O ENSINO DE
FARMÁCIA
IRACEMA JOANA SALIM ESTEFAN
FARMACÊUTICA — ASSESSORA
MINISTÉRIO DA SAÚDE
INTRODUÇÃO
Na
história antiga e contemporânea da profissão de Farmácia temos testemunhado a dualidade
na ênfase profissional sobre os medicamentos, os produtos e o interesse comercial
que lhe corresponde. Inúmeros estudos e publicações manifestam o conflito bem como
o sinergismo provocados por esta dualidade. Apesar das implicações teóricas e práticas
das características da Farmácia, é uma realidade o fato de que a profissão farmacêutica,
mais que qualquer outra profissão da área da saúde, entrelaça interesses profissionais
com interesses comerciais.
A
profissão farmacêutica não é uma ilha em si mesma. A natureza de seu exercício está
profundamente imbricada na malha de normas legais, infra-estrutura política, aspectos
empresariais e inter-relações profissionais. Assim, pode-se afirmar que o exercício
da Farmácia se processa em um entorno complexo, às vezes favorável, outras vezes
hostil.
Não
obstante, a sobrevivência da profissão farmacêutica deriva de seu entorno, não de
maneira distinta a dos modelos biológicos e físicos que descrevem a natureza de
seu conteúdo. Assim, vemos hoje na Farmácia uma necessidade urgente de compreender
e assimilar a essência de sua própria identidade profissional bem como do entorno
mais amplo de onde emana sua existência. Se de um lado necessitamos compreender
essas variáveis para poder controlá-las, por outra parte, devemos ter pleno conhecimento
dos fatores externos, ou seja, aquelas variáveis que não estão sob nosso controle
e que desempenham um importante papel na configuração de nossa profissão. Esta compreensão
nos situará em um contexto adequado e nos ajudará a planejar e compreender nosso
futuro.
Faz-se
necessário, pois, buscar saber o que é a Farmácia, a quem serve, como o faz, e em
que contexto.
A
Farmácia é um sistema de conhecimento que tem como característica fundamental o
estudo dos medicamentos em todos os seus aspectos.
Em
1966 Pourchet Campos8 integra
ao medicamento o alimento e o tóxico e conceitua Farmácia como sendo o "conhecimento
amplo e pleno das substâncias que, direta ou indiretamente, tem significado para
a saúde".
No
estudo de Millis, PHARMACISTS FOR THE FUTURE7, a Farmácia é conceituada
como um serviço de saúde, posto que a única razão para pesquisar, produzir, distribuir,
prescrever e dispensar medicamentos é que através dos mesmos se podem produzir efeitos
benéficos na saúde da população, curando, prevenindo, controlando as doenças e reduzindo
o sofrimento humano.
O
sistema Farmácia tem, portanto, como escopo o estudo do fármaco-medicamento em todos
os seus aspectos, quer sejam tecnológicos quer os decorrentes da passagem dos medicamentos
de uma dimensão técnica para uma dimensão clínica.
Entretanto,
como conseqüência da evolução da Farmácia e por força de um "curriculum"
extremamente eclético, outras áreas como as análises clínicas e lexicológicas e
a de alimentos foram incorporadas pela profissão. Estas áreas representam hoje,
legítimas conquistas da Farmácia, avaliadas pela sociedade, através dos serviços
prestados, e muito embora não sendo atividades privativas, deverão ser aprimoradas
e preservadas no conjunto das ciências farmacêuticas.
O ÂMBITO PROFISSIONAL
O
exercício da profissão farmacêutica tem respaldo em diplomas legais sendo suas atribuições
divididas em privativas e não-privativas.
O
Decreto Federal nº 85.878 de 07 de abril de 1981, estabeleceu normas para a execução
da Lei 3.820 de 11 de novembro de 1960, sobre o exercício da profissão farmacêutica,
fixando as atribuições profissionais do farmacêutico em:
a)
Privativas
—
Magistério superior (mat. privativas constantes, currículo de farmácia);
—
Perícia Técnica Legal;
—
Fiscalização técnica de empresas farmacêuticas;
—
Fiscalização profissional;
—
Farmacotécnica prescricional humana;
—
Pesquisa e Planejamento de fármacos;
—
Dispensação farmacêutica (pública, hospitalar, privada);
—
Indústria de especialidades farmacêuticas;
—
Cosméticos com indicação terapêutica;
—
Produção e dispensação de fitoterápicos.
b)
Não Privativas
—
Indústria de insumos para fins farmacêuticos;
—
Indústria de insumos bioquímicos para fins farmacêuticos;
—
Fabrico de produtos higiênicos e cosméticos sem indicação farmacêutica;
—
Indústria de produtos biológicos;
—
Bromatologia e química bromatológica;
—
Tratamento de água;
—
Análises clínicas para fins clínicos;
—
Análises químicas para fins industriais;
—
Fábrico de produtos farmacêuticos para fins veterinários;
—
Indústria de extratos opoterápicos;
—
Indústria de raticidas, inseticidas e congêneres.
O ENSINO DE FARMÁCIA NO BRASIL
Existem
hoje 35 estabelecimentos que ministram ensino superior de Farmácia a nível de graduação.
Conforme pode ser visto na Tabela
I e II estão distribuídas por todas as regiões do país,
havendo uma maior concentração delas nas regiões mais desenvolvidas.
Do
ponto de vista da dependência Administrativa Financeira (TABELA
III), a maioria das Escolas ou Faculdades de Farmácia são Federais, tendo ocorrido
um aumento substancial de estabelecimentos privados, nos últimos 6 anos localizados
sobretudo no Estado de São Paulo.
Com
relação à procura da Farmácia como carreira pelos jovens, continua sendo relativamente
alta. Segundo dados da SEEC/MEC, no Vestibular do 1º Semestre de 1984, 17.193 candidatos
apresentaram-se para disputar 1.964 vagas, o que aponta 8,76 candidatos por vaga.
Neste período (1º Semestre de 1984) o número total de alunos matriculados era de
13.369. Já o número de concluintes (1983) foi de 2.547.
Embora
não se disponha de dados atualizados, tudo leva a crer que a constatação feita no
estudo — "O ENSINO DA CIÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL"4 — Análise e Recomendações de 1974, ainda continuam
válidos. Neste trabalho, o que estudou exaustivamente a questão foi verificado que
apenas 4% do alunado faziam opção por farmácia, 82% pelo setor de análises clínicas
e toxicológicas e 14% pela área de tecnologia.
Vários
fatores contribuíram para esta situação que teve um saldo negativo para a profissão
e para a saúde da população.
O IMPACTO DA CRISE ECONÔMICA SOBRE O ENSINO DE FARMÁCIA
A
Economia tem um impacto muito elevado sobre a qualidade e a quantidade dos programas
de ensino oferecidos. No Brasil, o grande período recessivo gerou sérias conseqüências
sobre o assunto em geral.
No
caso específico da Farmácia, onde a maioria das escolas ou faculdades é dependente
de recursos federais, os problemas gerados foram grandes em todos os setores.
ÁREA
FÍSICA e EQUIPAMENTOS — A grande maioria das escolas de Farmácia se ressente de
equipamentos, (e até mesmo reagentes e vidraria) para oferecer um ensino de bom
nível. Os equipamentos são obsoletos e carecem de manutenção, por falta de recursos,
aguardam anos para sua recuperação.
O
CORPO DOCENTE — No Brasil sempre houve escassez de verdadeiros cientistas farmacêuticos,
quer a nível de instituições de ensino quer a nível de indústria farmacêutica. Este
fato é agravado pelo pequeno número de cursos de Pós-graduação no país (apenas 8)
(Tabela IV) e a pouca saída de profissionais para capacitação no exterior.
Enfrenta-se
também a concorrência com a Indústria farmacêutica para a obtenção de pessoal qualificado.
Com recursos limitados, a Universidade como um todo, enfrenta problemas sérios para
manter seus docentes mais qualificados ou investir na contratação e formação de
novos professores. Consideramos estratégica a questão do preparo de docente. Há
necessidade de se buscar alternativas para o traçado de um programa nacional de
capacitação de docentes na área de Farmácia (fármaco-medicamento), como forma de
atualizar e modernizar o ensino de farmácia, hoje com um atraso de cerca de 20 anos
em relação ao ensino de países mais desenvolvidos. É imperiosamente urgente a implementação
do ensino da farmacocinética, biofarmácia, farmácia hospitalar, farmácia clínica,
administração farmacêutica, saúde pública, fisiopatologia apenas para citar algumas
disciplinas. Ainda no que diz respeito a docentes, é importante se pensar em cursos
de educação continuada, como forma de manter a qualidade do ensino.
Reiteramos
mais uma vez a necessidade de se estruturar programas de formação de docentes para
nossas escolas. Esta ênfase é devida a importância definitiva para o futuro das
Escolas ou Faculdades de Farmácia em nosso país. Os professores necessitam manter
sua capacidade no manejo de novos e complexos equipamentos, necessitam que suas
próprias atividades não sofram uma defasagem no contexto do mundo científico e tecnológico
moderno, sem deixar de ser sensíveis a natureza mutante da prestação de serviços
de saúde e ao papel a ser desempenhado pelos farmacêuticos, nestas mudanças.
AS
BIBLIOTECAS — Como regra geral podemos afirmar que as escolas de farmácia são extremamente
pobres em bibliografias específicas. Tomando como exemplo a farmácia hospitalar,
inexistem textos nacionais bem como estrangeiros. Bibliografias para área de administração
farmacêutica, farmácia clínica, biofarmácia, farmacocinética clínica são praticamente
inexistentes no país. Periódicos da área são pouco comuns. Acreditamos que no momento
existem condições para se modernizar o acervo das bibliotecas de nossas escolas
através do PROJETO BIBLOS, recentemente lançado pela SESU/MEC dentro do Programa
Nova Universidade.
A
PESQUISA — Poucas escolas de Farmácia do nosso país desenvolvem pesquisas, e estas
têm sofrido as conseqüências das limitações impostas pela crise financeira. Entretanto,
as pesquisas nesta área são absolutamente vitais para se alcançar o objetivo de
se proporcionar "Saúde para todos no ano 2000". Os produtos farmacêuticos
continuam sendo o método mais barato de terapia sanitária, e os novos descobrimentos
na pesquisa farmacêutica freqüentemente tem forte impacto em outras áreas.
A
pesquisa na área de produtos naturais, num país com uma flora tão rica necessita
ser fortalecida, como forma de se encontrar alternativas medicamentosas eficazes
e de baixo custo para a população brasileira.
Especial
atenção deve ser dada a natureza interdisciplinar das atividades de pesquisa de
nosso tempo, já que a maioria dos trabalhos é fruto da integração de recursos de
diferentes disciplinas. É necessário motivar mais as escolas de Farmácia a desenvolverem
trabalhos de investigações, a exemplo das Faculdades de Farmácia das universisades
federal do Rio Grande do Sul e da Paraíba, esta através do seu Laboratório de Tecnologia
Farmacêutica — L.T.F.
O
CURRICULUM — O atual curriculum mínimo de Farmácia, estabelecido pela Resolução
nº 4/69 do Conselho Federal de Educação3, deixa claro o caráter multidisciplinar
destes cursos, possibilitando aos farmacêuticos diferentes campos de atuação. Nas
escolas de Farmácia são formados profissionais com títulos diferentes:
—
Farmacêutico
—
Farmacêutico Industrial
—
Farmacêutico Bioquímico com 2 opções
I
— Tecnologia de alimentos
II
— Análises clínicas e lexicológicas
Esta
reforma curricular surgiu em meio a uma crise institucional do ensino quando até
mesmo a extinção dos Cursos de Farmácia chegou a ser proposta. Essa crise teve por
fundamento, em realidade, o fosso existente entre o ensino e a realidade de saúde
do povo brasileiro. O acordo MEC/USAID, que dá causa à reforma do ensino é a gênesis
dos descaminhos subseqüentes. É importante analisar os antecedentes históricos gerados
da crise que culminou com o currículo vigente. Segundo o Professor José Aleixo Prates
e Silva "esta reforma, longe de oferecer soluções adequadas à qualificação
de profissionais para dispensação sob uma ótica moderna, evidenciou manifesta substima
a esse campo de atividade por excelência do farmacêutico, preferindo, antes, oferecer
mais e melhores perspectivas para o ensino das Análises Clínicas e Toxicológicas..."10
Até
1930 os procesos industriais estavam limitados a manipulação de produtos (vegetais
e minerais) tendo como sede a "botica" ou pequenos estabelecimentos industriais.
Os medicamentos aqui produzidos não se diferenciavam dos demais produzidos na Europa
ou EEUU. Nesta época os americanos como europeus se preocupavam em constituir unidades
de investigação científica o que não ocorreu aqui.
As
pesquisas desenvolvidas culminaram com a descoberta de novos produtos dentre os
quais se pode destacar: Vitamina B1, Sulfas, Hormônios, Antimicrobianos,
Reserpina, Dexametasona, etc.
Estes
produtos começaram a entrar no Brasil através das casas representativas, com objetivos
comerciais: O desenvolvimento tecnológico surgido após a Segunda Guerra Mundial,
levou a que a pesquisa científica se transformasse em fonte de lucro industrial
ao mesmo tempo que proporciona o aparecimento de novos produtos, gerando monopólios
e lucros fantásticos para as empresas. Isto culminou com uma elevada concentração
econômica e a oligopolização do mercado.
As
pequenas empresas nacionais, sem condições de acompanhar a evolução tecnológica
ficam à mercê da entrada no Brasil, destas empresas econômicas e financeiramente
fortes, ocorrendo daí o fenômeno da "desnacionalização". Esta entrada
maciça de capital estrangeiro no setor farmacêutico, provoca, a nível de oferta,
uma aproximação do mercao nacional ao mundial.
Os
grandes laboratórios estrangeiros aqui instalados assumem progressivamente o controle
da produção farmacêutica no Brasil, implantando novas fábricas, adquirindo laboratórios
nacionais e assumindo o controle de outros.
O
farmacêutico, deslocado de sua atividade nobre de manipulação na farmácia, cercado
por produtos industrializados que proliferam desordenadamente, e dos quais de pouco
ou nada sabe, se sente desestimulado a continuar nessa atividade. A nível de indústria,
suas funções também se limitam a "gerente de produção", posto que as pesquisas,
a síntese das matérias-primas e a pesquisa tecnológica propriamente dita são feitas
nas matrizes instaladas no exterior. Aqui são executadas apenas as operações referentes
às 3ª e 4ª fases ou seja, a 3ª fase é basicamente de procedimentos físicos, (sem
grande significado tecnológico) e a 4ª fase é a de comercialização e "marketing"
dos produtos industrializados. Tenha-se presente, só para um referencial no tempo,
que a 1ª regulamentação federal das atividades da indústria farmacêutica já estavam
solidamente instaladas no Brasil.
Naquele
momento de crise, entenderam as lideranças da profissão e as autoridades responsáveis
pelo ensino superior, ser oportuna a revisão curricular com abertura de novas opções,
do que resultou a Resolução 4/69 C.F.E.3 O medicamento é relegado a um plano secundário,
entendendo-se que profissionais de nível superior de curta duração poderiam assumir
a direção das farmácias de dispensação que proliferam no país, fortemente supridas
de medicamentos sofisticados. Assim não ocorreu porque o profissional não se sentia
capaz de assumir esta tarefa pela deficiência de conhecimentos de farmacologia,
de saúde pública e de administração farmacêutica. Como esta é uma atividade privativa
da profissão farmacêutica, alterou-se a legislação, a farmácia passou a ser também
de propriedade de leigos, com a responsabilidade técnica do farmacêutico na qualidade
de simples empregado. Isto acarretou prejuízos enormes para a profissão, mas sobretudo
para a população que comprovadamente tem na farmácia o seu primeiro posto de socorro,
e que vem sendo assistida por leigos sem nenhum conhecimento sobre o potencial dos
produtos farmacêuticos modernos postos à comercialização. Não é o que ocorre nos
países desenvolvidos, onde a farmácia é um estabelecimento profissional, diversamente
do que ocorre no Brasil, onde a farmácia e a drogaria, são casas comerciais apenas.
Quanto
ao ensino da habilitação industrial, apenas 14 das 35 escolas ou faculdades de farmácia
oferecem esta habilitação tendo em vista um mercado de trabalho restrito, sendo
que dessas 14, a maioria não conta com equipamentos e instalações adequadas.
Entretanto,
as 35 instituições mantêm, habilitação em análises clínicas e toxicológicas.
O
atual Curriculum de Farmácia vem sendo motivo de questionamento e análises, de forma
sistemática, por profissionais e educadores, bem como a questão, dos seus títulos
e sua duração. Estes problemas devem ser resolvidos com o objetivo de buscar uniformidade,
mantendo, entretanto, possibilidades de inovação dentro de cada curso buscando atender
as peculiaridades regionais. Ainda com relação ao "curriculum", questões
fundamentais que emergem em todas as discussões são:
—
O fosso existente entre as disciplinas do ciclo básico e do profissional a comprometer
o próprio perfil curricular;
—
disciplinas clássicas no currículo de Farmácia como a Botânica e a Farmacognosia
estão em franco abandono. É necessário retomá-las, fortalecê-las, como forma de
implementar a pesquisa na área de produtos naturais. Recentemente tem se ressaltado
a importância da botânica não apenas no conhecimento das plantas medicinais, mas
em outros problemas relacionados com a saúde ambiental. Os novos conceitos de pisos
bioclimáticos demonstram sua importância em epidemiologia, como ficou claramente
demonstrado através dos trabalhos do Dr. Rioux do Departamento de Ecologia Médica
e Patologia Parasitária da Faculdade de Medicina de Montpellier9.
Com
base nos pisos bioclimáticos se estabeleceram relações entre a distribuição de Phlebotomos
e focos epidemiológicos de Leishmaniose no Marrocos;
—
A Farmacotécnica necessita urgentes transformações quanto ao conteúdo. Dentro das
ciências farmacêuticas esta disciplina foi uma das que teve um desenvolvimento muito
significativo nos últimos 15 anos;
—
A Farmacologia e a Farmacodinâmica necessitam de cargas horárias condizentes com
o peso de sua importância na formação dos farmacêuticos;
—
A inclusão da disciplina de Saúde Pública e Farmacocinética não podem mais ser postergadas;
—
Programas de Farmácia Hospitalar devem ser implantados, de forma séria e criteriosa
objetivando dar resposta às necessidades dos pacientes e do hospital e tendo em
vista o necessário exercício da farmácia clínica.
É
vital que a profissão enfrente a questão da dispensação a nível de farmácia pública
ou comunitária com a responsabilidade que o assunto requer. Os fundamentos do ato
profissional farmacêutico tem seus alicerces em três princípios básicos capazes
de gerar novas possibilidades para a profissão:
—
Conhecimento efetivo do medicamento;
—
O relacionamento com o usuário do medicamento;
—
O relacionamento com os prescritores de medicamentos — os médicos.
Não
há dúvida, de que a realidade primeira e primária, é o conhecimento amplo, profundo
e atualizado dos medicamentos. Sem este conhecimento dos medicamentos, não há perspectivas
possíveis para a profissão farmacêutica.
A
segunda realidade (que conforma o ato da dispensação) é a relação farmacêutico/usuário
de medicamento. Se no conhecimento profundo dos medicamentos repousa a base de novas
perspectivas profissionais, esta segunda, é a peculiar, essencial, a que caracteriza
"o que fazer do farmacêutico" (diferente em alguns aspectos da farmácia
hospitalar).
O
relacionamento com os prescritores de medicamentos, deve ser perseguido, porque
neste elo surgem possibilidades inesgotáveis de novas perspectivas profissionais,
com benefícios para ambas as categorias e maior segurança para o usuário do medicamento.
OS FARMACÊUTICOS E SUA DISTRIBUIÇÃO NO TERRITÓRIO NACIONAL
Segundo
dados fornecidos pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) em 1985 estavam registrados
nos Conselhos Regionais de Farmácia (CRFs) 31.272 profissionais farmacêuticos em
todo o território nacional. Considerando a população geral de 124.128.374 habitantes
a relação de farmacêuticos por habitantes é de 1: 3.969 habitantes.
No
tocante à área física, a relação de farmacêuticos por Km2 é de 1:270 Km2.
Não
dispomos, no momento de dados relativos ao número de farmacêuticos que exercem atividades
junto à farmácia de dispensação e hospitalar, drogarias, laboratórios de análises
clínicas e indústria farmacêutica.
A EVOLUÇÃO DAS CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
O
estudo da evolução das ciências farmacêuticas requer que se estude os fatores que
incidem sobre ela e acompanhar como o sistema de conhecimentos "Farmácia"
evolui de acordo com a evolução destes fatores. Os mais importantes e significativos
são:
—
A inovação farmacoterapêutica;
—
Modificações legais na área do medicamento e a situação atual no Brasil;
—
Modificações no sistema de saúde — propostas atuais;
—
A política industrial químico-farmacêutica.
A
indústria farmacêutica atual teve suas bases no século passado. Pasteur, com sua
teoria dos germes e sua compreensão básica da imunologia, conduziu as bases da indústria
como a conhecemos hoje. Ao identificar um agente causai para uma infecção específica,
coloca-se em cena os mecanismos para controlá-la. Posteriormente, a teoria de Ehrlich
sobre a "bala mágica" que mataria os germes sem causar danos ao hospedeiro,
também foi fundamental. A descoberta das bases químicas do controle do sistema nervoso
autônomo responsável pelas funções automáticas do organismo tais como a digestão
e a respiração por Barger e Dale trouxeram uma contribuição valiosa. Quando se verificou
que determinados produtos poderiam produzir falhas sobre estes sistemas, estavam
lançadas as bases para o desenvolvimento de produtos bioquímicos e medicamentos
que corrigiriam tais defeitos. Estas descobertas conduzem ao aparecimento de medicamentos
que passaram a atuar a nível de tecidos ou a nível intercelular, que trouxe, como
conseqüência uma inovação farmacêutica espetacular, tornando realidade o sonho da
"bala mágica" de Ehrlich por volta de 1930, com a descoberta do primeiro
antibacteriano, o Prontosil. Como conseqüência, nos anos quarenta e seguintes, apareceram
a penicilina, os antibióticos de amplo aspecto, os anti-hipertensivos, os psicotrópicos,
mais tarde os antiinflamatórios e os betabloqueadores para as doenças cardiovasculares.
Toda
esta revolução terapêutica afetou de forma considerável a prática médica e farmacêutica.
Os êxitos das pesquisas efetuadas pelos laboratórios farmacêuticos se traduziram
em medicamentos que permitiram aos médicos salvar, prolongar e melhorar a vida de
milhões de pessoas no mundo inteiro.
Rapidamente
se evidenciou que o sucesso comercial da indústria farmacêutica significava que
os conhecimentos eram cada vez melhores. Porém, trabalhar nas fronteiras da ciência
tem seu preço. Após a tragédia da talidomida no início dos anos sessenta, os Governos
começaram a regulamentar com mais rigor a produção e experimentação de novos medicamentos,
fazendo pensar que dificilmente se conseguiriam grandes novas descobertas na área.
Indubitavelmente,
uma reflexão mais profunda do tema, nos leva a cogitar que se as descobertas teóricas
e doutrinárias do século XIX conduziram a esta primeira revolução farmacológica,
as pesquisas e o desenvolvimento científico desta década que se iniciou com a descoberta
e a pesquisa da estrutura do DNA por Watson-Crick em 1953, junto com os trabalhos
de Biologia Molecular abrirão o caminho para o desenvolvimento da bioquímica intracelular
e da segunda revolução farmacológica. Há três exemplos óbvios de doenças que provavelmente
se beneficiarão com estas novas descobertas, as infecções víricas e já se conhecem
agentes antivirais específicos tais como o ACICLOVIR bastante eficaz no herpes genital,
o câncer ou doenças neoplásicas que como no caso dos vírus são processos que têm
lugar no interior das células humanas. A compreensão desta bioquímica intracelular
certamente conduzirá ao desenvolvimento de medicamentos ou métodos que previnam
e controlem o crescimento das células cancerosas e é muito provável que estes novos
agentes sejam menos tóxicos do que os atualmente conhecidos. No século XXI se desenvolverão
métodos e medicamentos que nos permitirão a não mais considerar o câncer um flagelo,
tal como no século passado se considerava a tuberculose.
Outro
grupo de doenças que certamente terão respostas são as chamadas auto-imunes, que
ainda não estão identificadas e que são condições em que se desenvolvem os mecanismos
de defesa do organismo que fogem ao controle e que ao invés de atacar microorganismos
estranhos, se voltam contra os tecidos do próprio corpo. A complexidade deste processo
ainda não está bem esclarecida mas e provável que muitas doenças como a esclerose
múltipla, a doença de Parkinson, a artrite reumatóide possam ter origem desta forma.
O
desenvolvimento da engenharia genética e da genética molecular permitirão que doenças
ligadas aos gens como a fenilcetonúria hoje tratada com dieta especial, no futuro
será possível detectar, corrigir e até mesmo substituir os gens defeituosos. Além
disso a bioquímica intercelular ou de tecidos terá grande desenvolvimento, de forma
que áreas de pesquisa, que hoje já estão dando resultados práticos cresçam ainda
mais e assim teremos as prostaglandinas, as encefalinas, as endorfinas que constituirão
fantásticos avanços terapêuticos. A questão da liberação de medicamentos em quantidades
adequadas para evitar que doses maciças circulem na corrente sangüínea, com os inconvenientes
de reações adversas, modificarão o marco farmacoterapêutico existente hoje.
Esta
análise do que poderá ocorrer no campo farmacoterapêutico nos leva a concluir que
as inovações tecnológicas e pesquisas hoje realizadas darão lugar à segunda revolução
farmacológica. Estes medicamentos serão muito mais específicos e portanto será necessário
conhecê-los melhor para que possam causar os efeitos desejados. Se educar é uma
atividade retrospectiva, pois formamos hoje para o amanhã, estes dados deverão ser
necessariamente considerados desde agora quanto à modificação do sistema de Farmácia
para o futuro.
ASPECTOS LEGAIS NA ÁREA DOS MEDICAMENTOS
A
questão do registro de medicamentos é uma das variáveis que devem ser mais seriamente
avaliadas, pois influencia a prática da Farmácia. Fundamentalmente, pode-se dizer
que existem três sistemas básicos de registro de medicamentos a saber:
—
o de liberdade de registro no qual o Estado garante a segurança do fármaco;
—
o Estado garante a eficácia do medicamento de acordo com as indicações do fabricante.
Este tipo de registro existe na Suécia desde 1944 e foi adotado pelos EEUU como
conseqüência da emenda Kefauer-Harris, A Food, Drugs and Cosmetic Act;
—
o da exigência de eficácia relativa, isto é, o medicamento a ser registrado deve
ser mais eficaz que seus similares existentes no mercado. A Noruega é o único país
que adota este sistema.
No
Brasil, desde 1941, sempre houve um organismo oficial incumbido da fiscalização
dos setores que interessavam à saúde pública. Inicialmente, apenas a Medicina foi
objeto de atenção pois, na época, a produção de medicamentos ainda era atividade
artesanal. Criou-se então pelo Decreto-lei 3.171/41, o Serviço Nacional de Saúde.
Em seguida, pela Lei 3.062/56, suas funções foram ampliadas, passando a chamar-se
Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina e Farmácia (SNFMF), subordinado ao
Ministério da Saúde.
Pelo
Decreto nº 79.065 de 30.12.76, foi criada a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária
(SNVS), que sucedeu ao antigo SNFMF, tendo como finalidade, de acordo com a Lei
nº 6.360, de 23.09.76 e esta, regulamentada pelo Decreto nº 79.094 de 05.01.77,
promover, elaborar, controlar, aplicar e fiscalizar as normas e padrões de vigilância
sanitária.
Posteriormente,
pela Portaria nº 270-Bsb, de 10 de junho de 1978, do Ministério da Saúde aprovou-se
o Regimento Interno da SNVS em cuja estrutura encontra-se a Divisão Nacional de
Vigilância Sanitária de Medicamento, a DIMED.
Este
órgão está revestido de dois poderes:
—
o poder de homologar, que normaliza os procedimentos, através de decisões técnicas;
—
o poder policial, que fiscaliza o cumprimento das técnicas do poder homologador.
Cada
produto novo com registro concedido pela SNVS/DIMED/MS, significa que o governo
garante a segurança do fármaco e dá seu aval a investimentos das empresas. O produto
novo também cria concorrência a produtos antigos e, conforme sua origem, influi
na balança comercial importação/exportação do país e, o que é principal, a liberação
de um novo produto tem influência na dependência tecnológica do país. Portanto,
o poder homologador, tem a possibilidade de direcionar o país para a independência
ou para o colonialismo técnico.
No
Brasil, o número de especialidades farmacêuticas licenciadas, nas suas diversas
formas de apresentação, em oferta no mercado, tem sido objeto de grandes preocupações
junto aos técnicos do setor. Segundo a DIMED, hoje, este número, bem como suas formas
de apresentação, encontra-se por volta de 24.000 e 47.000, respectivamente. Comparando-se
com outros países, como a França, Bélgica, Inglaterra e Espanha, vemos que em média
tais valores giram em torno de 3.500 e 11.000, respectivamente, mostrando que grandes
quantidades não refletem necessariamente que um País mantém um padrão de atendimento
satisfatório.
A
Organização Mundial de Saúde considera que pouco mais de 300 medicamentos atenderiam
a exigência básica de qualquer país, bem como, recomendou aos países filiados a
sua adoção. No Brasil a CEME elaborou a Relação de Medicamentos básicos que passou
a chamar-se Relação de Medicamentos Essenciais — RENAME. Esta lista vem sendo constantemente
aperfeiçoada e, hoje é composta de menos de 300 fármacos, atendendo perfeitamente
as necessidades dos programas governamentais específicos do Ministério da Saúde
(Tuberculose, Saúde Mental, Hanseníase, Câncer, Diabetes, Hipertensão, Imunização
e Campanha de Saúde Pública) e a clientela previdenciária assistida pelo INAMPS
e os Hospitais Universitários.
A REFORMA DO SISTEMA DE SAÚDE
O
Sistema Nacional de Saúde, instituído pela Lei 6.229 de julho de 1975, consolidou
na prática a fragmentação do setor saúde, criando distorções enormes, com prejuízos
para a população que em número significativo não tem acesso a nenhum serviço de
saúde. Mesmo sendo o Brasil a 8ª economia do mundo nossos indicadores de saúde nos
nivelam nesta área aos países menos desenvolvidos.
Das
conclusões da VIII Conferência Nacional de Saúde, no TEMA 1 — Saúde como Direito,
emergiu unânime a questão de que saúde é um direito de todos os cidadãos brasileiros
e um dever do Estado.
No
TEMA 2 — Reformulação do Sistema Nacional de Saúde, ficou explícito:
"A
reestruturação do Sistema Nacional de Saúde deve resultar na criação de um Sistema
Único de Saúde que efetivamente representa a Construção de um novo arcabouço institucional
separando totalmente saúde de previdência através de uma ampla Reforma Sanitária".
Com
relação ao novo Sistema Nacional de Saúde ficou expresso:
O
novo Sistema de Saúde deverá reger-se pelos seguintes princípios:
a)
referente à organização dos serviços:
—
descentralização na gestão dos serviços;
—
integralização das ações, superando a dicotomia preventivo — curativa;
—
unidade na condução das políticas setoriais;
—
regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de serviços;
—
participação da população, através de suas entidades representativas, na formulação
da política, no planejamento, na execução e na avaliação das ações de saúde;
—
fortalecimento do papel do município;
—
introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços
de saúde, possibilitando ao usuário o direito democrático de escolher a terapêutica
preferida.
b)
atinentes às condições de acesso e qualidade:
—
universalização em relação à cobertura populacional a começar pelas áreas carentes
ou totalmente desassistidas;
—
eqüidade em relação ao acesso dos que necessitam de atenção;
—
atendimento oportuno segundo as necessidades;
—
respeito à dignidade dos usuários por parte dos servidores e prestadores de serviços
de saúde, como um claro dever e compromisso com a sua função pública;
—
atendimento de qualidade compatível com o estágio de desenvolvimento do conhecimento
e com recursos disponíveis;
—
direito de acompanhamento a doentes internados, especialmente crianças;
c)
relacionados com a política de recursos humanos:
—
remuneração condigna e isonomia salarial entre as mesmas categorias profissionais
nos níveis federal, estadual e municipal, e estabelecimento urgente e imediato de
plano de cargos e salários;
—
capacitação e reciclagem permanentes;
—
admissão através do concurso público;
—
estabilidade no emprego;
—
composição multiprofissional das equipes, considerando as necessidaes de demanda
de atendimento de cada região e em consonância com os critérios estabelecidos pelos
padrões mínimos de cobertura assistêncial;
—
compromissos dos servidores com os usuários;
—
cumprimento da carga horária contratual e incentivo a dedicação exclusiva;
—
direito à greve e sindicalização dos profissionais de saúde;
—
formação dos profissionais de saúde integrada ao Sistema de Saúde, regionalizado
e hierarquizado;
—
inclusão no currículo de ensino em saúde do conhecimento das práticas alternativas;
—
incorporação dos agentes populares de saúde como pessoal remunerado, sob a coordenação
do nível local do Sistema Único de Saúde, para trabalhar em educação para a saúde
e cuidados primários.
Como
este novo Sistema de Saúde, descentralizado, regionalizado e hierarquizado afetará
ou modificará 6 exercício da farmácia?
Julgamos
que este momento é de extrema importância para o futuro da profissão farmacêutica.
Devemos, todos unidos, aceitar este grande desafio de um profundo questionamento
interno, para podermos dar respostas às necessidades da sociedade brasileira. Esta
é, na verdade, a hora de resgatar a imensa dívida que nossa profissão tem com o
povo brasileiro.
TENDÊNCIAS DA SOCIEDADE
Após
uma análise da evolução da Farmácia no tempo, no campo terapêutico, diante das modificações
do Sistema de Saúde, seria importante discutir alguns aspectos relativos à tendência
da sociedade. O que a sociedade exige dos farmacêuticos? Não resta dúvida, que a
sociedade cada vez quer saber mais, quer saber como se cuidar, e esta exigência
trará como conseqüência, um aumento da automedicação. Neste aspecto, o farmacêutico
tem um papel essencial a cumprir por ser o único elemento que vai servir de controle
para um uso adequado dos medicamentos. O direito de saber, da comunidade explodirá,
e a avidez de conhecimentos, a necessidade de saber, como usar adequadamente os
medicamentos, para que servem, como atuam sobre sua doença, será cada dia mais uma
exigência da sociedade. Este fato fará com que a Farmácia assuma um caráter cada
vez mais clínico tanto em seu alcance como em sua função, modificando o papel tradicional
do farmacêutico, de ser um dispensador de medicamentos para um "consultor de
medicamentos", na medida em que os farmacêuticos ampliarem suas tarefas de
dispensadores de medicamentos para uma implicação direta com o paciente. Estas novas
funções exigirão um melhor preparo técnico dos profissionais.
É
importante que os farmacêuticos estejam envolvidos no processo de planejamento deste
objetivo, para que a sociedade possa se beneficiar de melhores serviços de saúde
e da redução de custos resultante da otimização dos serviços farmacêuticos.
A POLÍTICA NO SETOR QUÍMICO FARMACÊUTICO
Neste
setor de importância estratégica para o país, para a profissão farmacêutica e para
a Segurança Nacional, foi apenas a partir de 1964/65 que efetivamente se instituíram
mecanismos e instrumentos potencialmente capazes de induzir e incentivar o seu desenvolvimento.
O
Decreto nº 55.759 de 15.02.65 estabeleceu estímulo ao desenvolvimento da indústria
química em diferentes aspectos quer fiscal ou creditício. Entretanto as respostas
obtidas não foram as esperadas.
A
criação da Central de Medicamento/CEME em 25.06.71, pelo Decreto nº 68.806 (modificado
pelo Decreto nº 69.451, de 01.11.71), como órgão vinculado à Presidência da República,
representou um novo marco para o setor farmacêutico nacional, se bem que ainda com
características exclusivas de instituição destinada a atuar na racionalização e
no inventivo às atividades de pesquisa.
Com
o advento do Decreto nº 71.205, de 04.10.72, a competência da CEME é estendida no
sentido de,incentivar a instalação no país de fábricas de matérias-primas necessárias
a produção de medicamentos essenciais. Embora os instrumentos de apoio não ficassem
explícitos o que se buscava era tentar garantir, pelo menos o mercado oficial de
medicamentos aos projetos aprovados.
Assim,
passou-se finalmente a estudar um modelo articulado de ação governamental, quer
de especialidades farmacêuticas, quer de fármacos, permitiram determinar o campo
de necessidades prioritárias de medicamentos e o grau de adequação dessas necessidades
a uma oferta já fortemente condicionada pela ação do segmento empresarial multinacional.
Esse
modelo ficou explicitado no Plano Diretor de Medicamentos integrado pelo conjunto
de políticas e diretrizes que orientariam não somente a demanda de medicamentos,
como também, e de forma relevante, o sistema de oferta relacionando-o ainda ao desenvolvimento
tecnológico da área.
Outro
dos instrumentos estratégicos, e talvez, o de maior importância do Plano Diretor
foi o estabelecimento e oficialização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
— RENAME, que além de permitir concentrar a incidência do uso de medicamentos essenciais
(importante fator de orientação do desenvolvimento industrial), possibilitaria também
racionalizar a demanda governamental, de modo que o seu crescimento pudesse trazer
comprometimentos ao balanço de pagamentos. Do conjunto de medicamentos essenciais
brotaria o conjunto das matérias-primas prioritárias, cuja produção deveria ser
estimulada.
Isso
ficou expresso na Resolução CDI nº 36, de 19.12.74, que estabelecia a política de
incentivos a ser adotada para o setor químico-farmacêutico, que embora do ponto
de vista quantitativo permanecessem os mesmos previstos no Decreto-lei nº 1.137/70,
explicitava critérios qualitativos, bem como inseria a relação de matérias-primas
farmacêuticas prioritárias extraídas da RENAME. Essa relação foi posteriormente
revista e publicada através da portaria CDI nº 408, de 04.09.75.
Também
a concentração da incidência do uso da demanda governamental, sobre a Previdência
Social, permitiria a adoção de incentivo de garantia de mercado na primeira fase
de desenvolvimento das unidades produtoras de matérias-primas prioritárias.
Apesar
do relativo desprestígio desse instrumento, conseguiu-se estimular empresários e
pesquisadores nacionais para o estudo e produção de fármacos básicos, viabilizando
alguns projetos importantes.
Conforme
se verifica, a partir da instituição do Plano Diretor de Medicamentos e, por conseqüência,
da RENAME e da Resolução CDI nº 36/74, houve reversão tanto no número de projetos
nacionais como no nível de investimentos por eles realizados que passaram a se tornar
maioria. É bem verdade, que a pouca representatividade dos incentivos fiscais concedidos
pelo CDI, a partir de 1977/78, levaram, principalmente as empresas estrangeiras,
a investirem sem o beneplácito do CDI.
Como
decorrência do explícito no próprio Decreto nº 72.552, de 30.7.73 (que previa em
seu artigo 2º parágrafo único, item VII, alínea a), já se tentava desde o início
de 1979, a retomada dos estudos para agregar os diversos órgãos envolvidos no setor,
no sentido de instituir um órgão colegiado normativo e de coordenação setorial.
Tal
providência só veio a ser concretizada com a criação da GIFAR em 23.10.81.
Por
outro lado, em antecipação ao próprio GIFAR, a CEME, o CDI e BNDE, firmaram em 25.06.81
um Convênio para o estabelecimento de normas de atuação conjunta visando à implantação
e ao desenvolvimento de indústrias sob controle de capital nacional, os primeiros
resultados na área industrial estão produzidos em empreendimentos em sistema tripartite,
tais como a Companhia Brasileira de antibióticos (CIBRAN), Guanabara Química Industrial
S/A (GETEC), Bioquímica do Brasil S/A (Biobrás) e Insumos Químicos Farmacêuticos
S/A (BIOFAR).
Vale
acrescentar, no elenco de tais medidas, o constante do artigo 9º do Código de propriedade
industrial que não considera privilegiável tudo quanto diga respeito a meios e processos
para a obtenção de matérias-primas e produtos finais relativos a fármacos e medicamentos,
um claro estímulo à técnica de copiação não apropriado adequadamente em nosso país.
O SETOR DE FARMÁCIA HOSPITALAR
Existem
hoje no Brasil um total de 5.854 hospitais com as seguintes características:
Estes
dados, considerando apenas os hospitais de médio e de grande porte, apontam uma
necessidade imediata de cerca de 2.000 farmacêuticos hospitalares devidamente preparados
para assumirem as complexas tarefas que a moderna farmácia hospitalar comporta.
Este é outro dos grandes desafios que a profissão como um todo deve enfrentar. Existem
inúmeros obstáculos, iniciando com o número insignificante de escolas de Farmácia
que ministram ensino de farmácia hospitalar ainda de forma precária por não contarem
com estágios estruturados com base na articulação com os serviços. A nível de especialização
apenas 2 cursos são oferecidos, um junto ao Hospital Universitário da UFRJ, cuja
clientela é constituída basicamente de farmacêuticos que atuam em farmácias de hospitais
de ensino. O outro curso, coordenado pelo Projeto de Capacitação de Recursos Humanos
para o Controle da Infecção Hospitalar do Ministério da Saúde é realizado junto
ao serviço de farmácia do Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN. Destina-se
a farmacêuticos que já atuam em hospitais. Somadas as capacidades dos 2 cursos,
são treinados por ano 30 farmacêuticos, muito pouco para quem necessita 2.000.
Neste
sentido, buscando capacitar um contingente maior destes profissionais, o Projeto
de Capacitação de Recursos Humanos para o controle de Infecção Hospitalar, submeterá
à apreciação do Ministério da Educação e da Previdência e Assistência Social um
Projeto Interministerial, propondo a escolha de 05 centros de treinamento na área,
como forma de capacitar 100 farmacêuticos anualmente, entretanto, estas medidas
ainda são insuficientes; é necessário que as Associações Profissionais se associem
a este esforço.
O
serviço de farmácia hospitalar teve e está tendo um significativo e promissor desenvolvimento,
depois de reconhecida sua importância estratégica. As mudanças ocorrem céleremente,
os sistemas de gestão utilizam modernas técnicas de administração. O sistema de
distribuição de medicamentos tem evoluído rumo a distribuição por dose unitária
como forma de diminuir os erros de medicação e garantir ao paciente a melhor terapêutica
a um menor custo. É necessário que os farmacêuticos hospitalares com o respaldo
do conhecimento profundo e atualizado do medicamento, caminhem firme rumo a cabeceira
do paciente. O medicamento passou de uma dimensão técnica para uma dimensão clínica,
e a Farmácia segue com ele. A Farmácia Clínica é um conceito ou uma filosofia, que
dá ênfase ao uso seguro e apropriado dos medicamentos no paciente. Refere-se àquelas
atividades farmacêuticas que se relacionam com o paciente ou estão orientadas para
ele. O ponto central na prestação de cuidados de saúde é o paciente, portanto a
qualidade do resultado dos cuidados implica no diálogo e interações entre os profissionais
que prestam cuidados de saúde, e o paciente. No Brasil há apenas uma experiência
de Farmácia Clínica da UFRN. É necessário cultivá-la com carinho para que sirva
de modelo ao resto do país, e com a urgência necessária.
A
Farmácia Clínica é um processo orientado para o serviço e somente será eficaz com
sua utilização e consecução traduzido em um resultado positivo para o paciente.
Algumas das atividades de Farmácia Clínica podem ser assim descritas.
1
— Desenvolvimento e manutenção de dados sobre medicamentos;
2
— Avaliação e revisão dos perfis medicamentosos do paciente;
3
— Desenvolvimento de critérios para assegurar as respostas do paciente ao tratamento
medicamentoso;
4
— Comprovação das reações adversas ao medicamento e internações;
5
— Divulgação e fornecimento de informações sobre o medicamento aos pacientes e outros
profissionais da saúde;
6
— Cálculo de doses individualizadas usando princípios de farmacocinética;
7
— Participação na pesquisa clínica sobre medicamentos;
8
— Condução da revisão sobre o uso de medicamentos e o controle da terapia medicamentosa;
9
— Participação em outras atividades diretas de cuidados ao paciente;
10
— Detectar e corrigir incompatibilidades em misturas intravenosas de medicamentos;
11
— Informar aos pacientes sobre o uso correto dos medicamentos com o objetivo de
assegurar o cumprimento das ordens médicas proporcionar ao público educação sobre
cuidados de saúde;
12
— Capacidade para avaliar a literatura sobre medicamentos e a forma correta de utilizá-la.
Eis
um grande desafio para todos. Os obstáculos são grandes, mas não intransponíveis,
na Capacitação Técnica estão as armas para enfrentar esse mais novo desafio.
A
realidade de farmácia, conhecida como comercial ou de dispensação é trágica no Brasil,
está ao abandono servindo apenas como postos de venda de medicamentos, e creio que
todos os profissionais farmacêuticos envolvidos com mudanças, preocupados com a
saúde da população sabem que é preciso mudar, que é necessário resgatar esta dívida
com a população.
Esta
farmácia, que prefiro chamar de comunitária tem que mudar de acordo com as tendências
e as forças que vimos operar sobre o Sistema. Na proposta de modificação do Sistema
Nacional de Saúde, regionalizado e hierarquizado vão aparecer os postos de saúde
e os centros de saúde. Como ficará a farmácia dentro deste esquema? Como atuará
o farmacêutico no Centro de Saúde ou na Farmácia? É minha opinião que a Farmácia
recomposta em suas funções de Serviço de Saúde integre efetivamente o Sistema e
passe a ser de seus legítimos donos — os farmacêuticos. Quais funções poderiam os
farmacêuticos realizar nestas farmácias, nos Centros ou nos Postos de Saúde? Creio
que há muito a fazer, e para isso precisamos nos capacitar, pois não estamos preparados
para executar todas as tarefas. Entre as funções assistenciais os farmacêuticos
poderão efetuar ações direcionadas para:
—
Farmácia clínica comunitária;
—
prestar informação sobre medicamentos;
—
executar tarefas de educação sanitária;
—
desenvolver estudos epidemiológicos;
—
desenvolver a formação e avaliação dos custos de assistência à Saúde do consumo
e funções de fiscalização.
Cada
um dos itens descritos comportam subitens. Por exemplo, na área de assistência temos
funções de elaboração de critérios para a programação de medicamentos, elaboração
de instrumentos para o acompanhamento da utilização de medicamentos e controle do
tratamento medicamentoso aos pacientes crônicos (diabéticos, hipertensos, reumáticos,
etc.) Estudos de farmacovigilância, história medicamentosa e controle de psicotrópicos
e entorpecentes.
Na
área de informação de medicamentos, os farmacêuticos poderão atuar na elaboração
de instrução farmacoterapêutica, informação técnica e científica sobre medicamentos
ao pessoal das unidades básicas de saúde, orientação aos pacientes tratados nestas
unidades de saúde sobre o uso racional de medicamentos.
Na
área de educação sanitária, elaborar mensagens, textos, instruções, materiais audiovisuais
para melhor utilização, administração, conservação e armazenamento dos medicamentos
nas residências prevenindo acidentes e intoxicações com crianças. Elaboração de
instruções para gestantes sobre o uso de medicamentos na gravidez e na fase de amamentação.
Elaborar instruções sobre práticas de higiene em geral e contaminação ambiental.
Educação para a população sobre o valor real dos medicamentos na recuperação da
saúde.
Na
parte de epidemiologia, podemos avaliar o consumo de medicamentos e sua relação
com a morbidade e mortalidade na área de abrangência do serviço de saúde, estudos
prospectivos e retrospectivos sobre reações adversas de medicamentos na população,
estudos sobre iatrogenia, estudos comparativos sobre o consumo de diferentes medicamentos
em regiões de saúde equiparadas, etc.
Sem
pretender esgotar o assunto, podemos ver que o farmacêutico comunitário pode realizar
inúmeras funções de importância fundamental para a Sociedade, para as quais não
há substituto. Neste momento em que grandes mudanças se avizinham, temos que ser
ágeis, melhorar, evoluir, buscar uma capacitação adequada, adotar novos critérios,
superá-los, e isto, em última análise, é servir a sociedade.
A
Farmácia é um sistema complexo, são muitas as forças que atuam sobre ela e é imprescindível
que todas as ações sejam coordenadas e contem com o esforço de todos. Programas
curriculares de graduação, programas de pós-graduação, associações profissionais,
associações científicas. É necessário que as autoridades do país reconheçam o farmacêutico
como um elemento da equipe de saúde, com um papel definido a cumprir e que a sociedade
como um todo contribua exigindo destes profissionais os cuidados a que tem direito.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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de estabelecimentos de saúde: Brasil
1985. Brasília, 1985.
2.
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3.
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das ciências farmacêuticas no Brasil: análise
e recomendações. São Paulo, Artpress, 1974.
5.
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& Perspectivas; farmácia e farmacologia.
Brasília, 1982. v. 12.
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8.
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corrolaires epidemiologiques. L'exemple du Maroc. Pre-report of Medirerranean Bioclimatology
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10.
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qualificação profissional e mercado de trabalho. S.1., 1984.
11. SMITH, G. T. The future for plarmaceuticals: the pattern and the problems. London, office of Health Economics, 1983.
2014
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz
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