REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS
José Gilberto Pereira
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define reação adversa a medicamento (RAM) como “qualquer resposta prejudicial ou indesejável e não intencional que ocorre com medicamentos em doses normalmente utilizadas no
homem para profilaxia, diagnostico, tratamento de doença ou para modificação
de funções fisiológicas”. Não são consideradas reações adversas os efeitos que ocorrem depois do uso acidental ou intencional de doses maiores que as habituais (toxicidade absoluta).
Reação adversa a medicamento também pode ser entendida como reação nociva e desagradável, resultante de intervenção relacionada ao uso de um medicamento, cuja identificação permite prever riscos de futura administração,
assegurar a prevenção e tratamento especifico, bem como determinar alteração da dose ou cessação do tratamento.
Reações adversas a medicamentos são classificadas com base em diferentes
critérios. A classificação de RAM mais aceita atualmente foi proposta por Rawlins e Thompson que as agrupa em reações do tipo A ou previsíveis e reações do tipo B ou imprevisíveis.
As reações do tipo A resultam de uma ação ou de um efeito farmacológico exagerado e dependem da dose empregada, depois da administração de um medicamento em dose terapêutica habitual. São comuns, farmacologicamente previsíveis e podem ocorrer em qualquer individuo e, apesar de incidência e repercussões importantes na comunidade, a letalidade e baixa. Englobam reações produzidas por dose excessiva relativa, efeitos adversos e secundários, citotoxicidade, interações de medicamentos e características especificas da forma farmacêutica empregada. Podem ser tratadas por meio ajuste de doses ou substituição do fármaco.
As reações do tipo B caracterizam-se por serem totalmente inesperadas em relação as propriedades farmacológicas do medicamento administrado, e são incomuns, independentes de dose, ocorrendo apenas em indivíduos Susceptiveis e sendo observadas frequentemente no pós-registro. Englobam as reações de hipersensibilidade, idiossincrasia, intolerância e aquelas decorrentes de alterações na formulação farmacêutica, como decomposição de substancia ativa e excipientes.
Esta classificação tem sido gradualmente estendida e denominada por outras
letras do alfabeto, incluindo tipo C (reações dependentes de dose e tempo), D
(reações tardias), E (síndromes de retirada), e tipo F (reações que produzem
falhas terapêuticas).
As consequências as reações adversas a medicamentos tem variedade, abrangendo desde reações de leve intensidade ou pouca relevância clinica ate as que causam prejuízo mais grave como internações em hospital, incapacidade ou ate morte. A letalidade por RAM pode alcançar 5% dos indivíduos acometidos, e cerca da metade (49,5%) das mortes e 61% das internações por RAM ocorrem em pacientes com 60 anos e mais. Alguns estudos mostraram que cerca de 4% das admissões em hospital nos Estados Unidos são devidas a RAM e que 57% destas reações não são reconhecidas no momento da admissão. Somando-se pacientes com RAM serias que exigem internação aqueles com RAM ocorridas durante a permanência em hospital atinge-se mais de 2,2 milhões de pessoas por ano, 6.000 pacientes por dia. Nas duas situações, segundo o consenso de vários pesquisadores, em 32% a 69% essas reações são previsíveis.
Na Europa estima-se que 3% a 8% das admissões em hospital são consequentes de RAM. Este número pode chegar a 17% quando se trata de paciente idoso.
Já a incidência de RAM em pacientes hospitalizados atinge a casa dos 20%10.
Na Inglaterra, verificou-se que 6,5% das emergências hospitalares e 38.000 admissões hospitalares anuais ocorreram em consequência de RAM. Revisões sistemáticas e metanalises recentes estimam que a taxa de mortalidade devida a RAM, na população geral, e em torno de 0.15%.
No Brasil, em 2000, identificou-se a ocorrência de 25,9% de RAM em pacientes
admitidos num hospital terciário, sendo que em 19,1% a reação foi causa da admissão e 80,8% ocorreu durante a permanência no hospital.
As RAM são mais comuns do que se pode esperar e nunca se pode garantir que um medicamento seja completamente seguro. A determinação precisa do numero de RAM ocorridas e, entretanto, virtualmente impossível devido a dificuldade em se avaliar a relação de causalidade e pela baixa proporção de notificações de RAM. A variedade da gravidade e dos medicamentos pelos quais são causadas e dos sítios de ocorrência fazem da identificação de uma RAM um processo muito complexo.
E sempre difícil estimar a incidência de RAM com base em notificações espontâneas pela incerteza inerente a estimação do denominador e do grau de
subnotificação. No entanto, sempre que possível, uma estimação de frequência
deve ser apresentada de forma padrão, como a recomendada pelo Council for
International Organizations of Medical Sciences (CIOMS)15, que classifica como muito comuns aquelas cuja frequência ultrapasse 10%, comuns entre 1% e 10%, incomuns entre 0,1% e 1%, raras entre 0,01% e 0,1% e muito raras quando menor que 0,01%.
O primeiro passo para se identificar uma suspeita de RAM e distingui-la dos erros de medicação. Estes consistem em desvios no processo de tratamento, incluindo erros de prescrição, transcrição da prescrição, dispensação, administração ou monitoria. Todavia, RAM advindas de erros de tratamento farmacológico acontecem e são consideradas previsíveis.
De maneira geral, alguns dos seguintes aspectos devem ser observados na identificação e estabelecimento de validade de uma suspeita de RAM: existência de dados epidemiológicos prévios, relação temporal com o uso do fármaco, resposta diante da cessação e reintrodução do fármaco, identificação de causas alternativas, presença de alterações nos exames de laboratório ou na concentração plasmática do farmaco suspeito, ou de ambos.
Outro enfoque na identificação de RAM refere-se a gravidade com que se apresentam. Aquelas consideradas de leve a moderada são geralmente encontradas durante a realização de ensaios clínicos, já as graves e serias requerem maior atenção, uma vez que a incidência ocorre principalmente na pós -comercialização, podendo determinar a elevação dos custos em saúde e prejuízo irreparável aos pacientes afetados. Uma RAM grave e designada pela
intensidade com que ocorre, enquanto a de natureza seria diz respeito aos possíveis desfechos da reação, determinado o quanto ameaçadora e fatal ela pode ser, ou pelo poder de produzir sequelas incapacitantes no paciente.
As reações serias normalmente apresentam-se em sítios dermatológicos e hematológicos e são caracterizadas pela interação do fármaco com o sistema
imune humano. O que mais preocupa nesses tipos de reações e que não se pode prever a ocorrência delas, tornando-as em potente ameaça. Desta forma, a maneira de preveni-las seria não administrar o medicamento.
A máxima primum no nocere (em primeiro lugar não causar dano) fundamenta
o que na atualidade se denomina relação beneficia-risco terapêutico, e implica no uso racional dos medicamentos. A partir do conhecimento e das provas cientificas, a decisão clinica torna-se mais reflexiva e assertiva, de maneira a buscar maiores graus de seguranca para o paciente por ocasiao das intervenções terapeuticas. Desta forma, a ciência e as atividades relativas a identificação, avaliação, compreensão e prevenção dos efeitos adversos ou qualquer outro problema relacionado com medicamentos e denominada
Em farmacovigilância, o primeiro alerta que descreve o problema de segurança
com o uso de um medicamento e denominado sinal, o que pode ser compreendido como comunicado de informação sobre uma possível relação causal entre um evento adverso e um medicamento, sendo a relação desconhecida ou documentada previamente de maneira incompleta. Normalmente mais de uma notificação e necessário para gerar um sinal, dependendo da gravidade do caso e da qualidade da informação. A identificação do sinal e uma das metas mais importantes da farmacovigilância; todo o processo de avaliação de beneficia-risco depende da identificação eficiente de sinais, com base na notificação espontânea de RAM.
Estas notificações são cuidadosamente estudadas e classificadas em uma base de dados. Um padrão e estabelecido por metodo cientifico de calculo segundo tabelas de dados e isto da uma ideia razoável dos sinais com probabilidade de se elevarem a efeitos adversos.
Todo o escopo do programa internacional de vigilancia dos medicamentos na pos-comercialização tem sede no Uppsala Monitoring Centre da Organização
Mundial da Saúde. E para este centro que seguem as notificações de ocorrências de RAM originadas nos 98 países membros. Nos últimos cinco anos, Nova Zelândia, Estados Unidos, Suíça e Austrália tem se destacado quanto a numero de notificações de RAM enviadas ao centro, que acumula desde sua criação, em 1968, ate o momento, mais de cinco milhões de notificações.
O Brasil integra o programa desde 2001, quando foi criado o Centro Nacional de Acompanhamento de Medicamentos (CNMM) e implantado o Sistema Nacional de Farmacovigilância. O CNMM esta situado na Agencia Nacional de
Vigilancia Sanitária (Anvisa), mais especificamente na Gerencia de Farmacovigilância.
O Sistema encontra-se em desenvolvimento e vem utilizando algumas estratégias de expansão como a Rede de Hospitais Sentinela, o Programa de
Farmácias Notificadoras, o Notivisa, sistema eletrônico de notificação de eventos adversos e queixas técnicas de medicamentos, e a exigência de elaboração e envio a autoridade sanitária dos Relatórios Periódicos de Farmacovigilância (RPF) pelas empresas detentoras de registros de medicamentos no pais.
Em apoio ao Sistema Nacional de Farmacovigilância, os Centros de Informação sobre Medicamentos (CIM) e os Centros de Informação e Assistência Toxicologica (CIAT) são serviços apropriados de apoio ações de vigilância de medicamentos e reações adversas, entre outras. Atuando, segundo as características de cada um, como fonte de informação farmacológica, terapêutica e toxicológica atualizada, objetiva, oportuna e independente, e de assistência toxicológica, com base na literatura cientifica internacionalmente reconhecida.
O CNMM esta apto a receber as notificações de RAM provenientes de todo território nacional. No entanto, para que o sistema se concretize, são necessários sensibilização e reconhecimento pelos profissionais da saúde quanto a importância e a repercussão de se consolidar dados sobre RAM, e consequentemente a integração desses profissionais ao sistema.
A notificação de suspeita de RAM e voluntaria, portanto, sua prossecução depende totalmente do interesse e da responsabilidade do profissional com relação ao paciente atendido e com a saúde da sociedade. As autoridades sanitárias orientam para que sejam notificadas ao menos as RAM ocorridas com medicamentos recém - introduzidos no mercado, ou ainda que sejam fatais, ameaçadoras, incapacitantes, que resultem em internação ou aumento de permanência no hospital, que determinem anomalias congênitas, ou que sejam clinicamente graves.
Ainda, retornando a questão da relação beneficia-risco do uso de medicamentos, se torna evidente que a consolidação no sistema, das RAM ocorridas no pais, pode subsidiar decisões para alterações de bulas, restrições de uso e ate a retirada de medicamentos do mercado ou mudança da categoria de venda destes produtos pela autoridade sanitária reguladora.
Voltando-se para os recursos farmacoterapêuticos empregados no pais, verifica-se que vários medicamentos, cuja venda foi condenada em outros países, são comumente utilizados por nossa população. Verifica-se também que, embora provas cientificas apontem para a retirada desses medicamentos do mercado, ainda assim se faz necessário que dados farmacoepidemiologicos de caráter local sejam fornecidos pela rede de saúde, tendo em vista melhorar a eficiência da regulação de medicamentos no pais. Desta forma, pode-se contribuir para que os medicamentos utilizados pela sociedade brasileira sejam eficazes e seguros.
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