PROGRAMAÇÃO DE MEDICAMENTOS
PARTE 1
INTRODUÇÃO
No
ciclo da Assistência Farmacêutica, a programação representa outra
atividade-chave, que tem por objetivo a garantia da disponibilidade dos
medicamentos previamente selecionados nas quantidades adequadas e no tempo
oportuno para atender às necessidades de uma população-alvo, por meio de um
serviço ou de uma rede de serviços de saúde, considerando-se um determinado
período de tempo.
A
estimativa dessas necessidades representa um dos pontos cruciais do ciclo da
Assistência Farmacêutica por sua relação direta com o nível de acesso aos
medicamentos e com o nível de perdas desses produtos. Há várias formas de
proceder a uma estimativa técnica dessas necessidades. É o perfil de
morbi-mortalidade, no entanto, o mais importante aspecto a considerar, quando
se busca orientação na identificação de tais necessidades.
A
programação é uma atividade associada ao planejamento; sua viabilidade e
factibilidade dependem da utilização de informações gerenciais disponíveis e
fidedignas, da análise da situação local de saúde, assim como do conhecimento
sobre os medicamentos selecionados, sua indicação precípua e sua perspectiva de
emprego na população-alvo. Programa-se de modo a atender à demanda sanitária em
medicamentos, exposta e trabalhada no processo de seleção.
Faz-se
necessário dispor, ainda, de dados consistentes sobre o consumo de medicamentos
da área ou serviço, seu perfil demográfico e epidemiológico, a oferta e demanda
de serviços de saúde que apresenta, dos recursos humanos capacitados de que
dispõe, bem como da sua disponibilidade financeira para a execução da
programação.
Independentemente
do método a ser utilizado no processo, ou recursos financeiros disponíveis para
atender à demanda, a programação deve refletir a necessidade real, condição
básica para se calcular os índices de cobertura local. Somente por meio da
identificação das necessidades locais pode-se determinar a quantidade adequada
de medicamentos a serem adquiridos.
O
processo de programação deverá ser descentralizado e ascendente. Inicia-se nas
unidades e/ou centros de saúde, que remeterão suas demandas ao nível local.
Este, por sua vez, após avaliação, reunirá essas demandas e as remeterá ao
nível regional.
A
rotina ascende, da mesma forma, aos níveis estadual e federal, quando for o
caso. É importante ressaltar a obrigatoriedade da avaliação desses dados desde
o nível local, de modo que reflitam quantidades compatíveis com a demanda real.
Algumas ferramentas de avaliação, citadas adiante, poderão ser aí empregadas
pelo gestor.
De
maneira sucinta, objetivando instrumentalizar as pessoas responsáveis por esse
segmento, abordamos, neste capítulo, as etapas e procedimentos necessários para
a realização de uma programação, destacando os métodos mais utilizados, suas
vantagens, desvantagens e mecanismos que permitem acompanhar e avaliar a
programação elaborada.
OBJETIVOS
A
programação tem por finalidade que o serviço ou sistema disponha de
medicamentos apropriados e previamente selecionados, nas quantidades
necessárias, em tempo oportuno e cuidando para que se contribua à promoção do
uso racional dos medicamentos. Para tanto, deve empreender a quantificação dos
medicamentos a serem adquiridos e elencar as necessidades, priorizando-as e
compatibilizando-as com os recursos disponíveis, e ainda cuidar para evitar a
descontinuidade no abastecimento.
CRITÉRIOS
A
programação deve estar atrelada a certos critérios, dos quais não deve se
afastar, sob pena de não conseguir atingir os objetivos a que se propõe (MSH,
1997).
Em
primeiro lugar, a programação deve ser feita com base em uma lista de
medicamentos essenciais, estabelecida e consensuada na etapa de seleção. Nessa
lista, os medicamentos devem encontrar-se listados por nome genérico, forma farmacêutica
e apresentação, e elencados, preferencialmente, pelo nível de complexidade no
qual serão utilizados (por exemplo, uso ambulatorial, uso hospitalar, uso
hospitalar restrito etc.).
Cada
unidade deve possuir sua própria lista, tendo como base as listas municipais e/
ou estaduais. No Brasil, os estados, por meio das comissões estaduais de
Farmácia e Terapêutica, elaboram sua lista, tendo como base a Relação Nacional
de Medicamentos Essenciais (Rename) (Brasil, 1999), e os municípios também, a
partir do trabalho das comissões municipais, utilizam a mesma metodologia para
a elaboração das Relações Municipais, partindo da mesma fonte inicial.
A
lista de referência deve ser seguida pela elaboração de guias e de protocolos
terapêuticos, para o que se conta Formulário Terapêutico Nacional
(www.bireme.org.br). Além de sua importância na tentativa de direcionar a
terapêutica medicamentosa para o uso racional, o protocolo é um grande aliado
do gestor também na etapa da programação. A simples escolha, ainda que
adequada, dos medicamentos, não direciona os padrões esperados de utilização.
O
estabelecimento de protocolos deve conduzir a uma normalização mínima para a
utilização, orientando os patamares necessários para tratamentos médios e
individuais, e é um dado importante no momento em que se avalia a qualidade da
utilização na rede, sistema ou unidade (Osorio-de-Castro et al., 2000; Carroll,
1999; Fuchs & Wannmacher, 1998).
É
preciso determinar a informação crítica necessária, de forma a atender aos
requisitos do método de programação a ser trabalhado. Permeando todos os tipos
de métodos de programação, no entanto, existem duas necessidades comuns. A
primeira diz respeito ao conhecimento da rede na qual está inserida a unidade
ou serviço, e a segunda, ao tipo e à qualidade dos serviços para os quais se
está programando o abastecimento de medicamentos.
É
preciso ainda, tendo em vista sempre a realidade e as condições operacionais
disponíveis, elencar as prioridades. Essa é uma tarefa nem sempre fácil, mas que
pode valer-se do instrumental de avaliação de modo a ser executada com
propriedade (Summerfield, 1995; Luiza; Osorio-de-Castro & Nunes, 1999).
A
seguir, faz-se necessário considerar a posição atual dos estoques e os fatores
que influenciarão em sua utilização, enquanto procede-se às atividades de
abastecimento. Atenção especial merece ser dada às especificações dos
medicamentos, com abordagem detalhada dos critérios; três primeiros itens devem
estar previstos desde a seleção:
v Princípio ativo desejado (por exemplo,
entre sais diferentes da mesma substância base, ocorrência bastante comum –
eritromicina estearato ou eritromicina estolato?);
v Formas farmacêuticas (por exemplo,
cápsula, comprimido, comprimido revestido ou drágea?);
v Conteúdo ou teor por unidade de
dispensação (adequar teor às necessidades da população atendida/condição a ser
tratada);
v Apresentação (por exemplo, no caso de
uma suspensão pediátrica de anti-infecciosos, escolher o volume necessário para
um tratamento padrão completo, se possível com pouca ou nenhuma sobra);
v Embalagens (por exemplo, exigir
embalagem secundária para formas farmacêuticas fotossensíveis).
Uma
clara visão das disponibilidades orçamentárias e financeiras do momento e no
decorrer do período para o qual se efetiva a programação complementa os
requisitos já descritos.
Por
fim, deve-se lembrar das atividades de avaliação do processo para as quais
pode-se empregar metodologias bem estabelecidas, discutidas mais à frente.
FATORES QUE COMPROMETEM
A ATIVIDADE DE PROGRAMAÇÃO
Antes
de iniciar o processo da programação, o gerente deve empreender uma cuidadosa
avaliação, não apenas quanto à disponibilidade das informações críticas, mas
também acerca das condições que dariam suporte a esta atividade. Enumeramos a
seguir as deficiências mais importantes e também mais comuns em
redes/serviços/unidades de saúde.
FALTA DE CRITÉRIOS
TÉCNICOS
A
falta de critérios pode comprometer o processo de programação. Esse problema
pode ocorrer tanto na primeira vez que se efetua a programação para um serviço
ou unidade quanto em programações sucessivas. Ainda que as informações a
coletar sejam escassas e de difícil acesso, é importante chegar até elas de
forma criativa.
É
importante aderir às listas de medicamentos essenciais. É ainda imprescindível
que se empreguem métodos de avaliação de modo a acompanhar o processo ao longo
do tempo. Programações anteriores, que foram empreendidas com falta de
critérios técnicos adequados, não podem ser utilizadas acriticamente na
elaboração de nova programação, pois trazem distorções importantes.
CENTRALIZAÇÃO
A
programação deve ser descentralizada, para que possa retratar o mais fielmente
possível a necessidade local. É impossível para o gestor central ter uma idéia
clara das necessidades locais se não buscar dados ou recebê-los. A perpetuação
de programação centralizada pode ocasionar excessos e faltas de grande monta,
com sério impacto sobre a resolutividade dos serviços.
SISTEMA DE INFORMAÇÃO
GERENCIAL E EPIDEMIOLÓGICA DEFICIENTE
Os
dados de consumo obtidos, normalmente, são aqueles relacionados à distribuição,
sem que haja avaliação da demanda real (atendida e não atendida), aos períodos
de desabastecimento, aos estoques existentes (inventário). Os registros
epidemiológicos, que normalmente poderiam corroborar as informações de consumo,
são pouco confiáveis nesse caso.
RECURSOS HUMANOS
DESPREPARADOS
A
baixa capacitação técnica é um grande entrave na qualidade do processo de
programação. A carência de conhecimentos técnicos aliada à falta de atitude
pró-ativa compromete o desempenho dessa atividade.
RECURSOS FINANCEIROS
INSUFICIENTES
A
limitação dos recursos financeiros, cada vez mais escassos, tem transformado as
programações em um processo eminentemente administrativo, que acabam sendo
realizadas em função dos recursos financeiros disponíveis e não das reais
necessidades da população.
Além
da insuficiência no tocante à disponibilidade financeira, a irregularidade do
seu aporte compromete sobremaneira a eficiência da execução da programação.
ETAPAS
ETAPA I – DEFINIR A
EQUIPE DE TRABALHO
ARTICULAR A FORMAÇÃO DE
GRUPO DE TRABALHO:
Envolver
os diversos setores/responsáveis da rede de saúde que tenham interface com a
Assistência Farmacêutica e, mais especificamente, com a decisão de consumo de
medicamentos, de maneira a agregar valor ao processo. Como exemplo, podemos
citar os gerentes dos Programas Estratégicos; setor de Epidemiologia, Regionais
de Saúde, gerentes das Unidades de Saúde Ambulatoriais e Hospitalares etc.
ETAPA II – ESTABELECER
NORMAS E PROCEDIMENTOS
DEFINIR:
v Metodologia de trabalho
v Atribuições, responsabilidades e
prazos
v Instrumentos apropriados (planilhas,
formulários, instrumentos de avaliação)
v Periodicidade e métodos
ETAPA III – LEVANTAR
DADOS E INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS AO PROCESSO
Essa
etapa depende do método a empregar, e pode envolver, dentre as informações
necessárias, as seguintes:
v Características demográficas da
população para a qual se programa
v Perfil epidemiológico
(morbi-mortalidade), para que se possa conhecer a incidência e prevalência das
doenças que acomentem a população
v Consumo histórico de cada produto
v Demanda real (atendida, não atendida)
v Oferta e demanda por serviços de saúde
v Estoque existente (inventário)
v Cobertura assistencial por nível de
atenção à saúde
v Infraestrutura da equipe de
Assistência Farmacêutica (área física, equipamentos, materiais e recursos
humanos)
v Protocolos terapêuticos existentes
v Custo unitário aproximado de cada
tratamento
v Disponibilidade orçamentária e
financeira
ETAPA IV – ELABORAR
PROGRAMAÇÃO
v Listar os medicamentos necessários de
acordo com a seleção já estabelecida
v Quantificar os medicamentos em função
da necessidade real
v Detalhar as especificações para a
compra
v Calcular o custo da programação
v Definir o cronograma de aquisição e
recebimento dos produtos e as modalidades a serem utilizadas
v Compatibilizar as necessidades locais
considerando os limites financeiros previstos para efetuar a aquisição e as
prioridades definidas pela política de saúde local
ETAPA V – ACOMPANHAR E
AVALIAR
v Definir mecanismos de controle para
acompanhamento e intervenções necessárias
CONTROLE
TÉCNICO-OPERATIVO
INPUT *
v Seleção de medicamentos
v Dados de consumo e demanda
v Dados de morbi- mortalidade
PROCESSO
v Avaliação dos dados epidemiológicos
v Análise de necessidade
v Compatibilização dos dados de consumo
X morbi- mortalidade
PRODUTO
v Lista estimativa de necessidades
v Oferta de serviço
v Posição dos estoques e preços
AVALIAÇÃO
v Consumo X Necessidade
v Necessidade X recursos
v Programado X adquirido
v Programado X consumido
v Custos da programação
Fonte:
adaptado da Opas (1990).
*Input
– todos os aportes necessários à execução de determinado processo de trabalho –
insumos, estrutura, informações etc.
REFERÊNCIAS
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