ATENÇÃO FARMACÊUTICA E PROMOÇÃO DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
Adriano Max Moreira Reis*
RESUMO
A morbimortalidade relacionada a medicamentos é
um importante problema de saúde pública. Atenção farmacêutica é a provisão
responsável da farmacoterapia com o objetivo de alcançar resultados definidos
que melhorem a qualidade de vida dos pacientes. A prática da atenção
farmacêutica pode reduzir os problemas preveníveis relacionados a
farmacoterapia. Este artigo discute a importância da atenção farmacêutica como
agente de promoção do uso racional de medicamentos. Analisa o estágio atual da
atenção farmacêutica e os desafios para sua implementação.
Palavras chave: atenção
farmacêutica, uso racional de medicamentos, farmacoterapia.
ABSTRACT
PHARMACEUTICAL CARE AND PROMOTION OF
RATIONAL USE OF MEDICATION
Drug related morbidity and mortality
is a major public health issue. Pharmaceutical care is the responsible
provision of drug therapy for the purpose of achieving definite outcomes that
improve a patient’s quality of life. The model of pharmaceutical care can
reduce the burden of preventable drug therapy problems. This article discusses
the importance of pharmaceutical care as agent of promotion for rational use of
medication. It analyses the current state of pharmaceutical care and the
challenges for its implementation.
Keywords: Pharmaceutical care, rational use of
medicines, drug therapy.
Introdução
Prática é o meio através do qual uma profissão fornece conhecimento e
produtos para a sociedade. A ação central da prática farmacêutica deve ser o
uso racional de medicamentos (OMS, 1993).
A utilização de medicamentos é um processo complexo com múltiplos
determinantes e envolve diferentes atores. As diretrizes farmacoterápicas
adequadas para a condição clínica do indivíduo são elementos essenciais para a
determinação do emprego dos medicamentos. Entretanto, é importante ressaltar
que a prescrição e o uso de medicamentos são influenciados por fatores de
natureza cultural, social, econômica e política (FAUS, 2000 ; PERINI et. al,
1999).
A prática profissional de uma categoria da área de saúde sofre
influência direta do processo educacional, das diretrizes das políticas
sanitárias e de trabalho, da estrutura do sistema de saúde e do modelo
assistencial.
No mundo ocidental contemporâneo o modelo de assistência à saúde é
excessivamente medicalizado e mercantilizado, cabendo aos medicamentos um
espaço importante no processo saúde/doença, sendo praticamente impossível
pensar a prática médica ou a relação médico paciente sem a presença desses
produtos (SOARES, 1998). Neste contexto a morbimortalidade relacionada a
medicamentos é um grande problema de saúde pública (EASTON et al, 1998,
MALHOTRA et al, 2001).
Os modelos tradicionais de prática farmacêutica mostram ser pouco
efetivos sobre a morbimortalidade relacionada a medicamentos (CIPOLLE et al
2000).
A atenção farmacêutica, um novo modelo, centrado no paciente, surge
como alternativa que busca melhorar a qualidade do processo de utilização de
medicamentos alcançando resultados concretos.
O artigo apresenta as bases filosóficas e conceituais da atenção
farmacêutica e sua importância para a promoção do uso racional de medicamentos.
A MORBIMORTALIDADE RELACIONADA A
MEDICAMENTOS
Atualmente a morbimortalidade
relacionada a medicamentos é um relevante problema de saúde pública e um
determinante de internações hospitalares. As internações relacionadas a
medicamentos podem ser atribuídas a fatores intrínsecos à atividade do fármaco,
falhas terapêuticas, não adesão ao tratamento e eventos adversos (JOHNSON &
BOOTMAN, 1995; ROUGHEAD et al., 1998;
EASTON et al. , 1998; MALHOTRA et al., 2001).
Einarson, (1993) publicou uma revisão de 37 estudos realizados em
países desenvolvidos e encontrou a incidência média de internação relacionada a
medicamentos de 5 %, variando de 0,2 a 21,7 %.
Na Austrália , no período de 1988 a 1996 , foram publicados 14
trabalhos que analisaram as internações hospitalares determinadas por medicamentos. Os trabalhados foram realizados em diferentes
contextos e a comparação entre os estudos envolvendo populações diversas pode
trazer confusão dificultando o conhecimento da extensão real do problema. Para elucidar esses estudos, Roughead et al
1998 publicaram uma revisão demonstrando que as taxas de internações relacionadas
a medicamentos corresponderam a : 2 a 4 % do total de internações, 6 a 7 % das
admissões em emergências, 12 % das admissões em unidades de clínica médica e 15
– 22 % das admissões de emergências em geriatria.
Em 2002, Winterstein et al. publicaram uma metanálise de artigos sobre internações
hospitalares relacionadas a medicamentos, segundo os resultados as taxas de
prevalência podem variar de 3 a 9% das internações. Os autores ressaltam que mais de 50% das
internações relacionadas a medicamentos podem ser prevenidas.
No Brasil, não existe estudos sobre morbimortalidade relacionada a
medicamentos apenas levantamentos sobre
intoxicação medicamentosa. Segundo os dados publicados pelo Sistema Nacional de
Informações Tóxico-Farmacológicas, os medicamentos ocupam a primeira posição
entre os três principais agentes causadores de intoxicações em seres humanos
desde 1996, sendo que em 1999 foram responsáveis por 28,3% dos casos
registrados (SINITOX, 2000).
A prevalência e custos da morbidade e mortalidade relacionada a
medicamentos são de grande relevância para os gestores de sistemas de saúde,
pacientes e a sociedade como um todo (MALHOTRA et al., 2001; JOHNSON &
BOOTMAN, 1995).
A redução da morbidade evitável relacionada a medicamentos tem um
impacto positivo na qualidade de vida do paciente, na segurança do sistema de
saúde e na eficiência no uso dos
recursos (MORRIS et al., 2002).
Segundo Hepler, 2000 , a morbidade prevenível relacionada a
medicamento é um problema para muitos sistemas de saúde. Os resultados inadequados da farmacoterapia
devem ser prevenidos sob um ponto de vista clínico e humanitário. Os recursos financeiros gastos com a
morbidade prevenível relacionada a medicamentos são suficientes para evitar o
problema e permitir outras intervenções no sistema de saúde tornando o mesmo
mais eficiente.
As principais causas de morbidade prevenível relacionadas a
medicamentos são: prescrição inadequada; reações adversas a medicamentos
inesperadas; não adesão ao tratamento; superdosagem ou sub-dosagem; falta da
farmacoterapia necessária; inadequado seguimento de sinais e sintomas e erros
de medicação (HEPLER 2000, HENNESSY 2000).
De acordo com Hepler, 2000, a morbidade prevenível relacionada a
medicamento é uma epidemia que deve ser controlada, empregando as seguintes
estratégias:1)aumentar a consciência dos profissionais de saúde e população sobre o problema; 2)desenvolver e
disseminar estratégias de controle para os programas de saúde;3)identificar e
determinar o relacionamento dos problemas na utilização de medicamentos na
população;4)fornecer meios para solucionar ou evitar a evolução dos problemas;
5)aprimorar os critérios de utilização de medicamentos.
De acordo com Gharaibeh et al 1998 , a
internação hospitalar relacionada a medicamentos, reflete as interações entre
medicamentos, profissionais de saúde, comunidade, sistema educacional e
organização dos serviços de saúde e outras ações governamentais.
Os estudos de morbidade induzida por medicamentos têm grande
relevância em saúde pública. Os resultados
devem ser divulgados para médicos, pacientes e gestores de saúde para
conscientizar e prevenir a morbimortalidade.
Apesar das limitações de extrapolações dos resultados, os mesmos podem
justificar esforços para melhorar a qualidade da assistência. São índices da magnitude, gravidade e tipos
de problemas que podem ocorrer durante o
processo de utilização de medicamentos (GHARAIBEH et al, 1998)
EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS FARMACÊUTICAS
A evolução dos modelos de prática farmacêutica está diretamente
vinculado à estruturação do complexo médico industrial. No início do século XX,
o farmacêutico era o profissional de referência para a sociedade nos aspectos
do medicamento, atuando e exercendo influência sobre todas as etapas do ciclo
do medicamento. Nesta fase, além da guarda e distribuição do medicamento o
farmacêutico era responsável também, pela manipulação de, praticamente, todo o
arsenal disponível na época (GOUVEIA, 1999).
A expansão da indústria farmacêutica, o abandono da formulação pela
classe médica e a diversificação do campo de atuação do profissional
farmacêutico, levaram-no a se distanciar da área de medicamentos
descaracterizando a farmácia. Na década de 50 podemos evidenciar uma total
descaracterização das funções do farmacêutico junto a sociedade. A prática
farmacêutica consistia apenas na função de distribuição dos medicamentos
industrializados (HOLLAND & NIMMO, 1995, GOUVEIA, 1999).
Nos anos 60 existia uma grande insatisfação com essa nova forma de
atuação decorrente do desenvolvimento da industrialização de medicamentos.
Essas inquietudes fizeram nascer um
movimento profissional norte americano, que ao questionar a formação e as ações
criou mecanismos para corrigir os problemas e permitir que os farmacêuticos
participassem da equipe de saúde usando seus conhecimentos para melhorar o
cuidado ao paciente. O resultado concreto foi o surgimento no âmbito hospitalar
da farmácia clínica. O modelo de prática predominante na farmácia comunitária
passou a ser a orientação e dispensação farmacêutica (HOLLAND & NIMMO,
1999).
Segundo Holland & Nimmo, 1999 a farmácia clínica é uma prática que
aprimora a habilidade do médico para fazer boas decisões sobre medicamentos. Ao
médico cabe a responsabilidade pelos resultados da farmacoterapia e ao
farmacêutico fornecer serviços de suporte adequados e conhecimentos
especializados sobre a utilização do medicamento.
Na década de 1990, com os trabalhos de Hepler & Strand se difunde
a atenção farmacêutica. Na atenção farmacêutica o farmacêutico passa a atuar de
forma mais efetiva na assistência ao paciente.
As habilidades, destrezas e referenciais técnico-científicos
necessários para atuar na atenção farmacêutica são os mesmos requeridos pela
farmácia clínica. Entretanto as atitudes profissionais e os valores morais são
totalmente diferentes. O profissional que atua em atenção farmacêutica assume a
responsabilidade pelos resultados da terapia medicamentosa e pela qualidade de
vida do paciente. O medicamento produto, é um componente importante e
necessário para a atenção farmacêutica. Mas neste novo modelo o processo é o
agente principal, o produto tem uma função secundária (HOLLAND & NIMMO,
1999).
DEFINIÇÕES DE ATENÇÃO FARMACÊUTICA
Nas publicações de ciências farmacêuticas a primeira definição de
atenção farmacêutica apareceu em 1980 em um artigo publicado por Brodie et al:
“em um sistema de saúde, o componente medicamento é
estruturado para fornecer um padrão aceitável de atenção farmacêutica para
pacientes ambulatoriais e internados. Atenção farmacêutica inclui a definição das
necessidades farmacoterápicas do indivíduo e o fornecimento não apenas dos
medicamentos necessários, mas também os serviços para garantir uma terapia
segura e efetiva. Incluindo mecanismos de controle que facilitem a continuidade
da assistência “.
O conceito clássico de atenção farmacêutica “a provisão responsável da farmacoterapia com o objetivo de alcançar
resultados definidos que melhorem a qualidade de vida dos pacientes” foi
publicado por Hepler & Strand em 1990. Esta definição engloba a visão filosófica
de Strand sobre a prática farmacêutica e o pensamento de Hepler sobre a
responsabilidade do farmacêutico no cuidado ao paciente. Os resultados
concretos são: 1) cura de uma doença; 2) eliminação ou redução dos sintomas do
paciente; 3) interrupção ou retardamento do processo patológico, ou prevenção
de uma enfermidade ou de um sintoma.
Em 1997, Linda Strand afirmou que conceito de atenção farmacêutica
estava incompleto passando a defender a seguinte definição: “prática na qual o profissional assume a responsabilidade
pela definição das necessidades farmacoterápicas do paciente e o compromisso de
resolvê-las”. Enfatiza que a atenção farmacêutica é uma prática como as
demais da área de saúde. Possui uma filosofia, um processo de cuidado ao
paciente e um sistema de manejo. É diferente do conceito de 1990 que foca os
resultados. Mas para Strand resultados não têm significados fora do contexto de
uma prática assistencial(PHARMACEUTICAL,1997).
Uma divisão clara é identificada a partir do momento que Strand preconiza
uma atenção farmacêutica global com aplicação sistemática em todos os tipos de
situações e Hepler uma atenção farmacêutica orientada para doenças crônicas
como asma, diabetes, hipertensão e outras. (CIPOLLE et al 2000, HEPLER et al
1995).
Ao analisar as funções do farmacêutico no sistema de atenção a saúde a
Organização Mundial de Saúde - OMS
estende o benefício da atenção farmacêutica para toda comunidade reconhecendo a
relevância da participação do farmacêutico junto com a equipe de saúde na prevenção
de doenças e promoção da saúde. Na ótica da OMS a atenção farmacêutica é
“ um
conceito de prática profissional na qual o paciente é o principal beneficiário
das ações do farmacêutico. A atenção farmacêutica é o compêndio das atitudes,
os comportamentos, os compromissos, as inquietudes, os valores éticos, as
funções, os conhecimentos, as responsabilidades e as habilidades do
farmacêuticos na prestação da farmacoterapia com o objetivo de obter resultados
terapêuticos definidos na saúde e na qualidade de vida do paciente” (OMS,
1993).
Os objetivos fundamentais, processos e relações da atenção
farmacêutica existem independentemente do lugar que seja praticada (HEPLER
& STRAND, 1990). Ao longo da última década a atenção farmacêutica propagou
dos Estados Unidos para diversos países.
Na Espanha a atenção farmacêutica está desenvolvendo intensamente. O
Consenso de Granada definiu atenção farmacêutica como:
“ a
participação ativa do farmacêutico na assistência ao paciente na dispensação e
seguimento do tratamento farmacoterápico, cooperando com o médico e outros
profissionais de saúde, a fim de conseguir resultados que melhorem a qualidade
de vida dos pacientes. Também prevê a participação do farmacêutico em
atividades de promoção à saúde e prevenção de doenças” (CONSENSO 2001).
Utilizando referenciais internacionais, análise do contexto sanitário
e buscando a promoção da prática da atenção farmacêutica de forma articulada com a assistência
farmacêutica, no marco da Política Nacional de Medicamentos foi definido pelo
Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica que
“
atenção farmacêutica é modelo de prática
farmacêutica, desenvolvida no contexto da assistência farmacêutica. Compreende
atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades
na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à
equipe de saúde. É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visando
uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis
voltados para a melhoria da qualidade de vida. Esta interação também deve
envolver as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades
bio-psico-sociais sob a ótica da integralidade das ações de saúde” (OPAS
2002b).
O conceito brasileiro destaca por considerar a promoção da saúde,
incluindo a educação em saúde, como componente da atenção farmacêutica, o que
constitui um diferencial marcante em relação as definições adotadas em outros
países (OPAS, 2002b).
Também é importante ressaltar que segundo o conceito brasileiro
assistência e atenção farmacêutica são distintas. Esta última refere-se a um
modelo de prática e as atividades específicas do farmacêutico no âmbito da
atenção à saúde, enquanto o primeiro envolve um conjunto mais amplo de ações,
com características multiprofissionais (OPAS, 2002b).
A proposta de Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica é um
elemento de grande significância para a promoção e implantação deste novo
modelo de prática profissional. O consenso é resultado do Grupo de Trabalho
“Atenção Farmacêutica no Brasil” nucleado pela Organização Pan-Americana de
Saúde – OPAS com apoio de diversas instituições farmacêuticas.
Strand, relata a falta de uma definição universal de atenção
farmacêutica. Enfatiza a necessidade de na prática profissional aplicar a mesma
uniformidade de definições como ocorre com a terminologia clínico-farmacológica
(AphA,2002).
A FILOSOFIA DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA
A filosofia da atenção farmacêutica inclui diversos elementos. Começa
com uma afirmação de uma necessidade social, continua com um enfoque centrado
no paciente para satisfazer esta necessidade, tem como elemento central a
assistência a outra pessoa mediante o desenvolvimento e a manutenção de uma
relação terapêutica e finaliza com uma descrição das responsabilidades
concretas do profissional (CIPOLLE et al., 2000).
No desenvolvimento da atenção farmacêutica o profissional se encarrega
de reduzir e prevenir a morbimortalidade relacionada a medicamentos. O
farmacêutico satisfaz esta necessidade social atendendo individualmente as
necessidades dos pacientes (FAUS & MARTINEZ,1999; LEE & RAY,1993).
A primeira premissa da filosofia da atenção farmacêutica é que a
responsabilidade essencial do farmacêutico consiste em contribuir para
satisfazer a necessidade que tem a sociedade de um tratamento farmacológico
adequado, efetivo e seguro (CIPOLLE et al., 2000).
Para satisfazer de maneira eficiente a necessidade social é essencial
que o farmacêutico desenvolva ações centradas no paciente. Um enfoque centrado
no paciente implica que todas as demandas relativas a farmacoterapia sejam
contempladas como responsabilidade do profissional, e não só as necessidades
que correspondem a uma determinada classe farmacológica ou estado patológico
concreto (CIPOLLE et al., 2000 ; FAUS & MARTINEZ,1999).
A atenção farmacêutica se baseia em um acordo entre o paciente e o
farmacêutico. O profissional garante ao paciente compromisso e competência.
Estabelece-se um vínculo que sustenta a relação terapêutica, identificando as
funções comuns e as responsabilidades de cada parte e a importância da
participação ativa. Na realidade é um pacto para trabalhar a favor da resolução
de todos os problemas relacionados com medicamentos, reais ou potenciais. O
problema é real quando manifestado, ou potencial na possibilidade de sua
ocorrência. (CIPOLLE et al., 2000 ;
POSEY,1997).
Em síntese, uma relação terapêutica é uma aliança entre o profissional
e o paciente e se forma com a finalidade específica de satisfazer as
necessidades de assistência a saúde do paciente. É um ato de cuidado na
integralidade bio-psico-social do indivíduo e não apenas na visão reducionista
de um estado patológico(CIPOLLE et al., 2000).
O exercício da atenção farmacêutica busca resolver o importante
problema social da morbimortalidade relacionada com os medicamentos empregando
um processo de cuidado centrado no paciente e uma responsabilidade profissional
claramente definida (CIPOLLE et al.,
2000 ;POSEY, 1997; LEE & RAY 1993).
O profissional se responsabiliza pela necessidade, segurança e
efetividade da farmacoterapia do paciente. Isto se consegue mediante a
identificação , resolução e prevenção dos problemas relacionados com
medicamentos. O problema relacionado com medicamentos, é um problema de saúde,
vinculado o suspeito de estar relacionado à farmacoterapia que interfere nos
resultados e na qualidade de vida do usuário(OPAS,2002b). Ao prestar atenção
farmacêutica o profissional se responsabiliza de garantir que o paciente pode
cumprir os esquemas farmacoterápicos e seguir o plano de assistência, de forma
a alcançar resultados positivos (LEE & RAY,1993).
IMPACTO DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA
A primeira investigação sobre o impacto das ações de atenção
farmacêutica foi realizado nos Estados Unidos utilizando os dados do Projeto
Minnesota de Atenção Farmacêutica. Os resultados mostraram que após um ano
aumentou o número de pacientes que alcançaram resultado terapêutico positivo. A
resolução dos problemas relacionados a medicamentos reduziu a complexidade da
demanda farmacoterápica. Em síntese observou uma relação custo-benefício
favorável (PHARMACEUTICAL,1997;TOM ECHKO et al 1995).
A melhoria da qualidade de vida em pacientes com insuficiência
cardíaca, diabetes, hipertensão e dislipidemia em virtude da atenção
farmacêutica tem sido demonstrada em
vários estudos (VARMA et al.,1999 ; SKAER et al., 1993 ; JABER et al., 1996 ;
VAN VEDHUIZEN et al.,1995).
Hepler et al. desenvolveram o projeto de
pesquisa TOM (Therapeutic Outcomes Monitoring) para avaliar a atenção
farmacêutica usando a asma como protótipo. Na Europa também foram realizados
diversos trabalhos mostrando o impacto positivo da atenção farmacêutica na asma
(GRAINGER ROUSSEAU et al. 1997; HERBORG et al., 200a,b;NARHI et al., 2000;
MORCK , 1996 e GOURLEY et. al,1998).
A provisão de atenção farmacêutica a idosos foi avaliada em um estudo
multicêntrico na Europa. Verificou-se redução de custos e aumento da qualidade
de vida. Os pacientes do grupo intervenção manifestaram melhor controle da
doença e alto nível de satisfação. A opinião dos médicos e farmacêuticos foi
favorável a atenção farmacêutica (BERNSTEN, 2001).
Na Espanha foi realizado o estudo TOMCOR que tinha como objetivo
comparar os efeitos da atenção farmacêutica em pacientes coronarianos em
relação aos efeitos do modelo tradicional. Era um estudo prospectivo com
aleatorização das farmácias aos grupos investigação e controle . Os resultados
clínicos evidenciaram uma diminuição da taxa anual de novos infartos no grupo
de investigação e uma menor utilização dos serviços de saúde. Melhoria da
qualidade de vida foi identificada, verificou-se um aumento do conhecimento
sobre os fatores de risco da doença coronariana e da satisfação com o
serviço(ALVARES TOLEDO et al., 2001).
Weidle et al. (1999), descreveram as ações de intervenção farmacêutica
de um programa de atenção farmacêutica em um hospital universitário. No
hospital estudado 90% das ações estavam diretamente relacionado com o processo
terapêutico e 10% com a otimização do custo assistencial. Os autores
desenvolveram uma classificação com 11 categorias de intervenção farmacêuticas
no âmbito hospitalar e as respectivas ações a serem implementadas. As
categorias são baseadas na classificação de problemas relacionados a
medicamentos de Hepler & Strand.
Salvia et al (1999), relataram os resultados da implantação de um
programa de atenção farmacêutica em um hospital espanhol. As ações foram
desenvolvidas através da identificação, prevenção e resolução de problemas
relacionados a medicamentos. Os autores agruparam as intervenções em 3 classes:
otimização da farmacoterapia, ação farmacêutica preventiva e ação farmacêutica
educativa. Realizou uma valorização dos problemas relacionados a medicamentos,
baseado nas diretrizes de Schneider et al., 1995. Os autores concluíram que a
intervenção farmacêutica melhora os resultados clínicos e exerce influencias
nos custos assistenciais.
Os estudos relatados acima mostram um impacto favorável da atenção
farmacêutica sobre a efetividade, qualidade de vida e custos assistenciais.
Portanto é importante a realização e publicação de pesquisas bem delineadas
analisando a relevância da atenção farmacêutica para os sistemas de saúde.
ATENÇÃO FARMACÊUTICA E USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
Os esforços para a readequação de atividades e práticas farmacêuticas
objetivando o uso racional dos medicamentos é essencial numa sociedade que os
fármacos constituem o arsenal terapêutico mais utilizado (LIPTON et al., 1995).
No Brasil, além da garantia do acesso aos serviços de saúde e a
medicamentos de qualidade, é necessário a implantação de práticas assistenciais
que promovam o uso racional de medicamentos propiciando resultados que
influenciam diretamente os indicadores sanitários (OPAS 2002a).
Ao farmacêutico moderno é essencial. conhecimentos , atitudes e
habilidades que permitam ao mesmo integrar-se à equipe de saúde e interagir
mais com o paciente e a comunidade , contribuindo para a melhoria da qualidade
de vida , em especial , no que se refere à otimização da farmacoterapia e o uso
racional de medicamentos(MARIN , 2002)
O envolvimento do farmacêutico no processo de atenção à saúde é
fundamental para a prevenção dos danos causados pelo uso irracional de
medicamentos (BATES,1995)
As ações do farmacêutico , no modelo de atenção farmacêutica, na
maioria das vezes, são atos clínicos individuais. Mas as sistematizações das
intervenções farmacêuticas e a troca de informações dentro de um sistema de
informação composto por outros profissionais de saúde pode contribuir para um impacto no nível coletivo e na promoção do uso seguro
e racional de medicamentos. (OPAS 2002c).
A atenção farmacêutica contribui para o uso racional de medicamentos,
na medida que desenvolve um acompanhamento sistemático da terapia
medicamentosa utilizada pelo indivíduo
buscando avaliar e garantir a necessidade,
a segurança e a efetividade no processo de utilização de medicamentos. Satisfaz
as necessidades sociais ajudando os indivíduos a obter melhores resultados
durante a farmacoterapia (FAUS & MARTINEZ-ROMERO,1999).
EVOLUÇÃO E DESAFIOS DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA
Desde sua introdução a mais de uma década, a atenção farmacêutica
tornou-se um importante componente da prática em farmácia em todo o mundo. A
expansão das atividades e serviços relacionados ao controle e acompanhamento da
farmacoterapia reflete a responsabilidade da profissão em aprimorar a segurança
e efetividade do processo de utilização de medicamentos.
Hepler, refletindo sobre o desenvolvimento da atenção farmacêutica,
afirmou que apesar de todo o seu potencial a mesma não conseguiu cumprir integralmente
o seu papel, pois a morbimortalidade devido a medicamentos continua como um
grande problema de saúde pública. Enfatiza que o farmacêutico deve atuar nos
sistemas de saúde buscando otimização do processo de utilização de
medicamentos. Incentiva os profissionais a executar ações concretas que
viabilizem a concretização da atenção farmacêutica como prática profissional.
Ressalta que a atenção farmacêutica é um processo, sendo possível aprender
fazendo (APhA 2002).
Strand, durante um simpósio da Associação Norte Americana de
Farmacêuticos apresentou uma análise crítica e construtiva do estágio atual da
atenção farmacêutica, afirmando que o momento é de ação porque já houve muitas
discussões conceituais. Destacou a necessidade da harmonização da definição de
atenção farmacêutica. Enfatizou que freqüentemente consideram o foco da atenção
farmacêutica o profissional, quando na realidade deve ser o paciente. Segundo a
pesquisadora o modelo de prática bem definido e o sistema de classificação de
problemas relacionados com medicamentos são elementos chave da profissão que
contribuem para a expansão da atenção farmacêutica. Linda Strand convocou as
lideranças farmacêuticas a tomar decisões que propiciem ações concretas para a
implementação da atenção farmacêutica (APhA, 2002).
Segundo Tromp, os 15 países da União Européia estão em diferentes
níveis de implementação da atenção farmacêutica. Mas existe um ponto em comum,
o entendimento que atenção farmacêutica é a assistência individualizada ao
paciente na Farmácia (APhA 2002).
No Brasil, as ações clínicas em farmácia eram restritas ao âmbito
hospitalar e mais especificamente a alguns hospitais universitários. Com o
surgimento da atenção farmacêutica as práticas clínicas expandem para as
farmácias comunitárias. As instituições farmacêuticas e as universidades estão
buscando disseminar este modelo de prática farmacêutica no país. Nas novas
diretrizes curriculares do curso de farmácia
consta a atenção farmacêutica como elemento norteador da formação
profissional.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Um dos desafios da categoria farmacêutica
é modificar as condutas, incorporando na prática profissional um
modelo que propicie ao farmacêutico assumir a responsabilidade com a farmacoterapia e atuar como promotor do uso
racional de medicamentos.
A atenção farmacêutica possui diferenças marcantes em relação as
práticas tradicionais , pois é na realidade
um acordo de cooperação entre o
paciente e o farmacêutico buscando a
otimização dos resultados terapêuticos.
O impacto positivo da atenção farmacêutica foi mostrado através de
pesquisas realizadas em vários países., demonstrando que a mesma é um
importante agente para promoção do uso racional de medicamentos
A Organização Panamericana de Saúde tem assumido um papel de destaque
no processo de construção do modelo brasileiro de atenção farmacêutica. A
expectativa é que a publicação da proposta de Consenso Brasileiro de Atenção
Farmacêutica atue junto a categoria
profissional como catalisador da implementação da atenção farmacêutica no país.
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*Mestre em Ciências Farmacêuticas / Universidade
Federal de Minas Gerais-UFMG, Farmacêutico da Unidade Funcional Farmácia do
Hospital das Clínicas da UFMG, reisamm@hc.ufmg.br
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