica. Conforme o autor citado, na farmácia clínica é exercido
um ato profissional que consiste em entregar um medicamento ao paciente, com
informações suficientes, assegurando que o medicamento é adequado, que a dose é
correta, que não há riscos de incompatibilidades, nem interação com outros
medicamentos que o paciente esteja tomando ou pretenda tomar. E, na atenção
farmacêutica, além do já mencionado, fala-se mais em interação com o paciente e
acrescentam-se ainda dois aspectos: estabelecimento de um acordo prévio com o
paciente que receberá a prestação de serviço farmacêutico, e necessidade de
acompanhamento do paciente para posterior comprovação de resultados. A atenção farmacêutica e sua implantação em
farmácias são amplamente discutidas por Peretta e Ciccia (1998).
Em relação à formação dos
novos profissionais farmacêuticos, percebe-se que existe a necessidade do tema
ser abordado em toda a sua amplitude. Não obstante, docentes dos cursos de
farmácia tem demonstrado preocupação em inserir alguma disciplina específica
sobre atenção farmacêutica nos cursos de graduação em farmácia. Neste sentido, temos a experiência de Ivama e
Petris (2002), Petris (2000) e o estudo desenvolvido por Lorandi (2000). Além
disso, pode-se mencionar que a UEL (Universidade Estadual de Londrina/PR), tem
ofertado aos alunos dos cursos de medicina, enfermagem e farmácia, uma
disciplina especial, visando tanto uma maior integração ensino, serviço e
comunidade, como uma experiência interdisciplinar e multiprofissional aos
futuros profissionais.
Ao mesmo tempo em que no país
amadurece a questão sobre a atenção farmacêutica, conceitos de qualidade,
qualidade total, controle de qualidade também começam a fazer parte da vida de
cada cidadão sendo almejados e discutidos nas mais diversas situações e
cercando tanto profissionais, quanto prestação de serviços dos mais variados.
Conforme Rattner (1996), existe atualmente um movimento social em busca de
qualidade nos diversos ramos da atividade humana, sendo que neste contexto não
é possível excluir a atividade médica nem
os demais profissionais de saúde.
O farmacêutico deve estar atento a todas estas
transformações na busca
de qualidade no seu dia - a - dia
no seu local de trabalho. Sabe-se, contudo, que nos estabelecimentos de saúde, mais especificamente na Farmácia, nem
sempre será possível aplicar integramente os conceitos de qualidade no que diz
respeito à plena satisfação do usuário em relação aos medicamentos. Faz-se
necessário uma orientação adequada sobre o uso correto dos medicamentos e de um
estímulo à adesão ao tratamento proposto para posterior verificação de
resultados.
Para obter a qualidade em
prestação de serviços, faz-se necessário construir um ambiente especial no
local de trabalho, onde a excelência do
serviço seja uma missão de todos
(RODRIGUES et al., 1996). É muito importante que seja criado um bom ambiente de
trabalho, onde toda a equipe se sinta bem; certamente isto refletirá no serviço
prestado. Rodrigues et al. (1996) se referem
a um serviço de qualidade quando falam da plena satisfação do cliente, sendo
que o segredo para que isto ocorra envolve concentração profunda nas
necessidades e desejos do cliente, criando um serviço que exceda as suas
expectativas. Os mesmos autores comentam ainda que para isto acontecer, o serviço
deve ser bem feito e ter um preço justo, além disso, não deve dar lugar
a desperdícios. Assim, o cliente, vai
consumi-lo novamente e se tornar divulgador daquele serviço e de
sua qualidade (RODRIGUES et al.,1996, p.16).
Em relação à
implantação da atenção farmacêutica, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS),
como nos demais estabelecimentos que dispensam medicamentos num município,
considera-se importante que primeiro se estabeleça um perfil das necessidades
da população. Além disso, conforme o exposto, é imprescindível, antes da
implantação da atenção farmacêutica, a prática de uma dispensação adequada,
onde usuários ou pacientes sejam realmente orientados sobre a utilização
racional dos medicamentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste novo
milênio, quando praticamente o mundo inteiro se volta para a necessidade de
qualidade, faz-se necessário que o profissional responsável pelo medicamento
dentro do estabelecimento de saúde motive-se pelo grande desafio de atuar com
qualidade no seu dia-a-dia.
As reflexões neste artigo
sobre o medicamento, a farmácia, o farmacêutico e o usuário não esgotam os pontos importantes a
serem discutidos sobre as possibilidades da atenção farmacêutica. Porém,
oferecem alguns subsídios ao profissional farmacêutico antes de implantar a
atenção farmacêutica.
O farmacêutico
é um profissional comprometido com o bem estar dos que estão à sua volta, com
grandes perspectivas de resgate do seu papel, função e valorização no sistema
de saúde, através de ações concretas na promoção e prevenção. Considera-se
também importante ampliar as discussões sobre a interação do farmacêutico com
os demais profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS).
Acreditamos que
qualquer mudança na atuação farmacêutica deva partir de uma reflexão de cada
profissional a partir de sua realidade prática. É a partir desta
conscientização que podem mudar os comportamentos dos profissionais, gerando
ações com mais qualidade, inclusive, a possibilidade de implantar a atenção
farmacêutica. Nesta conjuntura, é imprescindível orientar o paciente sobre o
uso correto do medicamento. E, na interação com o paciente, numa visão
holística, tratando-o de forma integral, há grandes possibilidades do paciente
acabar sendo estimulando à adesão ao tratamento medicamentoso, e na
seqüência implantar a atenção
farmacêutica.
O artigo também
aponta o resgate da farmácia como estabelecimento de saúde com enfoque na
atenção básica; e do medicamento como insumo crítico, mas útil para promoção e
recuperação da saúde. Destaca a atenção farmacêutica como possível tendência
para uma maior aproximação com o usuário, com vistas à adesão ao tratamento farmacológico
e alcance de resultados concretos de melhoria da qualidade de vida. O estudo sugere reflexão sobre a atenção
farmacêutica, tanto na atual prática profissional, como durante a graduação
como estratégia na formação do farmacêutico para as novas demandas.
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[1] CHAMMÉ
(1997) comenta que o “poder
generalizado”, que é exercido sobre cada sujeito social, assume uma postura de
autoridade que expressa a força
repressora aos submetidos a esta relação.
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