sexta-feira, 10 de julho de 2015

TOXICOLOGIA GERAL CONCEITOS BÁSICOS PARTE 2

TOXICOLOGIA GERAL
CONCEITOS BÁSICOS PARTE 2

DEPTO. ANÁLISES CLÍNICAS E TOXICOLÓGICAS
FACULDADE DE FARMÁCIA
UNIVERSIDADE   FEDERAL  DE  MINAS  GERAIS

 

Profa. Edna Maria Alvarez Leite, Profa. Leiliane Coelho André Amorim

 6) Extrapolação dos dados toxicológicos

Os testes toxicológicos que utilizam animais de laboratório são realizados em condições rigorosamente padronizadas visando estabelecer os possíveis efeitos tóxicos das substâncias em humanos a partir da extrapolação dos dados encontrados.

A finalidade dos Testes Toxicológicos é portanto fornecer dados que possam ser utilizados para avaliação do risco no uso da substância química para o homem e estabelecer Limites de Segurança para a exposição química.
           
Em muitos casos os estudos com animais permitem prognosticar os efeitos tóxicos das substâncias químicas no homem. Contudo, é importante compreender que os modelos de animais experimentais apresentam limitações e que a exatidão e fidedignidade de uma predição quantitativa de toxicidade no homem dependem de certas condições, como a espécie de animal escolhida, o desenho dos experimentos e os métodos de extrapolação dos dados de animais ao homem.
           
O problema mais difícil na extrapolação dos dados de animais para o homem é a conversão de uma espécie a outra. Para a maior parte das substâncias químicas a patogênese da intoxicação é idêntica no homem e outros mamíferos, razão pela qual os sinais de intoxicação também são iguais. Consequentemente, são mais comuns as diferenças quantitativas na resposta tóxica do que as qualitativas.
           
Embora o homem possa ser mais sensível que certos animais de laboratório, também há muitos casos nos quais algumas espécies de animais são mais sensíveis que o homem. Por exemplo, o rato é mais sensível à atropina, já o cão tolera a atropina em dose 100 vezes superior a dose letal para o homem. Entretanto o cão é mais sensível que o homem ao ácido cianídrico.
           
Para estabelecer um limite de exposição para as substâncias químicas a partir de dados experimentais em animais utiliza-se um fator de segurança (FS), afim de resolver as incertezas da extrapolação.

O qual é estabelecido a partir da fórmula:

                                   LT = DNEO
                                                                       FS

            Em geral, a magnitude do fator de segurança dependerá:

Ø  natureza do efeito tóxico
Ø  tipo e tamanho da população exposta
Ø  quantidade e qualidade dos dados toxicológicos

Um fator de 2 a 5 ou menos pode-se considerar suficiente quando o efeito contra o qual se protege aos indivíduos ou à uma população não se considera muito grave, quando somente um pequeno grupo de trabalhadores está sujeito à uma exposição provável e quando a informação toxicológica se deriva de dados humanos.

Por outro lado, pode ser necessário recorrer a um fator de seguridade de 1000, ou mais quando o possível efeito é muito grave, quando tem que proteger uma população em geral e quando os dados toxicológicos se derivam de experimentos limitados com animais de laboratório.
           
Em relação à maior parte dos aditivos alimentares que não se consideram carcinogênicos, aceita-se dividir o DNEO em animais por 100, afim de determinar a Ingetão Diária Aceitável (IDA) no homen. Nos casos dos praguicidas e certas substâncias químicas ambientais se utilizam fatores de segurança que vão de menos de 100 a mais de 1000. Nos casos de algumas exposições ocupacionais e certos contaminantes ambientais são propostos fatores de segurança muito pequenos, como 2 a 5. Também são propostos fatores de segurança para as substâncias carcinogênicas que vão de 100 a 5000.

Fases da Intoxicação

 

Desde o momento em que o agente químico entra em contato com o agente biológico, até o momento em que a intoxicação é visualizada através dos sinais e sintomas clínicos, ocorrem uma serie de etapas metabólicas que compõem a chamada Fases da Intoxicação que são quatro:

 

·      Fase de Exposição,

·      Fase Toxicocinética

·      Fase Toxicodinâmica

·      Fase Clínica

           

É essencial lembrar que:

 

Þ  Mais do que da dose administrada, a resposta é função da concentração do AT que interage com o receptor biológico; e que, a concentração do AT no sítio de ação é dependente das duas primeiras fases da intoxicação.

 

1) Fase de Exposição

             Exposição é a medida do contato entre o AT e a superfície corpórea do organismo e sua intensidade depende de fatores, tais como:

Ø  Via ou local de exposição

             As principais vias de exposição, através das quais os AT são introduzidos no organismo são:

             - via gastrintestinal (ingestão)

            - via pulmonar (inalação)

            - via cutânea (contato)

           Embora não tão importante para a Toxicologia como estas três, existe também a via parenteral. A via de introdução influi tanto na potência quanto na velocidade de aparecimento do efeito tóxico. A ordem decrescente de eficiência destas vias é: via endovenosa > pulmonar > intraperitoneal > subcutânea > intra muscular > intra-dérmica > oral, cutânea.

           Estas vias ganham maior ou menor importância, de acordo com a área da Toxicologia em estudo. Assim, a via pulmonar e a cutânea são as mais importantes na Toxicologia Ambiental e Ocupacional, a via gastrointestinal na Toxicologia de Alimentos, de Medicamentos, em casos de suicídios e homicídios, e a via parenteral tem certa importância na Toxicologia Social e de Medicamentos (Farmacotoxicologia).

 Ø  Duração e freqüência da exposição         

A duração de uma exposição é importante na determinação do efeito tóxico, assim como na intensidade destes. Geralmente a exposição pode ser classificada, quanto à duração em:

            -  exposição aguda: exposição única ou múltipla que ocorra em um período máximo de 24 horas

            - exposição subaguda: aquela que ocorre durante algumas semanas (1 mês ou mais)

            - exposição sub-crônica: aquela que ocorre durante alguns meses (geralmente por 3 meses)

            - exposição crônica: ocorre durante toda a vida.            

Quanto à frequência da exposição observa-se que, geralmente, doses ou concentrações fracionadas podem reduzem o efeito tóxico, caso a duração da exposição não seja aumentada. Assim, uma dose única de um agente que produz efeito imediato e severo, poderá produzir menos do que a metade ou nenhum efeito, quando dividida em duas ou mais doses, administradas durante um período de várias horas ou dias. No entanto, é importante ressaltar que a redução do efeito provocado pelo aumento de freqüência (ou seja, do fracionamento da dose) só ocorrerá quando:  

            - a velocidade de eliminação é maior do que a de absorção, de modo que os processos de biotransformação e/ou excreção ocorram no espaço entre duas exposições;

            - o efeito tóxico pela substância é parcial ou totalmente revertido antes da exposição seguinte.           

Se nenhuma destas situações ocorrerem, o aumento de freqüência resultará em efeitos tóxicos crônicos. 

2) Fase  Toxicocinética 

            Nesta fase tem-se a ação do organismo sobre o agente tóxico, procurando diminuir ou impedir a ação nociva da substância sobre ele. É de grande importância, porque dela resulta a quantidade de AT disponível para reagir com o receptor biológico e, consequentemente, exercer a ação tóxica. 

            A fase toxicocinética é constituída dos seguintes processos: 

            - absorção

            - distribuição

            - eliminação:  biotransformação e  excreção           

Pode-se notar que nesta fase o agente tóxico deverá se movimentar pelo organismo e para tal terá que, freqüentemente, transpor membranas biológicas. Assim, é muito importante o conhecimento dos fatores que influem no transporte das substâncias químicas pelas membranas. 

2.1) Fatores que influem no transporte por membranas 

            Estes fatores podem ser agrupados em duas classes distintas:

 Ø  Fatores relacionados com a membrana

Ø   

           - Estrutura da membrana

            - Espessura da membrana

            - Área da membrana

           Destes 3 fatores, destaca-se a estrutura da membrana. Sabe-se que a membrana biológica é constituída de camada lipídica bimolecular, contendo em ambos os lados, moléculas de proteínas que penetram e às vezes transpõem esta camada. 

Os ácidos graxos presentes na camada lipídica não possuem uma estrutura cristalina rígida, ao contrário, na temperatura fisiológica eles tem características quase fluídas. Portanto, o caráter fluído das membranas (e portanto sua permeabilidade) é determinado principalmente pela estrutura e proporção relativa de ácidos graxos insaturados presentes na região. Este modelo denominado de “mosaico fluído”, foi proposto por SINGER & NICOLSON em 1972 e é o mais aceito atualmente. 

Ø  Fatores relacionados com a substância química

Lipossolubilidade: 

Devido à constituição lipoprotéica das membranas biológicas, as substâncias químicas lipossolúveis, ou seja, apolares, terão capacidade de transpo-la facilmente, pelo processo de difusão passiva. Já as substâncias hidrossolúveis não transporão estas membranas, a não ser que tenham pequeno tamanho molecular e possam ser filtradas, através dos poros aquosos. 

Coeficiente de partição óleo/água:           

É o parâmetro que permite avaliar o grau de lipossolubilidade das substâncias químicas. Este coeficiente é obtido ao se agitar um agente químico em uma mistura de solvente orgânico e água (em condições de pH e temperatura controladas). As substâncias polares, hidrossolúveis, se concentram na fase aquosa e as apolares, lipossolúveis, na fase orgânica. Quanto maior for a concentração da substância na fase orgânica, maior será a sua lipossolubilidade. Ex.: coeficiente de partição n-octanol/água a 37o C e pH 7,4 de algumas substâncias: 

*      clorpromazina = 79,7;

*      AAS = 11,7;

*      paracetamol = 1,79. 

Grau de ionização ou de dissociação:           

A maioria dos agentes tóxicos são ácidos fracos ou bases fracas que possuem um ou mais grupos funcionais capazes de se ionizarem. A extensão desta ionização dependerá do pH do meio em que a substância está presente e do seu próprio pKa. É importante relembrar que a forma ionizada é polar, hidrossolúvel e com pouca ou nenhuma capacidade de transpor membranas por difusão passiva. O grau de ionização das substâncias, em diferentes pH, poderá ser obtido através da aplicação da fórmula de Henderson-Hasselbach, para ácidos fracos e bases fracas.

 

Ácidos:

                                                                                     [HA]

 HA          H+  +  A-  ® pKa = pH + log  ¾¾¾¾¾    assim,

                                                                 [H+][A-]

               [HA]

          ¾¾¾¾  =  10 pKa-pH

           [H+][A-]

 

 Bases:

                                                                                                  [RNH3+]   

R - NH3+          RNH2 + H+  ®  pKa = pH + log  ¾¾¾¾¾¾    assim,

                                                                                                  [RNH2]

 

              [ RNH3+]

          ¾¾¾¾¾-  =  10 pKa - pH

           [ RNH2]

 

             Quando o pH do meio é igual ao pKa de um composto, a metade deste estará na forma ionizada e a outra metade na forma não-ionizada. Importante ressaltar que o pKa sozinho não indica se um composto tem caráter ácido ou básico, já que os ácidos fracos tem pKa elevado, mas as bases fortes também o tem. Da mesma maneira os ácidos fortes tem pKa baixo assim como as bases fracas.

 2.2) Absorção

             É a passagem do AT do meio externo para o meio interno, atravessando membranas biológicas. O meio externo na absorção pode ser o estômago, os alvéolos, o intestino, ou seja, dentro do organismo, mas fora do sangue. Existem três tipos de absorção mais importantes para a Toxicologia. 

2.2.1) Absorção pelo trato gastrintestinal (TGI) ou Oral

             Uma vez no TGI, um agente tóxico poderá sofrer absorção desde a boca até o reto, geralmente pelo processo de difusão passiva. São poucas as substâncias que sofrem a absorção na mucosa bucal, principalmente porque o tempo de contato é pequeno no local. Estudos feitos experimentalmente, no entanto, mostram que cocaína, estricnina, atropina e vários opióides podem sofrer absorção na mucosa bucal. Esta absorção é dependente, principalmente, do coeficiente de partição óleo/água (quanto maior este coeficiente mais fácil a absorção) e resulta em níveis sangüíneos elevados, já que as substâncias não sofrerão a ação dos sucos gastrintestinais.

           Não sendo absorvido na mucosa bucal, o AT tenderá a sofrer absorção na parte do TGI onde existir a maior quantidade de sua forma não-ionizada (lipossolúvel). Para se conhecer a fração de AT não ionizado, ou aquela apta a sofrer absorção por difusão passiva,  é importante a utilização da fórmula de Handerson-Hasselbach. De maneira geral, os ácidos fracos não se ionizam em meio ácido, como o do estômago, sendo assim absorvidos na mucosa gástrica, enquanto as bases fracas por não se ionizarem no pH intestinal, serão absorvidas no local. Exemplo: salicilatos e barbitúricos são absorvidos, principalmente, no estômago e aminopirina, quinina, anilina, serão absorvidos no intestino.

           Embora a grande maioria dos AT sofram absorção no TGI por difusão passiva, existem alguns que serão absorvidos por processo especial, mais precisamente por transporte ativo. Exemplo: o chumbo é absorvido por transporte ativo e utiliza o sistema que transporta o cálcio; o tálio é transportado pelo sistema carregador responsável pela absorção de Fe, etc.

 Ø  Fatores que influem na absorção pelo TGI

           Além das propriedades físico-químicas dos AT, outros fatores poderão influir na absorção:

 ·      administração de EDTA: parece que este quelante altera a permeabilidade da membrana, por seqüestrar o cálcio presente na sua estrutura, facilitando assim, de maneira inespecífica, a absorção de ácidos, bases e substâncias neutras. Existe sempre entretanto, no caso da ingestão de minerais, a possibilidade do EDTA quelar o AT, o que resultaria em uma menor absorção do mesmo

·      conteúdo estomacal: a absorção será favorecida se o estômago estiver vazio, devido ao maior contato do AT com a mucosa.

·      secreções gastrintestinais, sua concentração enzimática, e sua acidez: estes sucos digestivos, seja por sua acidez iônica, seja por ação enzimática, podem provocar mudanças na atividade ou na estrutura química do agente, alterando assim a velocidade de absorção. Ex.: sabe-se que o pH estomacal das crianças não é tão ácido como o dos adultos. Isto implica em um desenvolvimento maior de microorganismos, principalmente Encherichia coli, microorganismo que reduz, no estômago, o nitrato à nitrito. Como as crianças possuem dietas ricas em nitratos, estes serão reduzidos a nitritos que são rapidamente absorvidos pela mucosa estomacal, causando, então, metemoglobinemia.

·      mobilidade intestinal: o aumento da mobilidade intestinal diminuirá o tempo de contato do agente tóxico com a mucosa e, consequentemente, a absorção neste local.

·      efeito de primeira passagem pelo fígado: as substâncias absorvidas no TGI entram na circulação porta e passam pelo fígado, podendo ser biotransformadas de maneira mais ou menos intensa. Através da secreção biliar serão excretadas no intestino, donde serão reabsorvidas ou excretadas pelas fezes. É o também chamado de ciclo entero-hepático. Este efeito pode ser responsável pela menor biodisponibilidade de algumas substâncias, quando estes são administradas por via oral.

 Tabela 1: Diferenças fisiológicas entre homens e mulheres que podem afetar a absorção de agentes tóxicos pelo TGI 

Parâmetro

 

Diferença fisiológica

Diferença

na absorção

 

pH suco gástrico

 

 

gestante>mulher>homem

 

altera absorção oral

 

motilidade intestinal

 

 

< nas gestantes

 

> absorção

 

esvaziamento gástrico

 

 

prolongado nas gestantes

 

> absorção

             Alguns dos fatores que influem na absorção pelo TGI podem variar de  acordo com o sexo e, no sexo feminino, entre as gestantes e não gestantes. Este fato é importante na avaliação da intensidade de absorção de xenobióticos por essa via. A tabela 1 mostra as principais diferenças fisiológicas existentes entre homens e mulheres, gestantes e não gestantes, que podem influenciar a absorção pelo TGI.

 2.2.2) Absorção Cutânea

             A pele íntegra é uma barreira efetiva contra a penetração de substâncias químicas exógenas. No entanto, alguns xenobióticos podem sofrer absorção cutânea, dependendo de fatores tais como a anatomia e as propriedades fisiológicas da pele e propriedades físico-químicas dos agentes.

          A pele é formada por duas camadas, a saber: epiderme e derme. A epiderme, que é a camada mais externa da pele é constituída por cinco regiões distintas:

região córnea: possui duas sub-camadas, o extrato córneo descontínuo (mais superficial) e o extrato córneo contínuo.

 Esta região é constituída de células biologicamente inativas, que são continuamente renovadas (geralmente a cada 2 semanas no adulto), sendo substituídas por células provenientes das regiões mais profundas da epiderme.

 Durante esta migração para a superfície, as células sofrem um processo de desidratação e de polimerização do material intracelular, que resulta na queratinização celular, ou seja, na formação de proteína filamentosa denominada queratina.

 região gordurosa: é constituída de lípides provenientes, principalmente, da ruptura de lipoproteínas durante o processo de queratinização.

 região lúcida: constituída de células vivas em fase inicial de queratinização.

 região germinativa: local onde ocorre a formação das células da epiderme e também da melanina.

             Na derme, que é formada por tecido conjuntivo, pode-se observar a presença de vasos sangüíneos, nervos, folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas. Estes três últimos elementos da derme permitem o contato direto com o meio externo, embora não existem dados que demonstrem haver absorção através das glândulas citadas.

           As substâncias químicas podem ser absorvidas, principalmente, através das células epidérmicas ou folículos pilosos:

 Ø  Absorção transepidérmica:

 A absorção dos agentes químicos pela pele tem sua velocidade limitada pela região córnea da epiderme, mais precisamente pelo extrato córneo contínuo. As substâncias lipossolúveis penetram por difusão passiva através dos lípides existentes entre os filamentos de queratina, sendo a velocidade desta absorção indiretamente proporcional à viscosidade e volatilidade do agente. Já as substâncias polares, de baixo peso molecular, penetram através da superfície externa do filamento de queratina, no extrato hidratado. A absorção transepidérmica é o tipo de absorção cutânea mais freqüente, devido ao elevado número de células epidérmicas existente, embora não seja uma penetração muito fácil para os AT.

 Ø  Absorção transfolicular:

 O número de folículos pilosos varia de 40 a 800 por cm2, o que representa apenas 0,1 a 1% da superfície total da pele. Sendo assim, esta absorção não é tão significativa quanto a transepidérmica. Algumas substâncias químicas podem penetrar pelos folículos pilosos, alcançando rapidamente a derme. É uma penetração fácil para os agentes químicos, uma vez que eles não necessitam cruzar a região córnea. Qualquer tipo de substância química, seja ela lipo ou hidrossolúvel, ionizada ou não, gás ou vapor, ácida ou básica, pode penetrar pelos folículos. É uma absorção também importante para alguns metais.

 Ø  Fatores que influem na absorção cutânea

             São vários os fatores que podem influir na absorção através da pele. Geralmente eles são agrupados em quatro classes diferentes:

 ·      Fatores ligados ao organismo:

 Þ  Superfície corpórea: a superfície corpórea total no homem é maior do que na mulher (média de 1,70 a 1,77 m2 no  homem e de 1,64 a 1,73 m2 na mulher). Este fato pode aumentar a absorção transepidérmica no homem (maior superfície de contato com o xenobiótico).

Þ  Volume total de água corpórea: Quanto maior o volume aquoso corpóreo, maior a hidratação da pele e consequentemente, a absorção pela pele. Quando comparado à mulher, o homem possui maior volume aquoso total, extra e intracelular o que favoreceria a absorção cutânea. Este fato deve ser considerado, também, quando se compara mulheres grávidas e não grávidas. As gestantes apresentam maior volume aquoso corpóreo e, em conseqüência, maior hidratação do extrato córneo. Isto possibilita maior absorção cutânea de xenobióticos.

Þ  Abrasão da pele: com a descontinuidade da pele, a penetração torna-se fácil;

Þ  Fluxo sangüíneo através da peIe: estudos demonstram que, em média, 5% do sangue bombeado pelo coração passa pela pele, em um fluxo em torno de 120 mL/kg/min. Inflamação ou fatores que levam à hiperemia aumentarão a absorção cutânea. Um fato a ser considerado é a gravidez. Durante a gestação ocorre alterações significativas no fluxo sangüíneo das mãos (aumentam 6 vezes) e pés (aumentam 2 vezes). Esse aumento no fluxo sangüíneo poderá influir na absorção cutânea de xenobióticos nas gestantes expostas. Não foi detectada diferença entre o fluxo sangüíneo cutâneo de homens e mulheres não gestantes. Um fator a ser considerado é a vascularização das áreas expostas, uma vez que, quanto mais vascularizada a região, maior o fluxo sangüíneo no local.

Þ  Queimaduras químicas e/ou térmicas: apenas as leves ou moderadas, já que as severas destroem totalmente o tecido, formando uma crosta de difícil penetração;

Þ  Pilosidade: nas áreas em que existem pêlos, a absorção cutânea pode ser 3,5 a 13 vezes maior do que nas regiões glabras;

 ·         Fatores ligados ao agente químico:

 Þ  Volatilidade e viscosidade;

Þ  Grau de ionização;

Þ  Tamanho molecular.

 ·         Fatores ligados à presença de outras substâncias na pele:

 Þ  Vasoconstritores: estes vão reduzir a absorção cutânea, devido à diminuição da circulação sangüínea.

Þ  Veículos: podem auxiliar na absorção, mas não promovem a penetração de substâncias que, normalmente, não seriam absorvidas pela pele íntegra. Alguns veículos podem, também, absorver o ar de dentro dos folículos e da mesma maneira aumentar a absorção transfolicular.

Þ  Água: a pele tem normalmente 90 g de água por grama de tecido seco. Isto faz com que a sua permeabilidade seja 10 vezes maior do que  aquela do extrato totalmente seco. O contato prolongado com água pode aumentar a hidratação da pele em 3 a 5 vezes, o que resultará em um aumento na permeabilidade cutânea em até 3 vezes.

Þ  Agentes tenso-ativos: os sabões e detergentes são substâncias bastante nocivas para a pele. Eles provocam alteração na permeabilidade cutânea, mesmo quando presentes em pequenas concentrações. Alteram principalmente a absorção de substâncias hidrossolúveis, devido a modificações que provocam na estrutura do filamento de queratina. Estes agentes tensoativos se ligam à queratina e com isto provocam a sua reversão de a para b hélice.

Þ  Solventes orgânicos: estes aumentam a absorção cutânea para qualquer tipo de agente químicos, pois removem lípides e lipoproteínas presentes no extrato córneo, tornando-o poroso e menos seletivo. Os solventes mais nocivos são aqueles com características hidro e lipossolúveis. Destaca-se, como um dos mais nocivos, a mistura clorofórmio: metanol (2:1).

 ·         Fatores ligados às condições de trabalho (quando se tratar de exposição ocupacional):

Þ  tempo de exposição;

Þ  temperatura do local de trabalho: pode haver um aumento de 1,4 a 3 vezes na velocidade de penetração cutânea de agentes químicos, para cada 10oC de aumento na temperatura.

             Como citado anteriormente, o sexo e o estado gestacional podem alterar parâmetros fisiológicos importantes e, consequentemente, a intensidade da absorção cutânea (Tabela 2).

 Tabela 2: Diferenças fisiológicas entre homens e mulheres que podem afetar a absorção de agentes tóxicos pela pele. 

Parâmetro

Diferença fisiológica

 

Diferença na

absorção

hidratação cutânea

 

> nas gestantes

> absorção

área dérmica

 

> na superfície corpórea  homem

> absorção

espessura dérmica

 

> no homem

< absorção

fluxo de sangue/pele

> nas gestantes

> absorção

 

 

Ø  Ação dos agentes tóxicos sobre a pele

             No contato dos agentes químicos com a pele podem ocorrer:

 ·         Efeito nocivo local sem ocorrer absorção cutânea. Ex.: ácidos e bases fortes.

·         Efeito nocivo local e sistêmico. Ex.: o arsênio, benzeno, etc.

·         Efeito nocivo sistêmico, sem causar danos no local de absorção: é o caso, por exemplo, dos inseticidas carbamatos (exceção feita ao Temik que é um carbamato com potente ação local).

 2.2.3) Absorção pelo trato pulmonar

             A via respiratória é a via de maior importância para Toxicologia Ocupacional. A grande maioria das intoxicações Ocupacionais são decorrentes da aspiração de substâncias contidas no ar ambiental. A superfície pulmonar total é de aproximadamente 90 m2, a superfície alveolar de 50 a 100 m2 e o total de área capilar é cerca de 140 m2.

 O fluxo sangüíneo contínuo exerce uma ação de dissolução muito boa e muitos agentes químicos podem ser absorvidos rapidamente a partir dos pulmões.     Os agentes passíveis de sofrerem absorção pulmonar são os gases e vapores e os aerodispersóides. Estas substâncias poderão sofrer absorção, tanto nas vias aéreas superiores, quanto nos alvéolos.

 2.2.3.1) Gases e Vapores

 Ø  Vias Aéreas Superiores (VAS)

             Geralmente não é dada muita atenção para a absorção destes compostos nas vias aéreas superiores. Deve-se considerar, no entanto, que muitas vezes a substância pode ser absorvida na mucosa nasal, evitando sua penetração até os alvéolos. A retenção parcial ou total dos agentes no trato respiratório superior, está ligada à hidrossolubilidade da substância. Quanto maior a sua solubilidade em água, maior será a tendência de ser retido no local. Visto sob este ângulo, a umidade constante das mucosas que revestem estas vias, constitui um fator favorável. Há, no entanto, a possibilidade da ocorrência de hidrólise química, originando compostos nocivos, tanto para as vias aéreas superiores quanto para os alvéolos. Ex.: tricloreto de fósforo + H2O  ®  HCl  + CO2; dióxido de enxofre (SO2) + H2O  ® ® ® ácido sulfúrico.

Isto é importante porque estes produtos formados, além dos efeitos irritantes, favorecem também a absorção deles ou de outros agentes pela mucosa já lesada. Assim, nem sempre, a retenção de gases e vapores nas vias aéreas superiores é sinônimo de proteção contra eventuais efeitos tóxicos.

 Ø  Alvéolos

             Nos alvéolos pulmonares duas fases estão em contato:

             - uma gasosa formada pelo ar alveolar; e

            - outra líquida representada pelo sangue.

           As 2 fases são separadas por uma barreira dupla: o epitélio alveolar e o endotélio capilar. Diante de um gás ou de um vapor, o sangue pode se comportar de duas maneiras diferentes: como um veículo inerte, ou como meio reativo. Em outras palavras, o agente tóxico pode dissolver-se simplesmente por um processo físico ou, ao contrário, combinar-se quimicamente com elementos do sangue. No primeiro caso tem-se a dissolução do AT no sangue e no segundo caso a reação química.

 ·         Dissolução do AT no sangue

             Deve-se, neste caso, considerar o agente químico como o soluto e o sangue como solvente. Em relação ao soluto, o fator que influi na absorção pulmonar é a sua concentração no ar alveolar (pressão parcial). Na verdade se estabelece uma troca de moléculas entre o ar alveolar e o sangue, no sentido do local onde a pressão parcial é menor. Assim, se a pressão parcial no ar alveolar for maior que no sangue, ocorrerá absorção e se for maior no sangue do que no ar alveolar, haverá excreção. É evidente, portanto, a importância de fatores ambientais, tais como temperatura e pressão, já que estes fatores vão influir na pressão parcial de gases e vapores.         

Em relação ao solvente, deve-se considerar a constituição do sangue. Este tecido orgânico apresenta tanto uma característica aquosa (3/4 do sangue é água) quanto orgânica (proteínas, lípides, etc.). Sendo assim, mais do que a lipo ou hidrossolubilidade de um agente tóxico, deve-se aqui, considerar a sua solubilidade no sangue. 

A importância deste fator surge de maneira mais evidente, quando se recorda que a duração do contato entre o ar alveolar e o sangue é de uma fração de segundo apenas. Então, para os gases e vapores que não estabelecem combinações químicas, apenas suas solubilidades no sangue assegurarão uma boa absorção pulmonar. 

Uma maneira prática de se observar a solubilidade de uma substância no sangue é determinar o chamado coeficiente de distribuição (K). O coeficiente de distribuição (K) é expresso pela relação entre a concentração do agente tóxico no ar alveolar/concentração do AT no sangue, no momento em que se instala o equilíbrio. Alguns autores utilizam a correlação: concentração do AT no sangue/concentração do AT no ar alveolar, para avaliar a solubilidade da substância.           

Então um coeficiente baixo, ou seja denominador alto, implica em uma boa solubilidade no sangue e isto conduz a uma concentração elevada do agente neste meio. No entanto, justamente devido a esta alta solubilidade, a saturação sangüínea será lenta, a retenção do agente neste local será mais longa e a transferência aos tecidos tardia. Quando o coeficiente de distribuição é alto, os fenômenos inversos acontecem. Assim o K permite avaliar a concentração do AT no sangue conhecendo-se sua concentração no ar alveolar.           

Pode-se observar que dois fatores foram destacados até aqui: a pressão parcial do gás ou vapor e sua solubilidade no sangue. Não foi considerada a presença das membranas alveolares e capilares interpostas entre o ar e o sangue. 

Isto porque estas membranas tem espessura muito pequena (cerca de 1m) e superfície muito grande, não representando um obstáculo à absorção das substâncias químicas. Se o agente tóxico tem pequeno tamanho molecular e boa solubilidade no sangue, poderá ser absorvido pelos pulmões.           

É importante considerar também fatores fisiológicos, tais como a freqüência cardíaca e respiratória, que podem aumentar ou diminuir a saturação sangüínea e consequentemente a absorção. A influência destes fatores difere de acordo com o tipo de substância analisada. Assim, para substância de K baixo, ou seja, muito solúveis em água, o aumento da freqüência respiratória favorecerá a absorção. 

Já para a substância de K elevado (pouco solúvel no sangue), a absorção será favorecida pelo aumento na freqüência cardíaca. Importante ressaltar que, no caso do sexo feminino, o estado gestacional pode alterar esses parâmetros fisiológicos e, em conseqüência, a intensidade da absorção pulmonar  (Tabela 3). 

Tabela 3: Diferenças fisiológicas entre mulheres gestantes e não gestantes, que podem afetar a absorção pulmonar de agentes tóxicos. 

Parâmetro

Diferença fisiológica

 

Diferença

na absorção

 

função pulmonar

 

> nas gestantes

 

> exposição

   pulmonar

 

rendimento cardíaco

 

> nas gestantes

 

 

> absorção

 

·         Combinação Química do Agente Químico com o Sangue

             Ao contrário da dissolução, que é puramente física, ocorre aqui uma fixação entre o AT e o sangue que dependerá da afinidade química entre estes dois elementos. No caso da combinação química, não ocorrerá um equilíbrio entre o AT presente no ar alveolar e no sangue. São várias as substâncias químicas que se ligam quimicamente ao sangue são monóxido de carbono (CO), chumbo, mercúrio, etc.

 2.2.3.2) Material particulado ou aerodispersóides

             Aerodispersóides são partículas sólidas ou líquidas de pequeno tamanho molecular, que ficam em suspensão no ar, por um período longo de tempo. Geralmente, somente as partículas com diâmetro menor ou igual a 1m atingirão os alvéolos e poderão sofrer absorção. As partículas que possuem diâmetro maior ficarão retidas nas regiões menos profundas do trato respiratório.

            A penetração e retenção dos aerodispersóides no trato pulmonar depende de fatores como:

 ·         Diâmetro da partícula: o diâmetro das partículas nem sempre indica o seu comportamento no aparelho respiratório. É importante considerar o diâmetro aerodinâmico que é função do tamanho (diâmetro físico) e da densidade da partícula. Quanto maior o diâmetro aerodinâmico, menor a penetração ao longo das vias aéreas superiores. Assim, se existem duas partículas com o mesmo diâmetro físico, a de maior densidade terá o maior diâmetro aerodinâmico e penetrará menos ao longo das vias aéreas superiores (VAS).

·         Hidrossolubilidade: devido à umidade existente nas VAS, as partículas hidrossolúveis tenderão a ficar retidas na parte superior do trato pulmonar, sem alcançar os alvéolos.

·         Condensação: o tamanho das partículas no aparelho respiratório pode ser alterado pela aglomeração ou por adsorsão de água, originando partículas maiores. Influem na condensação a carga da partícula, as propriedades físico-químicas da substância, o tempo de retenção no trato respiratório, etc.

·         Temperatura: ela pode aumentar o movimento browniano (movimento natural e ao acaso de partículas coloidais pequenas), o que provocará maior colisão das partículas e, consequentemente, sua maior condensação e maior retenção.

 Ø  Mecanismos de retenção dos aerodispersóides

             As partículas que medem mais do que 30m não conseguem penetrar no trato pulmonar, uma vez que, devido à força da gravidade, elas se sedimentarão rapidamente no ambiente. Entretanto, quando a “força” de inspiração é aumentada (por exemplo em trabalhos pesados), pode ocorrer a penetração dessas partículas.

 As partículas que apresentam diâmetro menor do que 30m , entretanto, são capazes de penetrar no trato pulmonar, sendo que o mecanismo de retenção e remoção das mesmas varia de acordo com a região do trato pulmonar.

 ·         Região nasofaríngea: nesta região, as partículas com diâmetro aerodinâmico entre 30 e 5m se depositam pelo processo de impactação. Como o diâmetro da partícula e a velocidade do ar inspirado são elevados e as vias dessa região tem uma mudança brusca de direção, as partículas se chocam com as paredes e ficam retidas

·         Região traqueobronquial: partículas com diâmetro aerodinâmico entre 5 e 1m se depositam nessa região, por sedimentação. Como o ar não tem muita velocidade e nem há mudanças bruscas de direção nesta região, as partículas ficam mais tempo no local e se sedimentam devido à força de gravidade.

·         Região alveolar: apenas partículas com diâmetro menor do que 1m conseguem atingir esta região, onde se depositam por um processo de difusão. Como a velocidade do ar é praticamente nula, e a força da gravidade pouco influi (as partículas são muito pequenas), os aerodispersóides, devido ao movimento browniano, vão se chocando com as partículas dos gases presentes nos alvéolos (O2 e CO2) e assim difundem-se até às paredes, onde se depositam.

 Ø  Mecanismos de Remoção dos Aerodispersóides do Trato Pulmonar

             Nem todas partículas que se depositam no aparelho pulmonar serão retidas nele. Se assim fosse, calcula-se que, após 20-30 anos de trabalho, os mineiros deveriam ter cerca de 1 kg de partículas retidas em seus pulmões. No entanto, os estudos detectaram apenas cerca de 20g o que demonstra um eficiente sistema de remoção ou de “clearence” pulmonar. Os mecanismos de remoção vão depender do local de deposição.

 Assim:

Þ  Região nasofaríngea: as partículas são removidas pelo muco, associado ao movimento dos cílios, que vibram em direção à faringe. É o chamado movimento mucociliar.

Þ  Região traqueobronquial: o processo de remoção é o mesmo anterior (movimento mucociliar), sendo que a tosse, ocasionada pela presença de corpo estranho na região, pode auxiliar nesta remoção. Algumas substâncias tais como o SO2, amônea e também a fumaça de cigarro diminuem a velocidade de remoção nesta região.

Þ  Região alveolar: os epitélios dos bronquíolos e dos alvéolos são desprovidos de cílios. O muco está presente devido à secreção das células epiteliais. Esse muco se move em direção ao epitélio ciliado, através de um processo de migração, ainda bastante discutido. Sabe-se que este mecanismo é capaz de remover as partículas em direção às vias aéreas superiores e que ele é estimulado pela presença das próprias partículas nos alvéolos. Outro mecanismo de remoção é a fagocitose, realizada pelos macrófagos presentes em grande número na região.           

Os fagócitos contendo as partículas podem migrar em duas direções: - até aos brônquios onde são eliminados pelo movimento mucociliar (que é o mais comum); - até ao sistema linfático, através da penetração pelas paredes dos alvéolos.           A fagocitose pode remover até 80% das partículas presentes nos alvéolos. A velocidade do clearence no trato pulmonar pode variar também de acordo com a região: 

Þ  Na região nasofaríngea a velocidade é muito rápida. A remoção ocorre em minutos.

Þ  Na região traquebronquial a velocidade é rápida e a remoção ocorre em minutos ou horas. Em regiões mais profundas dos brônquios esta velocidade de remoção é moderada (cerca de horas).

Þ  Na região alveolar a velocidade de clearence é lenta, podendo levar de dias até anos para ocorrer. Ela vai depender do tipo de partícula e do mecanismo de remoção. As partículas presentes nos alvéolos, que não foram removidas ou absorvidas, podem ficar retidas na região, causando as chamadas Pneumoconioses.

 2.3) Distribuição

             Após a entrada do AT na corrente sangüínea, seja através da absorção ou por administração direta, ele estará disponível para ser distribuído pelo organismo. Normalmente a distribuição ocorre rapidamente e a velocidade e extensão desta dependerá principalmente do:

 Þ  Fluxo sangüíneo através dos tecidos de um dado órgão;

Þ  Facilidade com que o tóxico atravessa a membrana celular e penetra nas células de um tecido.          

Assim, aqueles fatores que influem no transporte por membranas, discutidos anteriormente, serão importantes também na distribuição. Alguns agentes tóxicos não atravessam facilmente as membranas celulares e por isto tem uma distribuição restrita enquanto outros, por atravessá-las rapidamente, se distribuem através de todo organismo. Durante a distribuição o agente alcançará o seu sítio alvo, que é o órgão ou tecido onde exercerá sua ação tóxica, mas poderá, também, se ligar a outros constituintes do organismo, concentrando-se em algumas partes do corpo.           

Em alguns casos, estes locais de maior concentração são também os sítios de ação e disto resulta efeitos altamente prejudiciais. É o caso do monóxido de carbono (CO), para o qual o sangue representa, tanto o local de concentração quanto o de ação tóxica. Felizmente para o homem, no entanto, a grande maioria dos AT atingem seus maiores níveis em locais diferentes do sítio alvo (exemplo: Pb é armazenado nos ossos e atua nos tecidos moles). 

Este acúmulo do AT em outros locais que não o de ação, funciona como uma proteção ao organismo, uma vez que previne uma elevada concentração no sítio alvo. Os agentes tóxicos nos locais de concentração estão em equilíbrio com sua forma livre no sangue e quando a concentração sangüínea decai, o tóxico que está concentrado em outro tecido é liberado para a circulação e daí pode atingir o sítio de ação.           

A importância do sangue no estudo da distribuição é grande, não só porque é o principal fluído de distribuição dos AT, mas também por ser o único tecido que pode ser colhido repetidamente sem distúrbios fisiológicos, ou traumas orgânicos. Além disto, como o sangue circula por todos os tecidos, algum equilíbrio pode ser esperado entre a concentração do fármaco no sangue e nos tecidos, inclusive no sítio de ação. Assim, a concentração plasmática fornece melhor avaliação da ação tóxica do que a dose (a não ser quando a concentração plasmática é muito baixa em relação à concentração nos tecidos). 

A distribuição do AT, através do organismo ocorrerá de maneira não uniforme, devido a uma série de fatores que podem ser reunidos em dois grupos: Afinidade por diferentes tecidos e Presença de membranas.            

O papel da ligação às proteínas plasmáticas e do armazenamento na distribuição desigual dos xenobióticos são, dentre os supracitados, os mais estudados, atualmente.  

2.3.1) Afinidade por diferentes tecidos

 2.3.1.1) Ligação às proteínas plasmáticas (PP)

           Várias proteínas do plasma podem se ligar à constituintes do corpo (ex.: ácidos graxos, triptofano, hormônios, bilirrubinas, etc.) e também aos xenobióticos. A principal proteína, sob o ponto de vista da ligação a xenobióticos, é a albumina. Algumas globulinas tem também papel relevante na ligação aos agentes estranhos, especialmente àqueles de caráter básico. Destaca-se aqui a a1 glicoproteína ácida.

           Com exceção das substâncias lipossolúveis de caráter neutro, que geralmente se solubilizam na parte lipídica das lipoproteínas, a ligação de fármacos às proteínas plasmáticas é feita, usualmente, pela interação de grupos polares ou não polares dos AT com o(s) grupamento(s) protéico(s). Ex.: os fármacos de caráter ácido, se ligam em um único sítio de albumina, possivelmente ao nitrogênio do aminoácido terminal, que é no homem, o ácido aspártico.

           O elevado peso molecular das proteínas plasmáticas impede que o complexo AT-PP atravesse pelas membranas dos capilares restringindo-o ao espaço intravascular. Assim, enquanto ligado às proteínas plasmáticas, o AT não estará disponível para a distribuição no espaço extravascular. Deve-se observar, no entanto, que esta ligação é reversível (geralmente feita por pontes de hidrogênio, forças de van der Waals, ligação iônica), e a medida que o agente livre se difunde através da membrana capilar, a fração ligada se dissocia das proteínas tornando-se apta para ser distribuída. Esta ligação atua, portanto, graduando a distribuição dos xenobióticos e, consequentemente, a chegada ao sítio de ação.

           Efeitos tóxicos severos pode aparecer, quando há um deslocamento anormal dos xenobióticos de seus sítios de ligação protéica. Alguns dos fatores que influem nesta ligação são:

 Ø  Competição entre fármacos: as proteínas plasmáticas não possuem sítios específicos de ligação e duas ou mais substâncias que se ligam ao mesmo sítio protéico, irão competir entre si por esta ligação. Esta competição pode ocorrer entre dois ou mais xenobióticos ou entre xenobióticos e substratos endógenos. Como conseqüência ocorrerá um aumento na concentração livre de um dos fármacos e, portanto, o risco de intoxicação. Ex.: sulfonamidas e bilirrubina competem pelo mesmo sítio da albumina; o warfarin (anticoagulante) é geralmente deslocado pelo AAS.

Ø  Condições patológicas: algumas doenças alteram a conformação do sítio de ligação na proteína, outras alteram o pH do plasma e podem provocar a ionização do complexo agente-proteína e outras, ainda, modificam a quantidade de proteínas plasmáticas. Ex.: a síndrome nefrótica, que permite a eliminação da albumina através da urina, causando hipoalbuminemia.

Ø  Concentração do agente: quanto maior a concentração do fármaco no plasma, maior a ligação protéica. Ex.: fenitoína. Se a concentração deste anticonvulsivante for muito elevada no plasma a ligação protéica aumenta mais do que o esperado e a fração livre disponível para a distribuição e ação é pequena. Neste caso o efeito terapêutico pode nem ser alcançado.

Ø  Concentração protéica: o aumento das proteínas plasmáticas resulta em maior ligação plasmática dos xenobióticos. Ex.: aumento de lipoproteína implica em maior ligação da imipramina.

Ø  pH: para alguns fármacos o pH do plasma altera a ligação às proteínas. Ex.: a teofilina terá uma maior ligação às proteínas plasmáticas quando o pH do sangue está aumentado.

Ø  Idade: a concentração de algumas proteínas plasmáticas é alterada com a idade. Ex.: as crianças tem uma quantidade de albumina menor do que o adulto. Consequentemente, os fármacos que se ligam essencialmente à albumina estarão mais livres e podem ser mais rapidamente distribuídos, causando efeitos tóxicos mais severos, mesmo com doses não muito grandes.

Ø  Espécie e variedade

 2.3.1.2) Ligação Celular

           Embora não tão estudado como a ligação às proteínas plasmáticas, a ligação a outros tecidos exerce um papel muito importante na distribuição desigual dos agentes pelo organismo. Sabe-se a quantidade total de albumina plasmática no homem de 70kg é cerca de 120g e a albumina intersticial total é em torno de 156g, logo a quantidade de albumina total no corpo é aproximadamente 276g, ou seja, cerca de 0,4% do peso corpóreo. A água corpórea total corresponde a 60% do peso corpóreo, logo pode-se deduzir que os restantes 40% do peso corpóreo é de tecido não hidratado.

           Assim, a ligação de AT a componentes teciduais poderá alterar significativamente a distribuição dos xenobióticos, já que a fração de AT ligada aos tecidos será inclusive maior do que a ligada às proteínas plasmáticas. Sob o aspecto de ligação a xenobióticos, o tecido hepático e o renal tem um papel especial. Eles possuem elevada capacidade de se ligarem aos agentes químicos e apresentam as maiores concentrações destes (e também de substâncias endógenas), quando comparados com outros órgãos.           

Os mecanismos através dos quais estes órgãos removem os agentes do sangue não estão bem estabelecidos, no entanto, sabe-se que as proteínas intra-celulares são componentes fundamentais na ligação dos fármacos ao tecido hepático e renal. Por ex.: a proteína Y ou “ligandina”, presente no citoplasma das células hepáticas tem alta afinidade pela maioria dos ácidos orgânicos e parece ter importante papel na transferência de ânions orgânicos do plasma para o fígado.           

A metalotineina, outra proteína tecidual, tem sido encontrada no fígado e rins ligada ao cádmio, cobre e zinco. A rapidez com que o fígado se liga a xenobióticos pode ser exemplificada pelo chumbo que, 30 minutos após a administração tem sua concentração hepática 50 vezes maior do que a plasmática. 

2.3.1.3) Armazenamento 

            Os agentes tóxicos podem ser armazenados no organismo, especialmente em dois tecidos distintos: 

Ø  Tecido adiposo:           

Como a lipossolubilidade é uma característica fundamental para o transporte por membranas, é lógico imaginar que os agentes tóxicos de uma maneira geral poderão se concentrar no tecido adiposo. Os xenobióticos são armazenados no local através da simples dissolução física nas gorduras neutras do tecido. 

Assim, um agente tóxico, com elevado coeficiente de partição óleo/água, pode ser armazenado no tecido adiposo em grande extensão e isto diminuirá a concentração do AT disponível para atingir o sítio alvo. O tecido adiposo constitui 50% do peso de um indivíduo obeso e 20% de um magro. Sendo o armazenamento um mecanismo de defesa é lógico imaginar que a toxicidade de um AT não será tão grande para a pessoa obesa como para uma pessoa magra. Mais real, no entanto, é pensar na possibilidade de um aumento súbito da concentração do AT no sangue e sítio de ação, devido a uma rápida mobilização das gorduras. 

Ø  Tecido Ósseo:           

Um tecido relativamente inerte como o ósseo pode também servir como local de armazenamento de agentes químicos inorgânicos, tais como flúor, chumbo e estrôncio.           

O fenômeno de captura dos xenobióticos pelos ossos pode ser considerado essencialmente um fenômeno químico, no qual as mudanças ocorrem entre a superfície óssea e o líquido que está em contato com ela. O líquido é o fluído extracelular e a superfície envolvida é a matriz inorgânica do osso. 

 Recordando: a superfície óssea possui uma matriz orgânica e outra inorgânica, esta sendo formada pelos cristais de hidroxiapatita [3Ca3(PO4)2Ca(OH)2]. Após ser trazido até o cristal ósseo através do fluído extracelular, o AT poderá penetrar na superfície do cristal, de acordo com o seu tamanho e sua carga molecular. Assim, por exemplo, o fluoreto (F-) pode ser facilmente colocado no lugar da hidroxila (OH-) e o Pb e Sr no lugar do Ca. O armazenamento de xenobióticos no tecido ósseo poderá, ou não, provocar efeitos tóxicos no local. O Pb não é nocivo para os ossos, mas o F pode provocar fluorose óssea e o Sr radioativo, osteosarcoma e outras neoplasias.           

Este armazenamento não é irreversível. O agente tóxico pode ser liberado dos ossos através de: 

Þ  Dissolução da hidroxiapatia através da atividade osteoclástica (destruição do tecido ósseo provocado pela ação dos osteoclastos, células do próprio tecido ósseo que tem tal função);

Þ  Aumento da atividade osteolítica (destruição do tecido ósseo provocada por substâncias químicas, enzimas, etc). Este tipo de ação pode ser observado através da ação do paratormônio, hormônio da paratireóide, que tem ação descalcificante óssea. Se no lugar do cálcio o osso contiver um AT, este será deslocado para a corrente sangüínea, aumentando a sua concentração plasmática.

Þ  Troca iônica 

2.3.2) Presença de membranas 

2.3.2.1) Barreira Hematencefálica           

A chamada barreira hematencefálica, que protege o cérebro da entrada de substâncias químicas, é um local menos permeável do que a maioria de outras áreas do corpo.           

Existem três razões anatômicas e fisiológicas principais que dificultam a entrada de agentes tóxicos no cérebro, formando a chamada barreira hematencefálica: 

Þ  as células endoteliais dos capilares são muito finas com nenhum ou poucos poros entre elas;

Þ  os capilares do sistema nervoso central (SNC) são largamente circundados pelos astrócitos (tecido conectivo glial);

Þ  a concentração protéica no fluído intersticial do SNC é muito menor do que em qualquer outra parte do corpo.           

Assim, em contraste com outros tecidos, o AT tem dificuldade em se mover entre os capilares, tendo de atravessar não somente o endotélio capilar, mas também a membrana das células gliais, para alcançar o fluído intersticial. Uma vez que este fluído é pobre em proteínas, o AT não pode usar a ligação protéica para aumentar a distribuição dentro do SNC. 

Estes fatos juntos atuam como um mecanismo de proteção, que diminui a distribuição e ação dos tóxicos no SNC, já que eles não entram no cérebro em quantidades significativas. A eficiência da barreira hematoencefálica varia de uma área do cérebro para outra. Ex.: a córtex, o nucleopineal e o lóbulo posterior da hipófise são mais permeáveis do que outras áreas cerebrais. Não está claro se a maior permeabilidade destas áreas decorre de um suprimento sangüíneo mais rico ou de uma permeabilidade mais adequada da barreira ou dos dois fatores juntos.           

Os princípios que regem o transporte das substâncias através de membranas são também os que comandam a entrada de tóxicos no cérebro. Assim, somente a forma livre estará apta para entrar no cérebro, desde que seja lipossolúvel.

A lipossolubilidade é um fator preponderante na velocidade e quantidade de AT que entra no SNC, ou seja, a velocidade de entrada no SNC é proporcional ao coeficiente de partição o/a da substância.           

A barreira hematencefálica não está totalmente desenvolvida por ocasião do nascimento e esta seria uma explicação para a maior toxicidade dos AT nos recém-nascidos. 

2.3.2.2) “Barreira” Placentária           

Durante anos, o termo “barreira” placentária demonstrou o conceito que a principal função da placenta era proteger o feto contra a passagem de substâncias nocivas provenientes do organismo materno. Sabe-se hoje que ela possui funções mais importantes, tais como a troca de nutrientes (O2, CO2,etc.). 

Este material vital necessário para o desenvolvimento do feto é transportado por processo ativo, com gasto de energia. Já a maioria dos xenobióticos que se difundem através da placenta o fazem por difusão passiva. Atualmente sabe-se que a placenta não representa uma barreira protetora efetiva contra a entrada de substâncias estranhas na circulação fetal.           

Anatomicamente a placenta é o resultado de várias camadas celulares interpostas entre a circulação fetal e materna. O número de camadas varia com a espécie e com o período de gestação e isto provavelmente afeta a sua permeabilidade. Na espécie humana ela possui ao todo seis camadas, três de origem materna e três de origem fetal. 

Poderia se pensar que as espécies que apresentam placenta com maior número de camadas são mais protegidas contra agentes tóxicos durante a gestação. Entretanto, a relação entre o número de camadas e a permeabilidade placentária não está suficientemente estudada. Embora não totalmente efetiva na proteção do feto contra a entrada de AT, existem alguns mecanismos de biotransformação de fármacos, que podem prevenir a passagem placentária de alguns xenobióticos.

 Bibliografia

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Ø  Ernest Hoggson & Patricia E. Levi - Introduction to Biochemical Toxicology. 2º ed.  Appleton & Lange Norwalk, Connecticut, 1992

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Ø  OGA, S. (Ed.) - Fundamentos de Toxicologia. Atheneu:São Paulo, 1996

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