TOXICOLOGIA GERAL
CONCEITOS BÁSICOS PARTE 1
DEPTO.
ANÁLISES CLÍNICAS E TOXICOLÓGICAS
FACULDADE
DE FARMÁCIA
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MINAS GERAIS
Profa. Edna Maria Alvarez Leite, Profa. Leiliane Coelho André Amorim
CONCEITOS BÁSICOS
1)
TOXICOLOGIA
A
toxicologia se ocupa da natureza e dos mecanismos das lesões tóxicas e da
avaliação quantitativa do espectro das alterações biológicas produzidos pela
exposição aos agentes químicos.
É a ciência que tem como objeto de estudo o
efeito adverso de substâncias químicas sobre os organismos vivos, com a
finalidade principal de prevenir o aparecimento deste efeito, ou seja,
estabelecer o uso seguro destas substâncias químicas.
A toxicologia se apoia, então, em 3
elementos básicos:
1)
o agente químico (AQ) capaz de produzir um efeito;
2)
o sistema biológico (SB) com o qual o AQ irá interagir para produzir o efeito;
3)
o efeito resultante que deverá ser adverso (ou tóxico) para o SB.
2)
ÁREAS DA TOXICOLOGIA
A
toxicologia é uma ciência multidisciplinar, que abrange uma vasta área de
conhecimento, relacionando-se estritamente com diversas outras ciências, pois
sem os conhecimentos interrelacionados, dificilmente poderá atingir seus
objetivos: prevenir, diagnosticar e tratar.
A toxicologia é desenvolvida por
especialistas com diferentes formações profissionais, oferecendo cada um
contribuições específicas em uma ou mais áreas de atividade permitindo assim, o
aperfeiçoamento dos conhecimentos e o desenvolvimento das áreas de atuação.
No âmbito da toxicologia, distinguem-se
várias áreas, de acordo com a natureza do agente ou a maneira como este alcança
o organismo. Destacam-se entre outras:
Toxicologia
ambiental: que estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação dos
contaminantes químicos ambientais com os organismos humanos.
Toxicologia
ocupacional: que estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação dos
contaminantes do ambiente de trabalho, com o indivíduo exposto e o impacto
sobre sua saúde.
Toxicologia
de alimentos: que estuda os efeitos adversos produzidos por agentes químicos
presentes nos alimentos, sejam estes contaminantes ou de origem natural. É a
área da toxicologia que estabelece as condições nas quais os alimentos podem
ser ingeridos sem causar danos à saúde.
Toxicologia
de medicamentos: que estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação dos
medicamentos com o organismo decorrentes do uso inadequado ou da
suscetibilidade individual.
Toxicologia
social: estuda os efeitos nocivos dos agentes químicos usados pelo homem em sua
vida de sociedade, seja sob o aspecto individual, social (de relação) ou legal.
3)
AGENTE TÓXICO (AT)
É qualquer substância química que
interagindo com o organismo é capaz de produzir um efeito tóxico, seja este uma
alteração funcional ou morte. A maioria das substâncias químicas, consideradas
como agentes tóxicos, são substâncias exógenas conhecidas como xenobióticos.
3.1)
Classificação dos agentes tóxicos
Os
AT podem ser classificados de diversas maneiras dependendo dos critérios
utilizados. A seguir são apresentadas classificações quanto às características
físicas e químicas, e quanto ao tipo de ação tóxica.
3.1.1)
Quanto às características físicas:
Ø Gases: são fluídos
sem forma, que permanecem no estado gasoso em condições normais de pressão e
temperatura.
Ex.: CO, NO e NO2, O3
etc.
Ø Vapores: são as
formas gasosas de substâncias normalmente sólidas ou líquidas nas condições
ambientais
Ex: vapores resultantes da volatilização de
solventes orgânicos como benzeno, tolueno, xileno etc.
Ø Partículas ou
aerodispersóides: partículas de tamanho microscópico, em estado sólido ou
líquido
Ex: poeiras e fumos; neblinas e névoas
3.1.2)
Quanto às características químicas:
Esta classificação se baseia na estrutura
química das substâncias que mais se destacam quanto ao interesse toxicológicos
Ex: Halogêneos; Produtos alcalinos;
Hidrocarbonetos alifáticos; Hidrocarbonetos aromáticos; Metais; outros
3.1.3)
Quanto ao tipo de ação tóxica (ou órgão onde atuam):
Nefrotóxico; Neurotóxico; Hepatotóxico;
Outros
4)
TOXICIDADE
É
a capacidade, inerente a um agente químico, de produzir danos aos organismos
vivos, em condições padronizadas de uso. Uma substância muito tóxica causará
dano a um organismo se for administrada em quantidades muito pequenas, enquanto
que uma substância de baixa toxicidade somente produzirá efeito quando a
quantidade administrada for muito grande.
O conhecimento da toxicidade das substâncias
químicas se obtém através de experimentos em laboratório utilizando animais. Os
métodos são empregados com todo rigor científico com a finalidade de fornecer
informações relativas aos efeitos tóxicos e principalmente para avaliar riscos
que podem ser extrapolados ao homem.
Os agentes químicos podem ser classificados,
segundo HODGES & HAGGARD, em 6 classes de toxicidade, de acordo com os
valores de DL50 (Tabela I ). Esta classificação é utilizada para
consultas rápidas, qualitativas, com finalidade de obter informações relativas
à toxicidade intrínseca das substâncias.
A falha desta classificação está no fato
dela se basear apenas na toxicidade intrínseca da substância que é um parâmetro
extremamente variável, sendo influenciado por uma série de fatores,
relacionados principalmente ao agente químico, organismo e à exposição.
Em situações práticas não se deve conhecer
somente a toxicidade das substâncias, representadas geralmente pela DL50,
pois tão importante como conhecer a toxicidade dos agentes químicos, é conhecer
e saber avaliar o risco tóxico de uma substância química.
Tabela I : Classificação Quanto ao Grau
de Toxicidade
Categoria
de Toxicidade DL50
– Rata (via Oral)
|
|
Extremamente tóxico
Altamente tóxico
Moderadamente tóxico
Ligeiramente tóxico
Praticamente não tóxico
Relativamente atóxico
|
< 1mg/kg
1-50 mg/kg
50-500 mg/kg
0,5-5 g/kg
5-15 g/kg
> 15 g/kg
|
4.1) Fatores que influem na toxicidade
4.1.1)
Fatores ligados ao agente químico
Ø Propriedade
físico-química (solubilidade, grau de ionização, coeficiente de partição
óleo/água, pka, tamanho molecular, estado físico, etc.);
Ø Impurezas e contaminantes;
Ø Fatores envolvidos
na formulação (veículo, adjuvantes).
4.1.2)
Fatores relacionados com o organismo
Ø Espécie, linhagem,
fatores genéticos;
Ø Fatores
imunológicos, estado nutricional, dieta;
Ø Sexo, estado
hormonal, idade, peso corpóreo;
Ø Estado emocional,
estado patológico.
4.1.3)
Fatores relacionados com a exposição
Ø Via de introdução;
Ø Dose ou
concentração;
Ø Freqüência.
4.1.4)
Fatores relacionados com o ambiente
Ø Temperatura,
pressão;
Ø Radiações;
Ø Outros (luz,
umidade, etc.).
5)
RISCO E SEGURANÇA
O
risco associado à uma substância química se define como a probabilidade de que
uma substância produza um efeito adverso, um dano, sob condições específicas de
uso.
Nem sempre a substância de maior toxicidade
é a de maior risco, ou seja, de maior “perigo” para o homem. Dependendo das
condições de uso, uma substância classificada como muito tóxica (elevada
toxicidade intrínseca) pode ser menos “perigosa” do que uma pouco tóxica.
Existindo um risco associado ao uso de uma
substância química, há a necessidade de estabelecer condições de segurança.
Portanto define-se como segurança, a certeza prática de que não resultará
efeitos adversos para um indivíduo exposto a uma determinada substância em
quantidade e forma recomendada de uso. Ou seja, quando fala-se em risco e
segurança, significa a possibilidade ou não da ocorrência de uma situação
adversa.
Um problema sério, no entanto, é estabelecer
o que é um risco aceitável no uso de substância química. Esta decisão é
bastante complexa e envolve o binômio risco-benefício, ou seja, altos riscos
podem ser aceitáveis no uso das chamadas life saving drugs, ou seja, os
fármacos essenciais à vida e não serem aceitáveis no uso de aditivos de
alimentos, por exemplo.
Na utilização das substâncias químicas para
diversos fins, alguns fatores devem ser considerados na determinação de um
risco aceitável:
Ø Necessidade do uso
da substância;
Ø Disponibilidade e
a adequação de outras substâncias alternativas para o uso correspondente;
Ø Efeitos sobre a
qualidade do ambiente e conservação dos recursos naturais;
Ø Considerações
sobre o trabalho (no caso dela ser usada à nível ocupacional);
Ø Avaliação
antecipada de seu uso público (ou seja, o que ela poderá causar sobre a
população em geral, onde existe por exemplo: crianças, velhos, doentes, etc.);
Ø Considerações
econômicas.
6)
INTOXICAÇÃO
É um conjunto de efeitos nocivos
representado pelos sinais e sintomas que revelam o desequilíbrio orgânico
produzido pela interação do agente químico com o sistema biológico. Corresponde
ao estado patológico provocado pelo agente tóxico, em decorrência de sua
interação com o organismo.
Logicamente, o efeito tóxico só será
produzido, se a interação com o receptor biológico apropriado ocorrer em dose e
tempo suficientes para quebrar a homeostasia do organismo. Existem, então, na
grande maioria das vezes, uma série de processos envolvidos, desde o contato do
agente tóxico com o organismo, até o sintoma clínico que revela esta interação.
Isto permite dividir a intoxicação em 4 fases distintas, a saber:
Fase
de Exposição: corresponde ao contato do agente tóxico com o organismo. Representa a
disponibilidade química das substâncias químicas e passíveis de serem
introduzidas no organismo.
Fase
Toxicocinética: consiste no movimento do AT dentro do organismo. É formada pelos
processos de absorção, distribuição, armazenamento e eliminação
(biotransformação e excreção). Todos esses processos envolvem reações mútuas
entre o agente tóxico e o organismo, conduzindo à disponibilidade biológica.
Fase
Toxicodinâmica: corresponde à ação do AT no organismo. Atingindo o alvo, o agente
químico ou seu produto de biotransformação interage biológicamente causando
alterações morfológicas e funcionais, produzindo danos.
Fase
Clínica: corresponde à manifestação clínica dos efeitos resultantes da ação
tóxica. É o aparecimento de sinais e sintomas que caracterizam o efeito tóxico
e evidenciam a presença do fenômeno da intoxicação.
7)
DISTINÇÃO ENTRE EFEITOS ADVERSOS E NÃO ADVERSOS
O efeito adverso ou “anormal” com freqüência
é definido em relação à medição que está fora da amplitude “normal”. A
amplitude “normal”, por sua vez, se define com base nos valores médios que se
tem observado num grupo de indivíduos presumivelmente sãos.
No entanto é praticamente impossível, numa
população geral, definir valores “normais”, onde se inclui grupos que pode ser
especialmente sensíveis aos fatores ambientais, em especial as pessoas muito
jovens e muito idosas, as afetadas por alguma enfermidade e as expostas a
outros agentes tóxicos e tensões.
Por isso têm-se procurado formular critérios
para determinar efeitos adversos baseados em considerações biológicas e não
somente em diferenças estatisticamente significativas em relação a uma
população controle.
Sendo assim o efeito não adverso é aquele
que não reduz a capacidade funcional nem a capacidade para compensar tensões
adicionais. São reversíveis logo após cessar a exposição, sem diminuição
detectável da capacidade do organismo para manter a homeostase, e não realçam a
suscetibilidade aos efeitos de outras influências ambientais.
Por outro lado, se pode deduzir que os
efeitos adversos são alterações biológicas que:
Ø Ocorrem com uma
exposição intermitente ou continuada e que dão lugar à diminuição da capacidade
funcional ( determinada por parâmetros anatômicos, fisiológicos e bioquímicos
ou de comportamento) ou à uma diminuição da capacidade para compensar tensões
adicionais;
Ø São reversíveis
durante a exposição ou logo cessada esta, quando tais alterações causam
diminuições detectáveis da capacidade do organismo para manter a homeostase; e
Ø Realçam a
suscetibilidade do organismo aos fatores nocivos de outras influências
ambientais.
8)
EFEITOS TÓXICOS
São os efeitos adversos causados por
substâncias químicas. Assim, todo o efeito tóxico é indesejável e nocivo. Mas
nem todos efeitos indesejáveis são tóxicos.
8.1)
Classificação dos efeitos tóxicos
8.1.1)
Efeito idiossincrático
As reações idiossincráticas correspondem às
respostas quantitativamente anormais a certos agentes tóxicos, provocados por
alterações genéticas. O indivíduo pode ter uma resposta adversa com doses
baixas (não tóxicas) ou então ter uma resposta extremamente intensa com doses
mais elevadas. Exemplo: sensibilidade anormal aos nitritos e outros agentes metemoglobinizantes, devido a
deficiência, de origem genética, na NADH-metemoglobina redutase.
8.1.2)
Efeito alérgico
Reações alérgicas ou alergia química são reações adversas que ocorrem
somente após uma prévia sensibilização do organismo ao AT, ou a um produto quimicamente
semelhante.
Na primeira exposição, a substância age como
um hapteno promovendo a formação dos anticorpos, que em 2 ou 3 semanas estão em
concentrações suficientes para produzir reações alérgicas em exposições
subsequentes.
Alguns autores não concordam que as alergias
químicas sejam efeitos tóxicos, já que elas não obedecem ou apresentam uma
relação dose-resposta (elas não são dose dependente). Entretanto, como a
alergia química é um efeito indesejável e adverso ao organismo, pode ser reconhecido
como efeito tóxico.
8.1.3)
Efeito imediato, crônico e retardado
Ø Efeitos Imediatos ou agudos são aqueles que
aparecem imediatamente após uma exposição aguda, ou seja, exposição única ou
que ocorre, no máximo, em 24 horas. Em geral são efeitos intensamente graves.
Ø Efeitos crônicos são aqueles resultantes de uma exposição
crônica, ou seja, exposição a pequenas doses, durante vários meses ou anos. O
efeito crônico pode advir de dois mecanismos:
Ø
(a)
Somatória ou Acúmulo do Agente Tóxico no Organismo: a velocidade de
eliminação é menor que a de absorção, assim ao longo da exposição o AT vai
sendo somado no organismo, até alcançar um nível tóxico.
(b)
Somatória de Efeitos: ocorre quando o dano causado é irreversível e,
portanto, vai sendo aumentado a cada exposição, até atingir um nível
detectável; ou, então, quando o dano é reversível, mas o tempo entre cada
exposição é insuficiente para que o organismo se recupere totalmente.
Ø Efeitos retardados são aqueles que
só ocorrem após um período de latência, mesmo quando já não mais existe a
exposição. Exemplo: efeitos carcinogênicos que têm uma latência a 20-30 anos.
8.1.4)
Efeitos reversíveis e irreversíveis
A manifestação de um ou outro efeito vai
depender, principalmente, da capacidade do tecido lesado em se recuperar.
Assim, lesões hepáticas são geralmente reversíveis, já que este tecido tem
grande capacidade de regeneração, enquanto as lesões no sistema nervoso central
(SNC) são geralmente irreversíveis, uma vez que as células nervosas são pouco
renovadas.
8.1.5)
Efeitos locais e sistêmicos
O efeito local refere-se àquele que ocorre
no local do primeiro contato entre o AT e o organismo. Já o sistêmico exige uma
absorção e distribuição da substância, de modo a atingir o sítio de ação, onde
se encontra o receptor biológico. Existem substâncias que apresentam os dois
tipos de efeitos. (ex.: Benzeno, chumbo tetraetila, etc.).
8.1.6)
Efeitos resultantes da interação de agentes químicos
O termo interação entre substâncias químicas
é utilizado todas as vezes em que uma substância altera o efeito de outra. A
interação pode ocorrer durante a fase de exposição, toxico cinética ou toxico
dinâmica. Como conseqüência destas interações podem resultar diferentes tipos
de efeitos:
Ø Adição: É aquele produzido quando o efeito final de
2 ou mais agentes é quantitativamente é igual à soma dos efeitos produzidos
individualmente.
Ex.: Chumbo e arsênio atuando a nível da
biossíntese do heme (aumento da excreção urinária da coproporfirina).
Ø Sinergismo: Ocorre quando o efeito de 2 ou mais agentes
químicos combinados, é maior do que a soma dos efeitos individuais.
Ex.: A hepatotoxicidade, resultante da
interação entre tetracloreto de carbono e álcool é muito maior do que aquela
produzida pela soma das duas ações em separado, uma vez que o etanol inibi a
biotransformação do solvente clorado.
Ø Potenciação: Ocorre quando um agente tóxico tem seu
efeito aumentado por atuar simultaneamente, com um agente “não tóxico”
Ex.: O isopropanol, que não é hepatotóxico,
aumenta excessivamente a hepatotoxicidade do tetracloreto de carbono.
Ø Antagonismo: Ocorre quando dois agentes químicos
interferem um com a ação do outro, diminuindo o efeito final. É, geralmente, um
efeito desejável em toxicologia, já que o dano resultante (se houver) é menor que
aquele causado pelas substâncias separadamente. Existem vários tipos de
antagonismo:
(a) Antagonismo químico: (também chamado
neutralização) ocorre quando o antagonista reage quimicamente com o agonista,
inativando-o. Este tipo de antagonismo tem um papel muito importante no
tratamento das intoxicações. Ex.: Agentes quelantes como o EDTA, BAL e
penicilamina, que seqüestram metais (As, Hg, Pb, etc.) Diminuindo suas ações
tóxicas.
(b) Antagonismo funcional: ocorre quando dois
agentes produzem efeitos contrários em um mesmo sistema biológico atuando em
receptores diferentes. Ex.: Barbitúricos que diminuem a pressão sangüínea, interagindo com a
norepinefrina, que produz hipertensão.
(c)Antagonismo não competitivo, metabólico ou
farmacocinético: é quando um fármaco altera a cinética do outro no organismo, de modo
que menos AT alcance o sítio de ação ou permaneça menos tempo agindo. Ex.:
Bicarbonato de sódio que aumenta a secreção urinária dos barbitúricos;
fenobarbital que aumenta a biotransformação do tolueno, diminuindo sua ação
tóxica.
(d)Antagonismo competitivo, não metabólico ou
farmacodinâmico: ocorre quando os dois fármacos atuam sobre o mesmo receptor biológico,
um antagonizando o efeito do outro. São os chamados bloqueadores e este
conceito é usado, com vantagens, no tratamento clínico das intoxicações. Ex.:
Naloxone, no tratamento da intoxicação com opiáceos. Atropina no tratamento da
intoxicação por organofosforado ou carbamato.
Avaliação
Toxicológica
Todas as
substâncias químicas são tóxicas em certas condições de exposição. No entanto,
para toda substância deve haver alguma condição de exposição que seja segura no
que se refere à Saúde Humana, com a possível exceção dos agentes carcinogênicos
e mutagênicos. Ou seja, condições de exposição nas quais as substâncias
químicas sejam mantidas abaixo dos níveis máximo permitido. E quando não for
possível definir um limite máximo permitido, deve-se evitar a exposição.
Os dados sobre seres humanos relativos à
toxicidade das substâncias químicas, obviamente são mais pertinentes para
avaliação da segurança que os dados obtidos em animais experimentais.
No entanto, as exposições controladas de
seres humanos à substâncias perigosas ou potencialmente perigosas vêm-se
restringidas por considerações éticas e por isso é necessário confiar na
informação obtida por métodos clínicos e epidemiológicos. Todavia, quando esta
informação não é disponível, como ocorre com substâncias químicas novas,
devem-se obter dados somente mediante os testes de toxicidade realizados com
animais.
O grau de confiabilidade com o qual pode-se
estimar os riscos para saúde humana baseado nos testes de toxicidade em animais
depende da qualidade dos dados, assim como da quantidade e tipos dos testes
realizados.
1)
Conceito
A avaliação toxicológica compreende a
análise de dados toxicológicos de uma substância química com o objetivo de
classificá-la em categorias toxicológicas, e ao mesmo tempo, fornecer
informações à respeito da forma correta e segura de uso, bem como medidas de
prevenção e tratamento.
2) Prioridades
na seleção de substâncias que se submeterão aos testes toxicológicos
A princípio, todas as substâncias químicas
novas devem se submeter a uma avaliação de seguridade antes de sua fabricação e
venda. Entretanto, devido ao grande número de substâncias químicas que se
representa um possível perigo para a saúde humana e a limitação de recursos é
necessário dar prioridade à aquelas que são diretamente consumidas pelo homem,
como fármacos, os aditivos alimentares e as que se utilizam amplamente como
praguicidas ou produtos domissanitários.
As substâncias químicas industriais que
podem estar presentes no meio ambiente geral ou do trabalho ou contaminar
outros produtos representam outra categoria de problemas.
A máxima prioridade deve corresponder aos
compostos de presumida toxicidade elevada, aguda, crônica ou diferenciada (como
a carcinogenicidade) ou de maior persistência no meio ambiente. Isto se aplica
também aos compostos que inibem a a desativação metabólica de substâncias químicas,
pois podem constituir uma forma mais insidiosa de toxicidade.
As substâncias químicas resistentes ao
metabolismo, em especial ao metabolismo pela microflora, terão uma elevada
persistência ambiental. Muitos compostos halogenados se encontram nesta categoria
e, em consequência, deverão Ter algum grau de prioridade. Também interessam os
compostos que se acumulam nas cadeias alimentares que se depositam no
organismo, por exemplo, o metilmercúrio e o DDT.
Em suma os critérios essenciais para
determinação da prioridade para seleção das substâncias químicas que se
colocará à prova são os seguintes:
Ø indicação ou
suspeita de perigo para a saúde humana e tipo de gravidade dos efeitos
potenciais à saúde.
Ø grau provável de
produção e emprego
Ø potencial de persistência
no meio ambiente
Ø potencial de
acumulação na e no meio ambiente, e
Ø tipo e magnitude
das populações que estarão expostas
A substância química de primeira prioridade
para as provas será aquela que se classifique em lugar destacado em virtude de
todos estes critérios ou de sua maioria.
3) Alcance
que devem ter os testes de toxicidade
O alcance das provas de toxicidade
necessárias (ou requeridas) dependerá de algumas considerações. Como primeiro
passo poderá ser útil realizar uma estimativa aproximada de toxicidade com base
na estrutura química e nas propriedades físico-químicas da substâncias e as
correlações conhecidas destas variáveis com a atividade biológica. Estas
considerações serão úteis para adotar decisões a respeito das medidas de segurança
durante os trabalhos de laboratório.
A avaliação preliminar de toxicidade deverá
começar quando sintetizam as substâncias químicas na fase de Laboratório de
Desenvolvimento de um processo industrial. A avaliação completa das substâncias
químicas em questão, tanto a respeito da exposição profissional como da
exposição da população geral, e a avaliação de possível contaminação de água,
ou dos alimentos, deverão iniciar mais tarde, quando já tem-se resolvido levar
adiante a produção. Ou seja, no caso de medicamento, os testes toxicológicos
são realizados após as triagens farmacológicas, uma vez comprovados seus
efeitos terapêuticos.
Os dados de toxicidade obtidos durante as
etapas de desenvolvimento de um processo tecnológico podem ser fontes de dados a
respeito dos perigos sobre a saúde, não somente das matérias primas, mas também
de outras substâncias utilizadas ou produzidas, como produtos intermediários,
no processo tecnológico. Além disso, a avaliação toxicológica pode facilitar a
seleção de um processo tecnológico substutivo que seja menos nocivo para a
saúde.
Na definição de normas ambientais e
sanitárias e necessário dar preferência ‘as substâncias químicas que manifestem
um grau significativo de toxicidade e constituem um perigo de saúde, as quais
serão utilizadas amplamente na Indústria, na agricultura e os produtos de
consumo. É importante considerar que, as mudanças e aevolução dos processos
industriais, a formulação de novas substâncias químicas e as modificações no
emprego das substâncias químicas conhecidas podem propor novos e maiores
perigos. E isso requer uma constante reavaliação das prioridades.
4)
RELAÇÃO DOSE-EFEITO E RELAÇÃO DOSE-RESPOSTA
Os estudos das alterações causadas pelas
substâncias químicas tem por objetivo estabelecer as relações dose-efeito e
dose-resposta que fundamentam todas as considerações toxicológicas necessárias
para avaliação do risco à saúde.
Os estudos relativos à exposição química
objetivando medidas de prevenção dos efeitos nocivos à saúde é necessário existir
disponível uma medida quantitativa da relação entre a magnitude da exposição ao
agente químico e o tipo e grau de resposta numa população exposta a esse
agente.
É somente com base nessa relação que se
pode, seguramente, permitir uma dose tolerável do agente nocivo, em algum nível
acima do zero, de tal modo que uma fração significativa do grupo exposto não
experimente um indesejável efeito sobre a saúde
Para uma melhor compreensão da diferença
entre os dois tipos de relações, torna-se necessário conceituar dose, efeito e
resposta.
A expressão Dose se emprega para especificar a quantidade de uma substância
química administrada, a qual pode não ser idêntica à dose absorvida. Nas
exposições ambientais pode-se estimar a dose com base na medição das concentrações
ambientais em função do tempo.
E a dose nos órgãos e tecidos que
interessam, pode-se estimar com base na quantidade administrada ou ingerida; ou
na medida da concentração em amostras biológicas. A informação para estimar a
dose nos tecidos ou órgãos requer dimensionar os processos de absorção ,
distribuição, armazenamento, biotransformação e excreção da substância química
ou seus metabólitos, em função do tempo.
Quando a ação tóxica se manifesta no local
de introdução ou muito próximo deste ( por exemplo, a pele ) a estimativa da
dose no tecido pode ser muito confiável. Entretanto, quando a ação tóxica se
manifesta em algum outro sítio distante do primeiro contato ( por exemplo
células hepáticas ), a estimativa da dose toxicologicamente significativa é
menos confiável.
Os termos Efeito e Resposta, muitas
vezes podem ser usados como sinônimos para denominar uma alteração biológica,
num indivíduo ou numa população em relação à uma exposição ou dose. Contudo, na
Toxicologia se diferenciam, utilizando o termo “efeito” para denominar uma
alteração biológica e o termo “resposta” para indicar a proporção de uma
população que manifesta um efeito definido.
Segundo esta terminologia, a resposta é a
taxa de incidência de um efeito.
Por exemplo, se pode dizer que o valor de DL50
é a dose que causará uma resposta de 50% em uma população em que se estuda o
efeito letal de uma substância química.
Alguns efeitos podem ser medidos em uma
escala graduada de intensidade ou gravidade, relacionando sua magnitude
diretamente com a dose e por isso são denominados Efeitos Graduados.
Certos efeitos, no entanto, não permitem
gradação e se podem expressar somente dizendo que estão “presentes” ou
“ausentes”. Estes efeitos se denominam Efeitos Quânticos, como por exemplo, a
morte ou ocorrência de um tumor.
CURVAS DOSE-RESPOSTA DE DUAS SUBSTÂNCIAS
QUÍMICAS
A inclinação da reta pode
predizer o perigo de uma substância tóxica, uma vez que ela representa a
distância existente entre a dose tóxica mínima e a dose tóxica máxima. Quanto
menor esta distância, mais perigosa é a substância e por isso menor a segurança
no seu manuseio.
O índice terapêutico (IT) é calculado pela relação:
DL50
IT
=
DE50
Onde: DL50 é a dose letal
para 50% da população analisada e
DE50 é a dose efetiva para 50% da
mesma população.
Quanto maior o IT maior a segurança da substância. A desvantagem deste índice é que para calculá-lo, utiliza-se as doses médias e elas não representam, significativamente, as relações dose-resposta, como demonstrado na Figura 4. Sempre que possível é indicado um outro parâmetro que expressa segurança, qual seja a Margem de Segurança.
A margem de segurança (MS) é calculada pela relação:
DL1
MS
=
DE99
Onde: DL1 é a dose letal
para 1% da população estudada e
DE99 é a dose efetiva para 99% da
mesma população.
5) Tipos de Testes de Toxicidade
Após o “episódio” da Talidomida (epidemia de
má formação congênita, 1959-1961, em crianças cujas respectivas mães haviam
feito uso da talidomida no início da gravidez), as Instituições Governamentais,
em diversos países,exigiram um maior rigor na realização dos testes toxicológicos
objetivando acabar ou minimizar a ocorrência das chamadas reações adversas aos
medicamentos.
Não se tratando de medicamento, estes testes
devem ser realizados para cada substância química produzida e comercializada,
de acordo com os critérios já vistos anteriormente. Os tipos de testes a serem
realizados, podem variar de um país para outro, no entanto devem considerar os
principais critérios de avaliação de toxicidade:
Ø exame
anato-patológico (aspectos macro e microscópico)
Ø peso dos órgãos
Ø crescimento do
animal
Ø exames
fisiológicos
Ø exames bioquímicos
Ø estudos do
comportamento
Ø efeito sobre a
fertilidade e feto
Ø DE50 e
DL50
Ø CE50 e
CL50
No Brasil, a Resolução 1/78 (D.O. 17/10/78)
do Conselho Nacional de Saúde, estabelece 5 tipos de ensaios de toxicidade: Aguda,
Sub-aguda, Crônica, teratogênicidade, embriotoxicidade e estudos especiais (
estudos de comportamento, carcinogênicidade e outros)
5.1)
Teste de toxicidade aguda
Este
estudo é caracterizado pela administração ou exposição da substância química numa
dose única (ou múltipla num espaço de 24 horas), utilizando pelo menos duas
espécies. A DL50 (e CL50) é a prova mais comum de
toxicidade aguda.
Os principais objetivos deste estudo são:
Ø avaliar a
toxicidade intrínseca do Agente Toxico ou Substância Química.
Ø avaliar a
suscetibilidade das espécies
Ø identificar órgãos
alvo
Ø promover
informações para o delineamento e seleção dos níveis de dose para estudo mais
prolongados (toxicidade crônica)
5.2)
Testes de toxicidade sub-crônica
O tempo de
exposição deste estudo é de 1 a 3 meses. É usado 3 doses experimentais (mínima,
intermediária e máxima). Sendo que a dose máxima não deve produzir um índice de
letalidade acima de 10% ( para que não inviabilize as avaliações histopatógicas
e bioquímicas).
Os principais objetivos deste estudo são:
Ø determinar a dose
de nenhum efeito observado – DNEO (que significa a dose máxima na qual não se
observa efeito).
Ø estudar mais
efetivamente órgãos alvos e determinar aqueles com mais suscetibilidade.
Ø prover dados sobre
dosagens seletivas para estudo de toxicidade crônica.
5.3)
Teste de Toxicidade Crônica
Este estudo é semelhante ao sub-crônico,
porém o período de exposição é de 2 anos ou quase toda a vida do anima. Como no
teste anterior, este também não procura letalidade e utiliza 3 níveis de dose
pela via de administração segundo a via de uso prescrita.
O protocolo experimental compreende as
observações e alterações especificadas no estudo de toxicidade sub-crônica e
outros parâmetros bioquímicos que permitem uma melhor avaliação de todos os
órgãos e funções, principalmente função renal e hepática.
Os principais objetivos deste estudo são:
Ø verificar níveis
máximos de dose das substâncias que não produzem efeitos discerníveis de doença
quando administrados durante a maior parte da vida do animal.
Ø verificar os
efeitos tóxicos que não são resultados dos estudos de toxicidade sub-crônica
Ø procura-se
determinar o mecanismo de ação tóxica das substâncias químicas.
5.4) Teste de Carcinogenicidade:
As evidências primárias que podem apontar o
potencial carcinogênico das substâncias químicas são de origem epidemiológica
ou experimental em roedores. Esses efeitos devem ser observados em pelo menos,
duas espécies de animais de laboratório, com uma duração máxima de 130 semanas
em ratos, 120 semanas em camundongos e 130 semanas em hamsters.
São utilizadas, no mínimo, 2 doses da
substância. A maior dose é a dose máxima tolerada (DMT), definida como sendo
aquela que não provoca no animal uma perda de peso superior a 10% e não induz mortalidade
ou sinais clínicos de toxicidade. A menor dose corresponde à metade da DMT.
Cada grupo experimental é constituído de, pelo menos, 50 animais. Todos animais
utilizados no experimento são submetidos à necropsia completa.
A
avaliação final do risco de carcinogenicidade para o homem, além das evidências
primárias, é obtida pela execução de testes de curta duração (evidências
secundárias). Estes testes podem ser agrupados em 3 categorias gerais:
Ø Testes que
detectam lesão do DNA, incluindo o estudo da formação de ligações entre o DNA e
os produtos ativos formados na biotransformação do agente tóxico, quebra de
fitas, indução de profagos e reparo do DNA
Ø Testes
que evidenciam alterações dos produtos gênicos ou das funções celulares
Ø Testes que avaliam
alterações cromossômicas.
A
evidência de carcinogenicidade é considerada limitada nas seguintes situações:
-
números reduzidos de experimentos
-
impropriedade de dose e vias de administração
-
emprego de uma única espécie animal
-
duração imprópria do experimento;
-
número reduzido de animais e
-
dificuldade em diferenciar as neoplasias malignas e
benignas.
A
evidência inadequada é indicada nas seguintes situações:
-
a não exclusão do acaso nos estudos realizados;
-
a existência de vícios no delineamento experimental;
-
a existência de outros estudos que demonstrem a
ausência de carcinogenicidade.
5.5)
Teste de Mutagenicidade
Os efeitos mutagênicos das substâncias
químicas podem ser avaliados através de ensaios como microorganismos e em
organismos superiores, inclusive o homem. Os ensaios com microorganismos,
realizados "in vitro", são indicados na triagem rotineira dos agentes
tóxicos. Os ensaios com microorganismos avaliam basicamente o dano provocado ao
DNA pela substância química estudada ou seu produto de biotransformação
No estudo do potencial mutagênico de um
composto, os ensaios com animais de laboratório oferecem grandes vantagens,
especialmente a de reproduzir as condições de exposição do homem. Nestes
ensaios, as alterações cromossômicas são identificadas na medula óssea do fêmur
de ratos e camundongos expostos experimentalmente ao agente tóxico.
5.6)
Teste de Teratogenicidade
A avaliação do efeito teratogênico de um
composto químico, através de métodos experimentais em animais de laboratório é
executada num complexo protocolo envolvendo 3 fases distintas.
A primeira fase tem por objetivo avaliar o
potencial tóxico do composto químico sobre a fertilidade e o desempenho
reprodutivo. Compreende o tratamento dos animais, machos e fêmeas, durante um
período de no mínimo 60 dias antes do acasalamento e, depois, para as fêmeas
durante a gestação e lactação.
Ao meio termo da gravidez procede-se o
sacrifício da metade doas animais do grupo experimental para a constatação de
anormalidades uterinas. Ao final, são observados o número, sexo, peso corpóreo
e anormalidades externas em todos os filhotes.
Na segunda fase, as informações são obtidas
a partir da administração de doses diárias da substância química na dieta de
animais fêmeas grávidas no período da organogênese. Neste estudo é feita uma
avaliação minuciosa e detalhada da mão e filhotes.
Os estudos da terceira fase avaliam os
efeitos as substância sobre o desenvolvimento peri e pós natal. A administração
da substância química é feita durante o período que compreende o último terço
da gestação até o desmame. Neste estudo é avaliado o desenvolvimento somático,
neromotor, sensorial e comportamento da prole.
5.7)
Testes comportamentais
Devido uma maior preocupação da população
relacionada os efeitos neurocomportamentais e os poluentes ambientais, o
desenvolvimento de testes comportamentais em animais de laboratórios têm alcançado maior relevância.
Temos o exemplo do chumbo, que foi proibido
sua adição na gasolina não pela incidência de encefalopatias e sim pelos
estudos no comportamento.
Atualmente 25% dos limites de segurança para
substâncias químicas derivam de estudos no comportamento.
5.8)
Estudos observados no homem
São estudos que se realizam com o devido
respeito pelos direitos da dignidade humana e submetidos a códigos de ética
específicos estabelecidos por organizações nacionais e internacionais.
EX: O instrumento internacional relativo a
essa questão é a Declaração de Helsinki e o artigo 7 do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos adotados pela Assembléia Geral da ONU em 1966
Estes estudos geralmente estão relacionados
à uma simulação de exposição ocupacional à agentes químicos, ou mesmo um estudo
clínico desta exposição.
Bibliografia
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