COMPETÊNCIA
DOS ENFERMEIROS EM PROBLEMATIZAR A REALIDADE DO SERVIÇO DE SAÚDE NO CONTEXTO DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Nursing competence
in problematizing the reality of health services in the context of the brazilian
National Health Care System
La competencia de los enfermeros en problematizar la realidad
del servicio de salud dentro del contexto del Sistema Único de Salud
Vânia Marli Schubert BackesI; Sabrina Telma MartinsII;
Fabiane FerrazIII; Sandra Marcia Soares SchmidtIV; Marta Lenise
do PradoV; Mônica Motta LinoII; Silvana Romagna MarcelinoVI
Doutora
em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem (PEN) da UFSC. Líder do Grupo de Pesquisa em Educação em Enfermagem
e Saúde (EDEN) do PEN/UFSC. Diretora de Educação da Associação Brasileira de Enfermagem
– Seção Santa Catarina. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq). Santa Catarina, Brasil IIEnfermeira. Membro do
EDEN/PEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil IIIMestre em Enfermagem. Doutoranda
em Enfermagem do PEN/UFSC. Professora Substituta do Departamento de Enfermagem da
UFSC. Membro do EDEN/PEN/UFSC. Bolsista CNPq. Santa Catarina, Brasil IVMestre
em Educação. Doutoranda em Enfermagem do PEN/UFSC. Enfermeira do Hospital Universitário
de Santa Maria, RS. Membro do EDEN/PEN/UFSC. Bolsista do Programa de Qualificação
Profissional da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Santa
Catarina, Brasil VDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento
de Enfermagem da UFSC. Coordenadora do PEN/UFSC. Vice-líder do EDEN/PEN/UFSC. Pesquisadora
do CNPq. Santa Catarina, Brasil VIMestre em Enfermagem. Doutoranda em
Enfermagem do PEN/UFSC. Enfermeira da Secretaria Estadual da Saúde de Santa Catarina.
Professora da Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro do EDEN/PEN/UFSC. Santa
Catarina, Brasil
RESUMO
Este
estudo objetiva avaliar o impacto gerado no processo de trabalho dos Enfermeiros
que participaram do curso de Especialização em Projetos Assistenciais em Enfermagem,
referente à competência de problematizar a realidade do serviço de saúde em que
está inserido face ao Sistema Único de Saúde. Realizou-se um estudo qualitativo,
do tipo ex-post facto, com a amostra proposital de 32 enfermeiros de cinco Instituições
Federais de Ensino Superior da Região Sul do Brasil. Os dados foram coletados por
entrevistas, sendo a análise de conteúdo o procedimento analítico adotado. Os resultados
apontam impacto significativo em relação à competência, visto que a relação entre
Sistema Único de Saúde e o serviço de saúde ficaram mais claras, fato possibilitado
pelo desenvolvimento dos processos de problematização e contextualização necessários
para demarcar uma nova postura e forma de trabalhar coletivamente com profissionais,
usuários e gestores, haja vista o desafio de reunir diferentes idéias, percepções
e práticas.
Palavras-Chave:
Enfermagem. Educação baseada em competências. Educação a distância. Pesquisa em
avaliação de enfermagem.
ABSTRACT
The objective of
this study is to evaluate the impact felt upon the work process of nurses who participate
in the Specialization Course for Nursing Care Projects in relation to the competence
of problematizing the reality of the health service currently seen in the Brazilian
National Health Care System. It is a qualitative, ex-post fact study, carried out
with 32 nurses from five Federal Institutions of Higher Learning in the south region
of Brazil. Data were collected through interviews, using content analysis as the
means adopted for data analysis. The results point to the positive impact in the
development of competence, with most participants revealing that the relationship
between the Brazilian National Health Care System and the health care services is
much clearer as a result of the specialization course, due to the development of
the problematization and contextualization processes necessary to demarcate a new
posture; a new way of working with professionals, the users, and administrators;
since the challenge of working collectively, to reunite different ideas, perceptions
and practices has been seen.
Keywords: Nursing.
Competency-based education. Distance education. Nursing evaluation research.
RESUMEN
El
objetivo de este estudio es evaluar el impacto producido en el proceso de trabajo
de los enfermeros que participaron del Curso de Especialización en Proyectos Asistenciales
en Enfermería, con respecto a su competencia para problematizar la realidad del
servicio de salud en que se encuentra inserido junto al Sistema Único de Salud.
Se trata de un estudio de tipo cualitativo, de carácter ex-post facto, realizado
con 32 enfermeros de cinco Instituciones Federales de Enseñanza Superior de la Región
Sur del Brasil. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas, siendo el
análisis de contenido el procedimiento analítico adoptado. Los resultados indican
un impacto positivo en relación a la competencia, pues una gran parte de los sujetos
revelaron que con la Especialización, los asuntos que dicen respecto al Sistema
Único de Salud y a la relación con el servicio de salud quedaron más claros, posibilitado
por el desarrollo del proceso de problematización y de contextualización necesarios
para delimitar una nueva postura y una nueva forma de trabajar con los profesionales,
los usuario y los gestores, considerando el desafío de trabajar colectivamente,
de reunir diferentes ideas, percepciones y prácticas.
Palabras Clave:
Enfermería. Educación basada en competencias. Educación a distancia. Investigación
en evaluación de enfermería.
INTRODUÇÃO
O
Departamento de Enfermagem e o Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Catarina através da Rede de Promoção da Enfermagem da Região Sul
do Brasil (REPENSUL) concebeu e implementou, em 1996, juntamente com mais quatro
Universidades Federais – Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e Fundação Universidade
do Rio Grande (FURG) – o Projeto de Especialização em Enfermagem da Região Sul (ESPENSUL).
Este projeto de especialização emergiu da necessidade de qualificação da força de
trabalho na área da saúde e da Enfermagem. Nele, a educação à distância foi uma
opção que possibilitou manter o profissional estudando e aprendendo dentro da realidade
dos serviços de saúde, e alinhado a metodologia problematizadora, permitiu construir
conhecimentos e gerar transformações a partir das necessidades levantadas nos serviços
por meio de projetos assistenciais.
O
presente estudo tem como objetivo, avaliar o impacto gerado no processo de trabalho
dos Enfermeiros que participaram do curso de Especialização em Projetos Assistenciais
em Enfermagem, referente à competência de problematizar a realidade do serviço de
saúde em que está inserido face ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Compreende-se
avaliação de impacto como a "análise sistemática das mudanças permanentes e/ou
significativas – positivas ou negativas, planejadas ou não planejadas – na vida
das pessoas causadas por uma ação ou série de ações determinadas".1:12
Assim, a pesquisa de avaliação de impacto busca determinar que efeitos (mudanças)
foram provocados por um evento, no caso, o curso de Especialização, visto que, este
curso pretendeu alterar uma série de aspectos ao introduzir nos momentos de aprendizagem,
conhecimentos e competências em relação a conteúdos, forma de trabalho e comportamento
pessoal.
Evidenciar
a competência de problematizar a realidade do serviço da saúde em que atua em relação
ao SUS, justifica-se por considerar que a prática da Enfermagem brasileira não pode
ser compreendida separadamente do contexto social e político do país, em especial
no que diz respeito à saúde. Para tanto, faz-se necessário elucidar que a situação
da enfermagem requer um entendimento de que ela está inserida em uma sociedade,
na qual seus cidadãos têm enfrentado diferentes e grandes desafios para conquistar
e/ou manter a sua cidadania, entendida como promoção de ações que garantam igualdade
de oportunidades, assegurando a todos, educação, saúde, trabalho, nutrição, entre
outros.
As
políticas de saúde apresentam-se como uma maneira da sociedade se organizar para
tratar a questão da saúde de seus membros, pois estrutura-se como um ato de comunicação,
uma vez que independente do local onde o enfermeiro trabalha e, por mais que lhe
pareça estar longe das questões e das decisões políticas, tais políticas fazem parte
e interferem na prática da Enfermagem.
Ao
perceber a relevância de tais reflexões e a limitação com que são efetivadas, o
curso de Especialização considerou de fundamental importância o desenvolvimento
da competência do enfermeiro em problematizar a realidade do serviço de saúde em
que está inserido face ao SUS. Como competência compreende-se "a capacidade
de agir eficazmente em determinado tipo de situação, apoiado em conhecimentos, mas
sem limitar-se a eles".2:07 Igualmente, no Art. 6º do Conselho Nacional
de Educação entende-se como sendo "a capacidade de mobilizar, articular e colocar
em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente
e eficaz em atividades requeridas pela natureza do trabalho".3:38
Logo, para o desenvolvimento de competências, além do conhecimento, deve-se articular
dois momentos que se relacionam na práxis: a teoria e a ação. Neste texto, encontram-se
os resultados deste processo.
METODOLOGIA
O
modelo de investigação utilizado se delineia como qualitativo, sendo que "a
abordagem qualitativa da avaliação de impacto é aquela que não se baseia em evidências
fornecidas pelo elemento contrafatual para se chegar a inferências causais".4:261
Trata-se, neste caso, de buscar estabelecer relação causal entre as ações do curso
e os comportamentos, atitudes ou ações das pessoas que o desenvolveram. Dentre os
diferentes modelos de avaliação de impacto, a avaliação ex-post facto procura reconstituir
os elementos necessários a uma estimativa do impacto a partir de documentos (registros
administrativos, avaliativos, módulos de aprendizagens) ou de entrevistas com os
atores do processo.5
Nesta
perspectiva, como procedimentos de investigação, empregaram-se entrevistas estruturadas
aprofundadas com base nas competências requeridas pelo curso e consulta aos cinco
Momentos (módulos) de Aprendizagem do Curso de Especialização.5 A amostra
proposital selecionada contemplou 10% do total de alunos de cada turma das cinco
Instituições Federais participantes, compreendendo 32 sujeitos. A intencionalidade
desta amostragem está na ênfase do entendimento em profundidade, visto que delibera
quem são os sujeitos que comporão o estudo, contrapondo-se à amostragem não-causal
e aleatória, cujo propósito é a generalização. Neste critério de seleção é possível
selecionar casos ricos em informações substanciosas sobre o assunto em pauta.6,7
Com
relação ao perfil dos sujeitos que participaram do estudo é importante salientar
que 90,6% são do sexo feminino, 78% atuam no serviço público de saúde, 85% são da
área de atenção de alta complexidade (hospitalar e clínicas especializadas) e 15%
são da atenção básica (Unidades Locais de Saúde, prefeituras e escolas).
O
procedimento analítico dos dados foi análise de conteúdo, que é tido como um método
de tratamento dos dados obtidos em textos, e como um conjunto de técnicas de análise
de comunicação. A análise de conteúdo é compreendida como "um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos
de descrição do conteúdo das mensagens".8:38
Este
tipo de análise propõe várias modalidades técnicas, sendo que todas buscam compreender
os conteúdos manifestos, ocultos, e suas significações, ultrapassar o olhar imediato
das aparências, e estudar o problema a partir da própria expressão dos indivíduos.
Neste estudo, dentre as técnicas de análise de conteúdo, foi adotada a análise temática,
que consiste em "descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação
cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado".9:209
A
sistemática para análise dos dados através da técnica de análise de conteúdo incluiu
a pré-análise, representada pela seleção e organização dos dados; a descrição analítica,
na qual os dados foram submetidos a um estudo orientado pelo referencial teórico-metodológico,
possibilitando a expressão de concepções relacionadas às categorias já definidas
pelo referencial teórico ou que emergiram, e culminou com a interpretação inferencial,
em que se elucidaram os aspectos mais latentes, tornando-os mais visíveis.
Neste
estudo, são apresentados os resultados obtidos em relação à aquisição da competência
dos enfermeiros egressos do Curso de Especialização-ESPENSUL para problematizar
a realidade do serviço de saúde face ao Sistema Único de Saúde.
O
projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC, sob o
Parecer Nº 047/05, sendo que as normas éticas foram atendidas de acordo com a Resolução
Nº 196/96 para a realização da pesquisa com seres humanos. Para tanto foi apresentado
e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assegurando o anonimato
aos respondentes e as instituições. Desse modo, as cinco instituições já mencionadas
foram representadas pelos cinco continentes e os sujeitos pelos países e mar correspondente:
Oceania (Austrália, Nova Zelândia e Mar da Tasmânia), África (Líbia, Angola, Argélia,
Moçambique, Nigéria, Quênia, Marrocos, Egito, Somália, Etiópia e Congo), Europa
(Alemanha, Itália, Espanha, Grécia, França e Polônia), Ásia (Rússia, China, Índia,
Japão e Tailândia) e América (Brasil, Venezuela, México, Canadá, Jamaica e Chile).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A
proposta pedagógica do Curso apoiou-se na Educação à Distância - modalidade semi-presencial,
que oportunizou o processo de formação continuada no próprio local de trabalho,
instituindo novas necessidades aos sujeitos como desenvolver a capacidade de olhar
para a sua realidade e levantar os problemas. Para tanto, a metodologia problematizadora
foi levada a efeito na elaboração do material impresso e como guia orientador dos
Momentos de Aprendizagem ao longo do Curso.
A
idéia da Especialização em Projetos Assistenciais teve como propósito, afastar-se
do modelo tradicional de especialidades clínicas na área da saúde, pois evidenciava
uma nova visão, na qual se contextualizava a realidade vivida e a articulava com
estratégias críticas, criativas e coletivas, proporcionando uma efetiva contribuição
e alteração da prática habitual de fazer e produzir saúde.
Neste
campo, entre várias novidades, era indispensável a construção de competências viáveis
e exeqüíveis. Desta forma, em acordo com a análise dos dados, emergiram cinco estruturas
de respostas relacionadas à categoria central – competência desenvolvida pelos sujeitos,
em problematizar (com equipe e clientes) a realidade do serviço de saúde em que
atua face ao SUS: 1) problematiza; 2) problematiza com limitações; 3) apresenta
dificuldade em problematizar na área de atuação hospitalar; 4) a relação entre serviço
de saúde em que atua com o SUS não é percebida; 5) contribuição do ESPENSUL na aquisição
desta competência.
A
primeira estrutura de resposta foi composta por cinco sujeitos ao demonstrar em
suas falas que possuem habilidade em relacionar a realidade do serviço de saúde
em que atuam, face ao SUS, enfatizando aspectos como um maior comprometimento com
o SUS a partir do cotidiano e, a incorporação da metodologia problematizadora como
ferramenta para reflexões e mudanças na prática profissional. As falas a seguir
ilustram estes aspectos.
Eu trabalho numa UTI [Unidade de Terapia Intensiva] essencialmente SUS e passo
reforçando o SUS. Também trabalho numa escola particular onde a clientela principal,
tem um grande preconceito contra o SUS, mas eu consigo mostrar a eles, com o exemplo
da nossa instituição, que trabalhamos essencialmente SUS e que isso é possível [...]
nós fizemos parte disso e temos que estar comprometidos com o sistema (Argélia).
O SUS ficou bem mais claro. O que é o SUS, como funciona a
política, porque às vezes a realidade é diferente. Foi bem importante para mim,
consegui também repassar ao grupo, com o tempo, de uma forma natural, para saber
as diferenças que existem entre as Unidades Básicas de Saúde [...] ficou o desafio
de mostrar o trabalho do SUS [...] ainda não está do jeito que deveria, mas estamos
chegando lá, estamos defendendo (Mar da Tasmânia).
Um
aspecto destacado nas falas foi em relação ao processo problematizador, que ao ser
utilizado no curso, foi incorporado por alguns sujeitos a ponto de introduzir a
rotina da reflexão e do compartilhar de idéias e ações, bem como ampliar consideravelmente
o conhecimento acerca do SUS, sua estrutura, diretrizes e princípios.10
Em
seu depoimento Argélia ratifica uma visão contextualizada do profissional da saúde
que acredita na consolidação do SUS, pois mesmo trabalhando em uma unidade de alta
complexidade, se compromete e defende os princípios do SUS. O desafio é analisar
se as informações que o sujeito busca compartilhar atinge os membros de sua equipe
e usuários, uma vez que na maioria dos serviços, os profissionais desconhecem os
princípios do SUS.
Estudo
realizado em um hospital universitário da região sudeste do Brasil sobre a percepção
que os profissionais de saúde possuem acerca dos princípios e diretrizes do SUS,
corrobora esta realidade. O estudo indica que os profissionais não conhecem a base
conceitual e filosófica do SUS, bem como desconhecem as leis e normas operacionais
que são referenciais jurídico-administrativos. A preocupação é voltada para a alta
complexidade, o que dificulta ao profissional enxergar o sistema numa perspectiva
de promoção e prevenção de saúde. Ainda, refere que o princípio da integralidade
não apareceu nas falas, demonstrando a fragmentação do pensamento em relação à oferta
de serviços. Outrossim, em relação às diretrizes do SUS, o controle social também
não apareceu em nenhuma fala, o que talvez se deva a falta de participação do usuário
nas instâncias deliberativas.11
Conscientes
que o SUS tem como objetivo formular e implementar a política nacional de saúde
destinada a promover condições de vida saudável, prevenir riscos, doenças e agravos
à saúde e assegurar o acesso equitativo e integral aos serviços de assistência a
saúde,12 torna-se indispensável reportar-se ao depoimento de Mar da Tasmânia
quando diz que [...] ficou o desafio de mostrar o trabalho do SUS [...] ainda
não está do jeito que deveria, mas estamos chegando lá, estamos defendendo...,
visto que "o trabalhador de saúde é um ponto-chave para a implementação do
SUS; é ele que dá vida ao sistema, por meio dele o projeto passa a ser sentido pela
população. À medida que exerce sua função, o sistema de saúde passa do aspecto teórico
conceitual para a prática da atenção".11:303
Mas
como o trabalhador de saúde vai ajudar a implementar o SUS, se muitas vezes não
consegue se distanciar da sua rotina na unidade de trabalho, ou por acomodação,
ou falta de estímulo, ou mesmo por dificuldades frente a problemas que passam os
hospitais brasileiros, como por exemplo, a falta de pessoal?
Esta
realidade reitera a importância das discussões sobre o SUS, por meio de um processo
educativo, como foi o Curso de Especialização em Projetos Assistenciais.13
Experiência que desencadeou reflexões sobre o fazer dos enfermeiros, de modo que
cada sujeito tem a oportunidade de ser um multiplicador e defensor do SUS, estimulando-se
e com isto, motivando nos membros de sua equipe a vontade de crescer, de participar,
de desenvolver sua capacidade de raciocínio, de cultivar a sensibilidade e tenacidade
para mudança, de exercer sua cidadania, de comprometer-se com a assistência prestada
e sentir-se autor e ator na consolidação do SUS.10 É necessário conhecimento
dos objetivos do sistema de saúde, discussão com a equipe e engajamento político-profissional,
para conseguir contrapor a visão e postura tradicional de neutralidade e distanciamento
político em que se encontra a maioria dos profissionais.
Os
depoimentos de sete sujeitos compuseram a segunda estrutura de resposta, ao referirem
que realizam com limitações a problematização da realidade do serviço de saúde em
que estão inseridos face ao SUS, como explicita a fala a seguir: eu trabalho
num hospital público só com pacientes do SUS. Eu acho que na atual Política Nacional
de Saúde [...] o paciente recebe o tratamento e os exames gratuitamente no hospital.
Todo cidadão tem direito à saúde com cobertura do Estado (Angola).
Este
depoimento apresenta uma visão mais restrita do SUS no momento em que expressa a
gratuidade no atendimento, pois isso denota o desconhecimento do sujeito sobre a
base teórica que sustenta o sistema. A sustentação do SUS é determinada por suas
diretrizes organizativas e pelos princípios doutrinários da universalidade, integralidade
e eqüidade, que lhe conferem ampla legitimidade. Também estes princípios estão incorporados
ao texto da Constituição Brasileira por meio da Lei Orgânica do SUS Nº 8080/90.12
Convém
lembrar, que os serviços do SUS "são responsáveis pela atenção integral de
mais de 140 milhões de brasileiros e ainda oferecem cerca de 40 milhões de coberturas
por planos de saúde, em situações que estes não asseguram a prestação oportuna dos
serviços como na maioria das situações de emergência e urgência".14:543
Prestar
uma assistência mais humanizada é uma das preocupações orientadoras da política
de saúde. Esta questão aparece associada à necessidade de flexibilização do processo
assistencial, bem como sua problematização junto a equipe, como demonstra a fala
a seguir: nós começamos a trabalhar mais com a flexibilização das rotinas, normas
na UTI [...], logo foi montado mais um horário de visitas, foi quebrado muitas normas
rígidas que existiam [...]. Teve situações críticas em que chamamos os familiares,
outras que eles puderam sentar na cadeira, fazer carinho. Eu mostrei ao grupo que
isso é possível. [...] qualquer pessoa tenha ou não tenha condição financeira, não
interessa para nós. É um ser humano que está ali. E ao mesmo tempo essa relação
sobre a situação crítica da saúde pública, a situação da nossa saúde, a relação
da gravidade dos pacientes, a situação que o município se encontra. Isso a gente
comenta, toda uma situação que realmente tem que mudar (China).
O
depoimento acima explicitou uma maior preocupação com a flexibilização e a humanização
da assistência, o que vem ao encontro da Política Humaniza SUS15 e configura-se
como uma estratégia positiva ao fortalecimento do SUS. No entanto, foi possível
perceber na fala do sujeito, que a problematização da realidade do serviço face
ao SUS, limita-se a política de humanização, pois em relação às demais questões
que envolvem o sistema de saúde ele relata que até tem conhecimento, porém tal conhecimento
fica na instância de comentários, sem haver maiores discussões e reflexões com a
equipe.
Vale
ressaltar, que mesmo com a limitação de ter problematizado um único tema sobre as
políticas do SUS, esta iniciativa é relevante, visto que a Política Nacional de
Humanização (PNH) constitui-se em uma proposta que resulta na mudança dos modelos
de atenção e de gestão das práticas de saúde, contemplando, assim, os princípios
do SUS. Uma das metas da PNH é divulgar em todas as instâncias do sistema, principalmente
entre usuários, suas diretrizes, destacando que todo usuário tem o direito a ter
um acompanhante nas internações e consultas; todo usuário tem direito de saber quais
são os profissionais que o atendem; redução de fila com acolhimento e avaliação
de risco; usuários e trabalhadores têm o direito de participar da gestão dos serviços.15
O
Ministério da Saúde decidiu priorizar o atendimento com qualidade e a participação
integrada dos gestores, trabalhadores e usuários na consolidação do SUS. Esta é
a proposta do Humaniza SUS. Os valores que norteiam esta política são a autonomia
e o protagonismo dos sujeitos, a co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento
de vínculos solidários, a participação coletiva no processo de gestão e a indissociabilidade
entre atenção e gestão. A Humanização, como política, atravessa todas as instâncias
do SUS busca atuar na descentralização, isto é, na autonomia administrativa da gestão
da rede de serviços, de maneira a integrar os processos de trabalho e as relações
entre os diferentes profissionais.15
Na
terceira estrutura de resposta, onze sujeitos expressaram apresentar dificuldade
em problematizar a realidade da área de atuação hospitalar face ao SUS, como relatam
as falas a seguir: essa questão de política de saúde foi pouco trabalhada aqui
dentro do hospital. [...] eu tenho uma certa dificuldade ainda. [...] deu para perceber
uma relação maior porque geralmente quando a gente pensa em política de saúde, pensa
em saúde pública. [...] deu para relacionar um pouquinho mais com a saúde hospitalar.
[...] mas ainda não estou... muito bem politizada (Nova Zelândia).
Eu aprendi bastante sobre o SUS, mas acredito que a gente
só capta quando parte para a prática [...] Tudo ocorre em função do local de trabalho.
Notamos que tinham pessoas que trabalhavam na prefeitura, na saúde pública, o que
possibilitou entender melhor o SUS. Eu não consegui aplicar no meu local de trabalho,
por ser um hospital privado. Hoje, que trabalho em um hospital do SUS compreendo
melhor. Noto a diferença naquilo que está ao meu alcance, porque tem muita coisa
que não depende de mim, é complicado (Congo).
O
aspecto expresso pelos sujeitos não é inusitado, pois historicamente a cultura do
modelo tecno-assistencial é hegemônico nas práticas em saúde no Brasil.10
Devido a isto, ainda é comum os profissionais de saúde associar as políticas públicas
de saúde ao campo da assistência primária ou atenção básica, sendo ainda limitada
à compreensão do SUS como um sistema que envolve todas as esferas de saúde.
O
Brasil ainda apresenta uma rede de serviços hospitalares legitimada dentro do modelo
hegemônico de saúde, com uma realidade concreta deste modelo biomédico, porém sendo
"operacionalizada dentro de um novo cenário sanitário e com diretrizes gerais
para as políticas públicas de saúde, em muito, conflitante com a prática desenvolvida
nessas instituições".15:9
Nesse
sentido, é importante compreender a realidade atual, no que se refere à atenção
hospitalar como resultante de uma ação de longos anos e que possui vários determinantes
inter-relacionados, que vão desde os referentes à evolução dos modelos de organização
e gestão em saúde e à redefinição de perfis epidemiológicos e das práticas assistenciais,
passando pelo campo do poder corporativo-institucional, até os valores e representações
sociais dos usuários em relação à instituição hospitalar. Outro fator, pode ser
o não envolvimento com os pacientes e familiares, somando-se a uma demanda reprimida,
um déficit de material e pessoal, a dificuldade de integração com o sistema loco-regional
de atenção à saúde associada à falta de motivação dos trabalhadores da saúde.16
Frente
a isso, percebe-se que a atenção hospitalar tem originado uma série de debates sobre
a assistência no SUS, por sua importância de suporte na rede de atenção, pela característica
dos serviços ofertados, na maioria de média e alta complexidade. Desse modo, ainda
é preciso progredir, na direção de uma maior resolutividade dos serviços prestados.
Para isso é necessário uma melhor organização do Sistema de Saúde como um todo,
melhorando o acesso, a descentralização das ações, facilitando os serviços de saúde,
entre outros. Além disso, é necessário que haja mudanças significativas dos trabalhadores
da saúde quanto à atenção prestada, deslocando-a do olhar único da doença para as
efetivas necessidades do usuário.15
Para
a construção de um novo modelo é necessário que os indivíduos tenham maior expressão
no processo coletivo de viver. Frente a isso, torna-se indispensável três princípios
para a transformação do modelo tecno-assistencial: 1) a gestão democrática, com
participação de usuários, trabalhadores e o governo; 2) saúde como direito de cidadania;
e, 3) serviço público de saúde voltado para a defesa da vida individual e coletiva.17
Porém,
para que estes princípios sejam efetivados, é indispensável que os sujeitos (gestores,
profissionais da saúde e usuários do serviço) questionem quais movimentos estão
sendo realizados? Como estes movimentos são articulados? E, principalmente como
se inserem neste processo, procurando compreender seus efeitos e finalidades como
sujeitos ativos e críticos e não simples expectadores passivos.10,18
Nesta
estrutura de resposta, a realidade do serviço hospitalar, bem como a centralidade
dos financiamentos e a falta de recursos materiais são mencionadas pelos sujeitos.
Porém, não ocorre uma efetiva problematização, visto que os sujeitos não consideram
estas questões como diretamente relacionadas às políticas de saúde, como identificado
na seguinte fala: aqui não vai muito além das discussões. Conseguimos ver o que
está errado, o que deveria ser mudado, a questão do emprego do dinheiro público,
a falta de recursos... Discutimos dificuldades pontuais [...] mas não questões diretamente
relacionadas ao SUS enquanto política. A intervenção que fazemos é restrita a encaminhamentos
[...]. Quase sempre é só pegar o telefone e conversar com as outras equipes, onde
elas estiverem e o problema é resolvido. Mas, não tem discussão em grupo problematizando
a realidade da saúde em geral e o nosso trabalho. A gente até conversa, mas a gente
não vê retorno, resultado (Quênia).
Percebe-se
no depoimento do sujeito, que há uma grande dificuldade de problematizar o contexto
do SUS na sua área de atuação, uma limitação que pode ser devido à cultura do modelo
hegemônico, que faz com que o profissional não perceba as diferentes instâncias
que envolvem o SUS enquanto política. O sujeito relata que os profissionais conseguem
perceber o que está "errado", bem como o que deveria ser "mudado",
porém será que estas pessoas se percebem como integrantes do SUS, visto que no relato
referem que não conseguem discutir as questões diretamente relacionadas ao SUS enquanto
política.
Corroborando
com o exposto, o Ministério da Saúde assinala que a atenção hospitalar no âmbito
nacional apresenta várias dificuldades, no que se refere aos aspectos financeiros
(custeios e investimentos), políticos, organizacionais, assistenciais, de formação
profissional13 e social. Essas várias dificuldades "se estruturam,
em torno de um eixo central que diz respeito à manutenção e reprodução, ou mudança
e transformação do atual modelo de atenção à saúde em um determinado sistema de
saúde como é o caso do SUS".15:13
Um
estudo aponta várias dificuldades na situação atual da atenção hospitalar no SUS,
como: carência relativa e má-distribuição dos leitos hospitalares; escassez de políticas
e baixa habilidade de gestão da rede hospitalar por parte das instâncias governamentais
e baixa habilidade gerencial dos estabelecimentos da rede hospitalar; inconformidade
dos mecanismos de alocação de recursos financeiros para a atenção hospitalar no
SUS e insuficiência dos mecanismos de auditoria, controle e avaliação do uso de
recursos alocados na rede; grau elementar de implementação da política de regionalização
e hierarquização dos serviços entre a rede básica e os serviços de média e alta
complexidade, com reorientação do papel dos hospitais gerais e especializados; grau
incipiente de controle sobre produção de serviços hospitalares em quantidade e qualidade,
que permita a análise da sua adequação ao perfil de necessidades de saúde da população
atendida, bem como avaliação da efetividade dos serviços e da satisfação dos usuários.19
Destaca-se
que muitas ações precisam ser melhoradas, e esforços têm sido engendrados, no entanto
é indispensável que as pessoas que fazem parte do sistema se sintam responsáveis
e conhecedoras do SUS.10,18 As dificuldades pontuais que foram citadas
e são resolvidas tornam-se importantes para as políticas do sistema de saúde, mas
precisam ser consolidadas dentro das ações das políticas públicas e não acontecer
apenas em processos informais ou por amizades. Essa tomada de consciência é indispensável,
para que ocorram avanços com elaboração e desenvolvimento de estratégias efetivas
que resultem em melhorias no processo de construção do SUS, sendo que cada sujeito
é um agente social e co-partícipe desta construção.
A
quarta estrutura de resposta, emergiu do depoimento de sete sujeitos que revelaram
em suas falas que a relação entre a realidade do serviço de saúde que atuam e o
SUS não acontece, sendo que desse modo não ocorre a problematização. Alguns explicitam
a sua dificuldade de entendimento e, conseqüentemente, uma grande confusão entre
o caráter público e privado, como apresentado nos depoimentos a seguir: uma coisa
que eu encontro bastante dificuldade é entender a diferença que existe entre os
convênios. Eu acho que até a própria administração impõe essas diferenças dos pacientes
do SUS com os outros pacientes. Para mim, todos deveriam ser tratados da mesma forma.
Eu sinceramente fiquei entendendo melhor o SUS na Especialização, especialmente
as diretrizes. Talvez porque na faculdade eu não tinha essa visão que tenho hoje
por trabalhar numa unidade do SUS, o que facilitou a compreensão da dinâmica (Etiópia).
[...] quando estudei eu não conseguia entender, lá no hospital
não tem SUS, não tem nada com o SUS [...] por não trabalhar na área pública tenho
uma visão muito limitada [...] para mim foi difícil [...] relaciono mais ou menos,
o trabalho que eu desenvolvo com o SUS, queria saber bem mais, queria entender bem
mais [...] hoje eu não problematizo com a equipe [...] são mais pensamentos meus
[...] a gente conversou na época, porque lá fora todos têm essa idéia que a gente
tem tudo maravilhoso, pacientes bem atendidos, ambientes tudo [...] mas é triste
ver essa disparidade entre o privado e o público (Grécia).
Com
a consagração do direito a saúde na Constituição Brasileira12, buscou-se
a implantação de um modelo universalista – o SUS. Entretanto, na década de 90, instala-se
um terceiro modelo segmentado, com dois subsistemas de acesso para a atenção à saúde,
o SUS e a Assistência Médica Suplementar, caracterizando a dicotomia entre o público
e o privado.20
Atualmente
a participação do setor privado no SUS, encontra-se mais na atenção hospitalar e
na oferta de serviços especializados no qual se encontra uma importante proporção
de gastos do sistema. Essa necessidade do SUS com relação aos serviços privados
ocorre principalmente devido à insuficiência de investimentos na rede pública e
a baixa produtividade dos serviços públicos.14 Esta participação do sistema
privado gerou uma categorização do sujeito na rede assistencial: o paciente do SUS
(coberto com as verbas públicas), o paciente com cobertura de Planos de Saúde e
o paciente privado.
Essa
situação fortaleceu uma compreensão equivocada do SUS, reforçando a idéia de que
o sistema de saúde é composto por uma rede pública e uma rede privada, quando na
realidade, o SUS é o sistema de saúde, único e público, que conta com uma rede complementar
(privada). Assim, as instituições de saúde podem trabalhar com recursos financeiros
de fontes diversas: públicas e/ou privadas.
Nesse
sentido, são os próprios hospitais, que recebem verbas públicas e/ou de outros convênios,
que determinam diferentes regras administrativas para a internação dos indivíduos.
Isto se expressa na fala de Etiópia quando diz que todos deveriam ser tratados
da mesma forma pois, independente dos convênios, é necessário ter claro que
o SUS é destinado a todos os cidadãos, sendo financiado com recursos arrecadados
por meio de impostos e contribuições sociais pagos pela população e compõem os recursos
do governo federal, estadual e municipal.
O
SUS tem como meta tornar-se um importante mecanismo de promoção da eqüidade no atendimento
das necessidades de saúde da população, ofertando serviços com qualidade adequados
às necessidades, independente do poder aquisitivo do cidadão. Propõe-se a promover
a saúde, priorizando as ações preventivas, democratizando as informações relevantes
para que a população conheça seus direitos e os riscos à sua saúde. O setor privado
participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios de prestação
de serviço ao Estado, quando as unidades públicas de assistência à saúde não são
suficientes para garantir o atendimento a toda à população de uma determinada região.21
Em
relação à quinta estrutura de resposta, que refere a contribuição e a importância
do curso ESPENSUL na aquisição da competência de problematizar a realidade dos serviços
de saúde em que o profissional atua, face ao SUS: quatro sujeitos apontaram não
ter havido contribuição direta do curso, pois já possuíam certo conhecimento. Os
demais sujeitos relataram uma contribuição bem significativa com diferentes enfoques
como sinalizam as seguintes falas: [...] na verdade foi um marco [...] a partir
da ESPENSUL, eu busquei outra especialização e o mestrado. Na verdade eu não parei
na ESPENSUL, continuei a partir dali [...] as coisas se inter-relacionam, são agregações
de valores, de conhecimento (Austrália).
Deu para perceber uma relação maior porque geralmente quando
a gente pensa em política de saúde, pensa em saúde pública. Mas deu para relacionar
um pouquinho mais com a saúde hospitalar [...] Mas ainda tenho muito a melhorar
sobre a minha visão de saúde, ainda não estou... muito bem politizada (Nova Zelândia).
Os
depoimentos dos sujeitos, reafirmam a finalidade do processo educativo problematizador
como a conscientização que ultrapassa o nível da tomada de consciência através da
análise crítica, isto é, do desvelamento das razões de ser desta situação, para
constituir-se em ação transformadora desta realidade.18 Assim, sabedores
de sua inconclusão, homens e mulheres procuram, ao longo de suas vidas, saber mais.
Essa busca constante é característica humana baseada na esperança, sendo que a Educação
Permanente é a educação fundamentada na consciência da necessidade do conhecimento.10,18
A
contribuição que gera a ampliação de visão e a necessidade de um trabalho interdisciplinar
e intersetorial também foi manifestada: a ESPENSUL fez com que eu saísse daquela
formação só de vir aqui assistir uma aula, estudar em casa, prestar uma prova, correr
o máximo para atingir o objetivo da prova. Ela abriu um olhar diferente sobre a
equipe multidisciplinar, um leque para eu me relacionar com outros setores, não
só aquele no qual trabalho (Marrocos).
A
intersetorialidade parte da compreensão sistêmica dos problemas com seus determinantes
e condicionantes interligados e interdependentes. Para isso, não basta a consciência
entre os profissionais da saúde sobre a insuficiência do seu saber e sua atuação
setorial para alcançar resultados efetivos e transformadores para os complexos problemas.19
Há um longo caminho a ser percorrido, tanto no plano do saber, como no plano
das práticas, que permita fazer a ruptura do próprio modelo de conhecimento e de
formação dos profissionais, sendo que foi nesta direção que o curso investiu.
Outras
manifestações apontaram à riqueza de literatura trabalhada e discutida, o exercício
da problematização e a oportunidade de ampliar o conhecimento pelo conteúdo desenvolvido
sobre o SUS. As falas endossam estes aspectos: [...] o ESPENSUL ofereceu muitos
textos críticos durante o curso e eu conseguia relacionar bem um com o outro na
hora de fazer os exercícios e os trabalhos (Somália); [...] tinha uma parte que
mostrava toda essa questão do SUS, das políticas, como que a gente se insere dentro...
Pelo conteúdo programático e pelas discussões que sempre tinham (Tailândia).
Salienta-se
a relevância da postura crítica da subjetividade no processo de conhecimento, não
importando tratar-se de compreender o conhecimento já existente ou de buscar a produção
do conhecimento que não existe ainda.10,18 Destaca-se que implicado no
processo de conhecer, está a tarefa de intervir. Intervir para a libertação, para
a transformação das condições injustas, de vida e de saúde.10,18,22 A
implementação destes conhecimentos sobre o SUS, desenvolvidos no curso, manifestou-se
como uma releitura de práticas anteriores que foram refletidas a partir de um processo
educativo fundamentado no exercício da problematização, que tende a desvelar mobilização
cognitiva e atitudinal voltada à prática crítica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os
dados obtidos e as análises realizadas, sugerem um impacto significativo com o desenvolvimento
do curso de Especialização em Enfermagem no desenvolvimento da competência em problematizar
a realidade dos serviços de saúde em que atua, face ao SUS. A análise revelou um
claro compromisso dos sujeitos com a melhoria da assistência de enfermagem empreendida
e de considerar o curso demarcador de crescimento pessoal, profissional, intelectual
e institucional, propalando a continuidade do mesmo, na modalidade semi-presencial
e fundamentado na metodologia problematizadora.
Grande
parte dos sujeitos revelaram que a partir da Especialização, as questões que dizem
respeito ao SUS e a relação com o serviço de saúde ficaram bem mais claras. Foi
extremamente importante desenvolver o processo de problematização e contextualização,
necessários para demarcar uma nova postura, uma nova forma de trabalhar com os profissionais,
os usuários e os gestores, haja vista o desafio de trabalhar coletivamente, de reunir
diferentes idéias, percepções e práticas. Ainda, alguns sujeitos expressaram que
por não se sentirem politizados o suficiente para ampliar sua visão da saúde, as
dificuldades em abordar as políticas de saúde permanecem, contudo explicitaram que
o Curso trouxe esta provocação.
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Endereço para correspondência: Vânia Marli Schubert Backes R. Victor
Konder, 54, Ap. 303 88.015-400 - Centro, Florianópolis, SC, Brasil Email: oivania@nfr.ufsc.br
Recebido
em: 16 de abril de 2007 Aprovação final: 10 de outubro de 2007
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