quinta-feira, 6 de março de 2014

PROGRAMAÇÃO DE MEDICAMENTOS PARTE 1

PROGRAMAÇÃO DE MEDICAMENTOS
PARTE 1



INTRODUÇÃO

No ciclo da Assistência Farmacêutica, a programação representa outra atividade-chave, que tem por objetivo a garantia da disponibilidade dos medicamentos previamente selecionados nas quantidades adequadas e no tempo oportuno para atender às necessidades de uma população-alvo, por meio de um serviço ou de uma rede de serviços de saúde, considerando-se um determinado período de tempo.

A estimativa dessas necessidades representa um dos pontos cruciais do ciclo da Assistência Farmacêutica por sua relação direta com o nível de acesso aos medicamentos e com o nível de perdas desses produtos. Há várias formas de proceder a uma estimativa técnica dessas necessidades. É o perfil de morbi-mortalidade, no entanto, o mais importante aspecto a considerar, quando se busca orientação na identificação de tais necessidades.

A programação é uma atividade associada ao planejamento; sua viabilidade e factibilidade dependem da utilização de informações gerenciais disponíveis e fidedignas, da análise da situação local de saúde, assim como do conhecimento sobre os medicamentos selecionados, sua indicação precípua e sua perspectiva de emprego na população-alvo. Programa-se de modo a atender à demanda sanitária em medicamentos, exposta e trabalhada no processo de seleção.

Faz-se necessário dispor, ainda, de dados consistentes sobre o consumo de medicamentos da área ou serviço, seu perfil demográfico e epidemiológico, a oferta e demanda de serviços de saúde que apresenta, dos recursos humanos capacitados de que dispõe, bem como da sua disponibilidade financeira para a execução da programação.

Independentemente do método a ser utilizado no processo, ou recursos financeiros disponíveis para atender à demanda, a programação deve refletir a necessidade real, condição básica para se calcular os índices de cobertura local. Somente por meio da identificação das necessidades locais pode-se determinar a quantidade adequada de medicamentos a serem adquiridos.

O processo de programação deverá ser descentralizado e ascendente. Inicia-se nas unidades e/ou centros de saúde, que remeterão suas demandas ao nível local. Este, por sua vez, após avaliação, reunirá essas demandas e as remeterá ao nível regional.

A rotina ascende, da mesma forma, aos níveis estadual e federal, quando for o caso. É importante ressaltar a obrigatoriedade da avaliação desses dados desde o nível local, de modo que reflitam quantidades compatíveis com a demanda real. Algumas ferramentas de avaliação, citadas adiante, poderão ser aí empregadas pelo gestor.

De maneira sucinta, objetivando instrumentalizar as pessoas responsáveis por esse segmento, abordamos, neste capítulo, as etapas e procedimentos necessários para a realização de uma programação, destacando os métodos mais utilizados, suas vantagens, desvantagens e mecanismos que permitem acompanhar e avaliar a programação elaborada.

OBJETIVOS

A programação tem por finalidade que o serviço ou sistema disponha de medicamentos apropriados e previamente selecionados, nas quantidades necessárias, em tempo oportuno e cuidando para que se contribua à promoção do uso racional dos medicamentos. Para tanto, deve empreender a quantificação dos medicamentos a serem adquiridos e elencar as necessidades, priorizando-as e compatibilizando-as com os recursos disponíveis, e ainda cuidar para evitar a descontinuidade no abastecimento.

CRITÉRIOS

A programação deve estar atrelada a certos critérios, dos quais não deve se afastar, sob pena de não conseguir atingir os objetivos a que se propõe (MSH, 1997).

Em primeiro lugar, a programação deve ser feita com base em uma lista de medicamentos essenciais, estabelecida e consensuada na etapa de seleção. Nessa lista, os medicamentos devem encontrar-se listados por nome genérico, forma farmacêutica e apresentação, e elencados, preferencialmente, pelo nível de complexidade no qual serão utilizados (por exemplo, uso ambulatorial, uso hospitalar, uso hospitalar restrito etc.).

Cada unidade deve possuir sua própria lista, tendo como base as listas municipais e/ ou estaduais. No Brasil, os estados, por meio das comissões estaduais de Farmácia e Terapêutica, elaboram sua lista, tendo como base a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) (Brasil, 1999), e os municípios também, a partir do trabalho das comissões municipais, utilizam a mesma metodologia para a elaboração das Relações Municipais, partindo da mesma fonte inicial.

A lista de referência deve ser seguida pela elaboração de guias e de protocolos terapêuticos, para o que se conta Formulário Terapêutico Nacional (www.bireme.org.br). Além de sua importância na tentativa de direcionar a terapêutica medicamentosa para o uso racional, o protocolo é um grande aliado do gestor também na etapa da programação. A simples escolha, ainda que adequada, dos medicamentos, não direciona os padrões esperados de utilização.

O estabelecimento de protocolos deve conduzir a uma normalização mínima para a utilização, orientando os patamares necessários para tratamentos médios e individuais, e é um dado importante no momento em que se avalia a qualidade da utilização na rede, sistema ou unidade (Osorio-de-Castro et al., 2000; Carroll, 1999; Fuchs & Wannmacher, 1998).

É preciso determinar a informação crítica necessária, de forma a atender aos requisitos do método de programação a ser trabalhado. Permeando todos os tipos de métodos de programação, no entanto, existem duas necessidades comuns. A primeira diz respeito ao conhecimento da rede na qual está inserida a unidade ou serviço, e a segunda, ao tipo e à qualidade dos serviços para os quais se está programando o abastecimento de medicamentos.

É preciso ainda, tendo em vista sempre a realidade e as condições operacionais disponíveis, elencar as prioridades. Essa é uma tarefa nem sempre fácil, mas que pode valer-se do instrumental de avaliação de modo a ser executada com propriedade (Summerfield, 1995; Luiza; Osorio-de-Castro & Nunes, 1999).

A seguir, faz-se necessário considerar a posição atual dos estoques e os fatores que influenciarão em sua utilização, enquanto procede-se às atividades de abastecimento. Atenção especial merece ser dada às especificações dos medicamentos, com abordagem detalhada dos critérios; três primeiros itens devem estar previstos desde a seleção:

v Princípio ativo desejado (por exemplo, entre sais diferentes da mesma substância base, ocorrência bastante comum – eritromicina estearato ou eritromicina estolato?);
v Formas farmacêuticas (por exemplo, cápsula, comprimido, comprimido revestido ou drágea?);
v Conteúdo ou teor por unidade de dispensação (adequar teor às necessidades da população atendida/condição a ser tratada);
v Apresentação (por exemplo, no caso de uma suspensão pediátrica de anti-infecciosos, escolher o volume necessário para um tratamento padrão completo, se possível com pouca ou nenhuma sobra);
v Embalagens (por exemplo, exigir embalagem secundária para formas farmacêuticas fotossensíveis).

Uma clara visão das disponibilidades orçamentárias e financeiras do momento e no decorrer do período para o qual se efetiva a programação complementa os requisitos já descritos.

Por fim, deve-se lembrar das atividades de avaliação do processo para as quais pode-se empregar metodologias bem estabelecidas, discutidas mais à frente.

FATORES QUE COMPROMETEM A ATIVIDADE DE PROGRAMAÇÃO

Antes de iniciar o processo da programação, o gerente deve empreender uma cuidadosa avaliação, não apenas quanto à disponibilidade das informações críticas, mas também acerca das condições que dariam suporte a esta atividade. Enumeramos a seguir as deficiências mais importantes e também mais comuns em redes/serviços/unidades de saúde.

FALTA DE CRITÉRIOS TÉCNICOS

A falta de critérios pode comprometer o processo de programação. Esse problema pode ocorrer tanto na primeira vez que se efetua a programação para um serviço ou unidade quanto em programações sucessivas. Ainda que as informações a coletar sejam escassas e de difícil acesso, é importante chegar até elas de forma criativa.

É importante aderir às listas de medicamentos essenciais. É ainda imprescindível que se empreguem métodos de avaliação de modo a acompanhar o processo ao longo do tempo. Programações anteriores, que foram empreendidas com falta de critérios técnicos adequados, não podem ser utilizadas acriticamente na elaboração de nova programação, pois trazem distorções importantes.

CENTRALIZAÇÃO

A programação deve ser descentralizada, para que possa retratar o mais fielmente possível a necessidade local. É impossível para o gestor central ter uma idéia clara das necessidades locais se não buscar dados ou recebê-los. A perpetuação de programação centralizada pode ocasionar excessos e faltas de grande monta, com sério impacto sobre a resolutividade dos serviços.

SISTEMA DE INFORMAÇÃO GERENCIAL E EPIDEMIOLÓGICA DEFICIENTE

Os dados de consumo obtidos, normalmente, são aqueles relacionados à distribuição, sem que haja avaliação da demanda real (atendida e não atendida), aos períodos de desabastecimento, aos estoques existentes (inventário). Os registros epidemiológicos, que normalmente poderiam corroborar as informações de consumo, são pouco confiáveis nesse caso.

RECURSOS HUMANOS DESPREPARADOS

A baixa capacitação técnica é um grande entrave na qualidade do processo de programação. A carência de conhecimentos técnicos aliada à falta de atitude pró-ativa compromete o desempenho dessa atividade.

RECURSOS FINANCEIROS INSUFICIENTES

A limitação dos recursos financeiros, cada vez mais escassos, tem transformado as programações em um processo eminentemente administrativo, que acabam sendo realizadas em função dos recursos financeiros disponíveis e não das reais necessidades da população.

Além da insuficiência no tocante à disponibilidade financeira, a irregularidade do seu aporte compromete sobremaneira a eficiência da execução da programação.

ETAPAS

ETAPA I – DEFINIR A EQUIPE DE TRABALHO
ARTICULAR A FORMAÇÃO DE GRUPO DE TRABALHO:

Envolver os diversos setores/responsáveis da rede de saúde que tenham interface com a Assistência Farmacêutica e, mais especificamente, com a decisão de consumo de medicamentos, de maneira a agregar valor ao processo. Como exemplo, podemos citar os gerentes dos Programas Estratégicos; setor de Epidemiologia, Regionais de Saúde, gerentes das Unidades de Saúde Ambulatoriais e Hospitalares etc.

ETAPA II – ESTABELECER NORMAS E PROCEDIMENTOS
DEFINIR:

v Metodologia de trabalho
v Atribuições, responsabilidades e prazos
v Instrumentos apropriados (planilhas, formulários, instrumentos de avaliação)
v Periodicidade e métodos

ETAPA III – LEVANTAR DADOS E INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS AO PROCESSO

Essa etapa depende do método a empregar, e pode envolver, dentre as informações necessárias, as seguintes:

v Características demográficas da população para a qual se programa
v Perfil epidemiológico (morbi-mortalidade), para que se possa conhecer a incidência e prevalência das doenças que acomentem a população
v Consumo histórico de cada produto
v Demanda real (atendida, não atendida)
v Oferta e demanda por serviços de saúde
v Estoque existente (inventário)
v Cobertura assistencial por nível de atenção à saúde
v Infraestrutura da equipe de Assistência Farmacêutica (área física, equipamentos, materiais e recursos humanos)
v Protocolos terapêuticos existentes
v Custo unitário aproximado de cada tratamento
v Disponibilidade orçamentária e financeira

ETAPA IV – ELABORAR PROGRAMAÇÃO

v Listar os medicamentos necessários de acordo com a seleção já estabelecida
v Quantificar os medicamentos em função da necessidade real
v Detalhar as especificações para a compra
v Calcular o custo da programação
v Definir o cronograma de aquisição e recebimento dos produtos e as modalidades a serem utilizadas
v Compatibilizar as necessidades locais considerando os limites financeiros previstos para efetuar a aquisição e as prioridades definidas pela política de saúde local

ETAPA V – ACOMPANHAR E AVALIAR

v Definir mecanismos de controle para acompanhamento e intervenções necessárias


CONTROLE TÉCNICO-OPERATIVO

INPUT *

v Seleção de medicamentos
v Dados de consumo e demanda
v Dados de morbi- mortalidade

PROCESSO

v Avaliação dos dados epidemiológicos
v Análise de necessidade
v Compatibilização dos dados de consumo X morbi- mortalidade

PRODUTO

v Lista estimativa de necessidades
v Oferta de serviço
v Posição dos estoques e preços

AVALIAÇÃO

v Consumo X Necessidade
v Necessidade X recursos
v Programado X adquirido
v Programado X consumido
v Custos da programação

Fonte: adaptado da Opas (1990).

*Input – todos os aportes necessários à execução de determinado processo de trabalho – insumos, estrutura, informações etc.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. MS. Portaria no 507, 23 abr. 1999. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 23 abr., 1999.

CARROLL, N. V. Formularies and therapeutic interchange: the health care setting makes a difference. American Journal of Health-Systems Pharmacy, 56: 467-472, 1999.

FUCHS, F. D. & WANNMACHER, L. Farmacologia Clínica: fundamentos da terapêutica racional. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1998.

JOINT COMMISSION OF PHARMACY PRACTITIONERS (JCPP). Re-engeneering the medication-use system (proceedings of a national interdisciplinary conference. American Journal of Health-Systems Pharmacy, 57: 537-601, 2000.

LUIZA, V. L.; OSORIO-DE-CASTRO, C. G. S. & NUNES, J. M. Aquisição de medicamentos no setor público: o binômio qualidade-custo. Cadernos de Saúde Pública, 15 (4): 769-796, 1999.

MANAGEMENT SCIENCES FOR HEALTH (MSH). Managing Drug Supply. 2.ed. West Hartford: Kumarian, 1997.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Desarrollo y Fortalecimiento de los Sistema Locales de Salud: los medicamentos essenciales. Washington: Opas, 1990.

OSORIO-DE-CASTRO, C. G. S. et al. Estudos de Utilização de Medicamentos: noções básicas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.

SUMMERFIELD, M. Dangers of compromising drug distribution. American Journal of Health-Systems Pharmacy, 52: 752-753, 1995.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Action Programme on Essential Drugs: indicators for monitoring national drug policies. Geneva: WHO, 1994.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. MS. Manual de Procedimentos para Programação de Medicamentos. Brasília: MS/Ceme, 1997.

BRASIL. MS. Guia para Utilização de Medicamentos e Imunobiológicos na Área de Hanseníase. Brasília: MS/SPS/DGPE, 2000.

MAIA NETO, J. F. Farmácia hospitalar: um enfoque sistêmico. Brasília: Thesaurus, 1990. In:

ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD (OMS). Como Estimar las Necesidades de Medicamentos: manual prático. Genebra: OMS, 1989. (Programa de acción sobre medicamentos y vacunas esenciales)

ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD (OMS). El Suministro de Medicamentos. Boston: OMS, 1983.

ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD (OPAS). Desarollo y Fortalecimento de los Sistemas Locales de Salud en la Transformación de los Sistemas Nacionales de Salud los Medicamentos Esenciales. Washington D.C.: Opas, 1990.

ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD (OPAS). Curso de Administración de Sistemas de Suministro de Medicamentos Esenciales. Medellín: Opas, 1993.


SANTICH, I. Enfoque Integral del Processo de Suministro de Medicamentos y Outros Insumos Críticos para el Sector Salud. Washington D.C: Opas, 1989. 

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