domingo, 12 de dezembro de 2010

FARMÁCIA HOSPITALAR - PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS

FARMÁCIA HOSPITALAR - PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS


Vera Lúcia Edais Pepe
e Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro

A prática clínica se depara muitas vezes com incertezas, especialmente quanto às conseqüências das tomadas de decisão, em termos de seus riscos e benefícios.

A prescrição é ato que depende de amplo conjunto de fatores, podendo resultar em diferentes desfechos. O paciente é, na verdade, um ator ativo e tem importante papel nesse processo. Antes que a prescrição aconteça é preciso, em primeiro lugar, que o paciente sinta-se comprometido com sua saúde física e busque ajuda de um profissional de saúde.

Estudo realizado em Fortaleza concluiu que 56,4% das consultas resultam em prescrição médica. Apenas em cerca de 30% das consultas se pergunta sobre reações alérgicas e uso de outros medicamentos. Nelas, pouco se informa aos pacientes sobre possíveis reações adversas (26,7%) ou interações medicamentosas (41,8%).

Os profissionais da saúde legalmente aptos a prescrever são médicos, médicos-veterinários e cirurgiões-dentistas e os enfermeiros, conforme estabelecido na Portaria MS nº 1.625 de 10 de julho de 2007.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere seis etapas para o processo de prescrição racional de medicamentos.

Como 1ª etapa, é preciso que o profissional colete as informações do paciente e investigue e interprete seus sinais e sintomas, para definir o problema e realizar um diagnóstico. A partir do diagnóstico, o prescritor deve especificar os objetivos terapêuticos (2ª etapa) e selecionar o tratamento (3ª etapa) que considera mais eficaz e seguro para aquele paciente. Vários fatores, relacionados à paciente, profissional de saúde, processo e ambiente de trabalho, podem influenciar o ato prescritivo.

O ato da prescrição pode conter medidas medicamentosas e/ou medidas não medicamentosas (4ª etapa). Muitas vezes, estas contribuem sobremaneira para a melhoria das condições de saúde do paciente. Condutas medicamentosas ou não devem constar de forma compreensível e detalhada na prescrição para facilitar dispensação do medicamento e uso pelo paciente.

Após escrever a prescrição, o profissional deve informar ao paciente sobre a terapêutica selecionada (5ª etapa) e combinar reconsulta para monitoramento do tratamento proposto (6ª etapa).

Na etapa da informação, o profissional deve, em linguagem clara e acessível, explicar ao paciente sobre o que lhe está sendo prescrito, os benefícios esperados e os eventuais problemas associados. Deve explicitar a duração de tratamento, como armazenar o medicamento e o que fazer com suas sobras.

Faz parte do ato de prescrever o estímulo à adesão ao tratamento, entendida como a etapa final do uso racional de medicamentos. Estima-se que o cumprimento da prescrição ocorra em pelo menos 80% de seu total, considerando horários de administração, doses e tempo de tratamento. O grau de adesão pode chegar a apenas cerca de 50% na população infantil. Isso pode comprometer o resultado esperado da terapêutica.

Bases legais e regras básicas da prescrição

A prescrição é um documento legal pelo qual se responsabilizam aqueles que prescrevem, dispensam e administram os medicamentos/terapêuticas ali arrolados. É importante que a prescrição seja clara, legível e em linguagem compreensível. Alguns preceitos gerais, definidos em lei (Leis Federais 5.991/73, 9.787/99 e as RDC ANVISA nº 80/2006 e 16/2007) são obrigatórios, outros correspondem a Boas Práticas (Resolução CFF 357/2001 e Código de Ética Médico).

A prescrição deve ser escrita sem rasura, em letra de fôrma, por extenso e legível, utilizando tinta e de acordo com nomenclatura e sistema de pesos e medidas oficiais. No âmbito do Sistema Único de Saúde, adota-se a Denominação Comum Brasileira (DCB) e, em sua ausência, a Denominação Comum Internacional (DCI). Nos serviços privados de saúde, a prescrição pode ser feita utilizando o nome genérico ou o comercial. Da prescrição constam:

         Nome e quantidade total de cada medicamento (número de comprimidos, drágeas, ampolas, envelopes), de acordo com dose e duração do tratamento.

         Via de administração, intervalo entre as doses, dose máxima por dia e duração do tratamento. Em alguns casos pode ser necessário constar o método de administração (por exemplo, infusão contínua, injeção em bolus); cuidados a serem observados na administração (por exemplo, necessidade de injetar lentamente ou de deglutir com líquido); horários de administração (nos casos de possível interação alimentar ou farmacológica, visando maior comodidade, adesão ou melhora do efeito terapêutico) ou cuidados de conservação (por exemplo, manter o frasco em geladeira).

2. Não se abreviam formas farmacêuticas (comprimido ou cápsula e não comp. ou cáp.), vias de administração (via oral ou via intravenosa e não VO ou IV), quantidades (uma caixa e não 1 cx.) ou intervalos entre doses (“a cada 2 horas” e não 2/2h).

3. Prescrever “se necessário” é um erro, pois o prescritor transfere, ilegalmente, a responsabilidade da prescrição ao paciente ou a quem deve administrar o medicamento, incentivando a automedicação.

4. O prescritor deve manifestar por escrito se não deseja permitir a intercambialidade
do medicamento de marca prescrito pelo genérico (Lei nº 9.787, 1999).

5. São obrigatórios assinatura e carimbo do prescritor. Nome por extenso, endereço e telefone do prescritor são desejáveis, de forma a possibilitar contato em caso de dúvidas ou ocorrência de problemas relacionados ao uso de medicamentos prescritos.

6. A data da prescrição deve ser explicitada. Há fármacos que necessitam de receituário específico para sua prescrição, pois se encontram sob controle da autoridade reguladora. Algumas substâncias, como hormônios, entorpecentes e psicofármacos têm seu uso controlado por legislação específica, a Portaria SVS/MS 344/98. A lista dessas substâncias é constantemente atualizada. Elas são classificadas em duas categorias – substâncias entorpecentes e psicotrópicas que exigem formulários de receita específicos (Notificações de Receita A e B) e se diferenciam quanto às exigências para a prescrição ambulatorial. Formulários de Notificação de Receita A, de cor amarela, são fornecidos, de forma numerada e controlada, pela vigilância sanitária estadual. A quantidade máxima a ser prescrita corresponde a 30 dias de tratamento, não podendo conter mais que cinco ampolas no caso de medicamento para uso injetável. Formulários de Notificação de Receita B, de cor azul, são fornecidos por profissional, hospital ou ambulatório. A quantidade máxima a ser prescrita corresponde a 60 dias de tratamento, não podendo conter mais que cinco ampolas no caso de medicamento para uso injetável.

Nos estabelecimentos hospitalares, clínicas médicas, oficiais ou particulares, os medicamentos a base de substâncias constantes das listas A1, A2, A3, B1 B2, C2, C3 poderão ser dispensados ou aviados a pacientes internados ou em regime de semi-internato, mediante receita privativa do estabelecimento, subscrita por profissional em exercício no mesmo.

Outros fármacos podem ser dispensados sem receita médica, segundo a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa, RDC 138/2003).

Na prescrição, recomenda-se não indicar atos desnecessários ou proibidos pela legislação do País (Lei nº 9.787, 1999). Outra norma é não receitar ou atestar de forma secreta ou ilegível, nem assinar em branco folhas de receituários, laudos, atestados ou outros documentos médicos.

Referências

1. Abreu MM, Kowalski SC, Ciconelli RM, Ferraz MB. Apoios de decisão: instrumento de auxílio à medicina baseada em preferências. Uma revisão conceitual. Rev Bras
Reumatol 2006; 46(04): 266-72.

2. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução – RDC no 49
de 05 de setembro de 2002.

3. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução – RDC nº 157, de 31 de maio de 2002. [citado 2003 abr. 24]. Disponível em: .

4. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 17,
Resolução RDC nº 17, de 02 de março de 2007.

5. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 80, de 11 de maio de 2006.

6. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 16, de 02 de março de 2007

7. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução nº 328, de 22 de julho de 1999. In: Conselho Federal de Farmácia. A Organização Jurídica da Profissão Farmacêutica. 3a ed. Brasília, DF: Conselho Federal de Farmácia; 2000:
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8. Arrais PSD, Barreto ML, Coelho HLL. Aspectos dos processos de prescrição e
dispensação de medicamentos na percepção do paciente: estudo de base populacional
em Fortaleza, Ceará, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro 2007; 23(4): 927-37.

9. Bero L, Rennie D. Influences on the quality of published drug studies. Int J Technol
Assess Health Care 1996; 12: 209-37.

10. Brasil. Lei Federal 5.991 de 17 de dezembro de 1973. [Citado 2002 jan. 01]. Disponível em: http://www.saude.gov.br.

11. Brasil. Lei Federal 9.787 de 10 de fevereiro de 1999.[Citado 2002 jul. 01]. Disponível em: http://www.saude.gov.br.

12. Brasil. Lei no 5.991, de 17 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 21 dez. 1973.

13. Brasil. Ministério da Saúde. Lei 9.787, de 10 de fevereiro de 1999.

14. Brasil. Portaria MS nº 1.625 de 10 de julho de 2007. Altera atribuições dos profissionais das Equipes de Saúde da Família -ESF dispostas na Política Nacional de Atenção Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 11 de julho de 2007.

15. Brasil. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)/ANVISA 138, de 29 de maio de
2003, dispõe sobre o enquadramento na categoria de venda de medicamentos. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF. 06 de jan. 2004.

16. Brasil. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)/ANVISA 58, de 5 de setembro de
2007, aperfeiçoa o controle e a e fiscalização de substâncias psicotrópicas anorexígenas.
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF. 06 de
set. 2007.

17.
Brasil. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)/ANVISA 63, de 27 de setembro de 2007. Publica a atualização do Anexo I, Listas de Substâncias Entorpecentes, Psicotrópicas, Precursoras e Outras sob Controle Especial, da Portaria SVS/MS nº.344, de 12 de maio de 1998. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF. 28 de set. 2007.

18. Código de Ética Farmacêutico.[Citado 2002 dez. 10]. Disponível em: .

19. Código de Ética Médico. [citado 2003 jan. 12]. Disponível em: .

20. Conselho Federal de Farmácia. Resolução 357, de 27 de abril de 2001. In: Conselho
Federal de Farmácia. A Organização Jurídica da Profissão Farmacêutica. 3a ed. Brasília,
DF: Conselho Federal de Farmácia, 2001: 342.

21. Fuchs FD, Wannmarcher L, Ferreira MB. Farmacologia clínica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004. 1074 p.

22. Leite SN, Vasconcellos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciênc & Saúde Coletiva
2003; 8 (3):775-82.

23. Luiza VL, Gonçalves CBC. A Prescrição Medicamentosa. In: Fuchs FD, Wannmacher L, Ferreira MBC, eds. Farmacologia clínica. fundamentos da terapêutica racional. 3a. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004: 86-95.

24. Milstein-Moscati I, Persano S, Castro LLC. Aspectos metodológicos e comportamentais da adesão à terapêutica. In: Castro LLC, org. Fundamentos de farmacoepidemiologia. Rio de Janeiro: AG Editora; 2000: 171-9.

25. Nemes MIB et al. Aderência ao tratamento por antiretrovirais em serviços públicos
no Estado de São Paulo. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2000.

26. Organização Mundial da Saúde. Guia para a boa prescrição médica. Porto Alegre:
Artmed; 1998.

27. Pepe VLE, Osorio-de-Castro CGS. A interação entre prescritores, dispensadores e
pacientes: informação compartilhada como possível benefício terapêutico. Cad Saúde
Pública 2000; 16:815-22.

28. Pessoa JHL, Balikjan P, Frittella S, Nascimento R, Ribeiro L. Não-adesão à prescrição após atendimento em pronto-socorro pediátrico. Rev Paul Pediatr 1996; 14 (02): 73-7.

29. Stelfox HT, Chua G, O’Rourke K, Detsky AS. Conflict of interest in the debate over calcium-channel antagonists. New Engl J Med 1998; 338:101-6. 30. World Health Organization. Procedure for the Selection of Recommended International. Nonproprietary Names for Pharmaceutical Substances. WHO Drug Information 2001; 15: 136-45.

Fonte

Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos  Formulário Terapêutico Nacional Brasilia , 2008

FARMÁCIA HOSPITALAR - FÁRMACOS EM IDOSOS

FARMÁCIA HOSPITALAR - FÁRMACOS EM IDOSOS




Patrícia Medeiros de Souza,
Leopoldo Luiz Santos,
Celeste Aída Nogueira Silveira

O envelhecimento é processo biológico natural, no qual as funções de diferentes órgãos tornam-se deficientes, alterando a atividade dos medicamentos. A presença de diversas patologias concomitantes também é comum, o que facilita a polifarmácia.
A longevidade é crescente, aumentando a incidência de doenças agudas ou crônicas, com considerável aumento do uso de medicamentos. Isso pode asso-ciar-se a doenças iatrogênicas aumento de hospitalizações.
Como as prescrições são feitas por diferentes profissionais, aumenta o risco de associações medicamentosas prejudiciais, e geralmente não há esforço no sentido de formular esquemas de administração integrados, mais cômodos para o paciente. polifarmácia
Considera-se haver polifarmácia quando há uso desnecessário de pelo menos um medicamento ou presença de cinco ou mais fármacos em associação. Alguns autores consideram também polifarmácia como tempo de consumo exagerado (pelo menos 60 a 90 dias).
A polifarmácia, praticada em grande escala, seja por prescrição médica ou automedicação, favorece a ocorrência de efeitos adversos e interações medicamentosas.
Cautela, pois, deve ocorrer em relação a associações de medicamentos, principalmente em doses fixas. O uso de um medicamento para tratar o efeito adverso de outro (efeito corretivo) é exceção a esse contexto, como, por exemplo, suplementação de potássio para terapia diurética.É grande o impacto da polifarmácia em saúde pública.
Os medicamentos mais consumidos incluem anti-hipertensivos, analgésicos, antiinflamatórios, sedativos e preparações gastrintestinais. Idosos na faixa de 65 a 69 anos consomem em média 13,6 medicamentos prescritos por ano, enquanto aqueles entre 80 a 84 anos podem alcançar 18,2 medicamentos/ano.
Estudo prospectivo1 com acompanhamento de quatro anos mostrou que a polifarmácia ocorreu em 42% dos idosos e que a presença de hipertensão arterial e fibrilação atrial está associada a aumento significativo de fármacos utilizados1.
Em outro estudo,2 efeitos adversos foram responsáveis por 3,4% (964/28.411) das internações, e 4% (40/964) dos pacientes foram a óbito. Para cada medicamento utilizado pelo idoso, existe um aumento de 65% de chance de internação por complicações medicamentosas.
Acresce que o custo de tratamento aumenta com a polifarmácia, principalmente quando os prescritores privilegiam fármacos de introdução recente no mercado3. A maior parte dos gastos relaciona-se com hospitalizações.
Os problemas ou doenças iatrogênicos surgidos aumenta o consumo de novos fármacos. Dessa forma, a polifarmácia torna-se problema de saúde pública, devido ao aumento do custo com os serviços de saúde e medicamentos, sem que isso se traduza em aumento da qualidade de vida da população.
Adesão a tratamento
Idosos não têm necessariamente menor adesão a tratamento do que adultos mais jovens. Porém, as deficiências sensoriais (visão, por exemplo) e de capacidade cognitiva contribuem, respectivamente, para dificuldade de leitura de bulas e instruções e para não-compreensão e esquecimento da prescrição, o que resulta em uso inadequado ou abandono do tratamento. Idosos necessitam de acompanhamento mais próximo e constante orientação. Aqueles com funções cognitivas preservadas terão maior sucesso no tratamento.
Aspectos farmacodinâmicos
Há respostas diferenciadas em idosos, especialmente com respeito a medicamentos sedativos e psicotrópicos, quando se observa efeito paradoxal. A sensibilidade de fármacos varia em função do número de receptores e da capacidade de ligação a eles.
A resposta cardíaca a catecolaminas (estímulos beta-adrenérgicos) é reduzida. Aumento de tônus vagal e redução da sensibilidade de receptores adrenérgicos levam à diminuição da freqüência cardíaca máxima, que se mantém em repouso. Fibrose do sistema de condução e perda de células do nódulo sinoatrial aumentam a chance de arritmias cardíacas. Por espessamento da camada íntima do vaso, há aumento da parede arterial, conseqüentemente estreitando o calibre da artéria e levando à perda de elasticidade. Isso pode predispor ao desenvolvimento de aterosclerose na presença de fatores de risco. Há incremento de pressão arterial sistólica e manutenção da diastólica. A sensibilidade dos barorreceptores diminui, aumentando o risco de hipotensão postural. Essas mudanças podem ser prejudiciais em situações de maior demanda do sistema cardiovascular.
A incidência de doença coronariana aumenta em associação com fatores de risco específicos –fumo, sedentarismo, hiperlipidemia, hipertensão arterial, diabetes e obesidade4.
Há diminuição das reservas pulmonares. Reduz-se a elasticidade do parênquima pulmonar, com diminuição da superfície alveolar total e colapso de pequenas vias aéreas. Enfraquece-se a musculatura respiratória. Menor capacidade pulmonar e menos vigor no ato de tossir, junto à debilidade da ação mucociliar, predispõem a infecções pulmonares 4.
Aspectos farmacocinéticos
O declínio de funções fisiológicas se traduz por alterações em alguns parâmetros farmacocinéticos.
Absorção
As mudanças fisiológicas incluem diminuição da superfície de absorção, diminuição do volume sangüíneo esplâncnico, aumento do pH gástrico e alterações da motilidade do trato gastrintestinal. Observam-se diminuição do pico de concentração sérica e demora no início do efeito (aumento da latência).
Distribuição
Diminui a proporção de água em relação ao peso corporal, com diminuição no volume de distribuição de fármacos, por exemplo, digoxina. Reduz-se também a concentração plasmática protéica em pacientes debilitados ou desnutridos, reduzindo a forma conjugada e permitindo que a forma livre vá mais agilmente a sítio-alvo e emunctórios. Conseqüentemente, o efeito do fármaco aumenta em intensidade (intoxicação), e diminui sua duração.
Há também diminuição de massa corporal, levando a diminuição de fármacos que se ligam ao músculo. O mesmo ocorre com estoques de gorduras, fazendo com que fármacos lipossolúveis não se acumulem no tecido adiposo5.
Biotransformação
Diminuição de fluxo sangüíneo hepático a partir dos 65 anos acarreta alterações nas fases I e II do metabolismo de fármacos. Há conseqüências clínicas quando o metabolismo de fase II resulta em metabólitos ativos que se acumulam, como diazepam. Se os metabólitos são inativos, não há problemas6. Alterações no metabolismo acarretam prolongamento da meia-vida de alguns fármacos e podem alterar a biodisponibilidade daqueles que sofrem metabolismo de primeira passagem.
Excreção
É influenciada principalmente pela função renal. Nos idosos, há diminuição de fluxo renal e filtração glomerular. Fármacos com excreção renal preponderante, aumentam a meia-vida, o que pode resultar em acúmulo e toxicidade, o que ocorre com digoxina, vancomicina e lítio.
Reações adversas
Dados revelam que 10% dos pacientes hospitalizados entre 40-50 anos e 25% dos acima de 80 anos apresentam doenças iatrogênicas, muitas associadas a classes específicas de medicamentos,7 como os cardiovasculares, psicotrópicos, fibrinolíticos e diuréticos.
O termo “cascata da prescrição” (prescribing cascade) tem sido usado para descrever a situação em que o efeito adverso de um fármaco é interpretado incorretamente como nova condição médica que exige nova prescrição, sendo o paciente exposto ao risco de desenvolver efeitos prejudiciais adicionais relacionados a tratamento potencialmente desnecessário8.
Associações medicamentosas
Algumas sinergias são prejudiciais, como as que envolvem álcool e outros depressores do sistema nervoso central (sedativos, antidepressivos, opióides etc.). Essa interação determina anormalidades cognitivas, traumatismos e outros comprometimentos.
Álcool pode potencializar os efeitos dos antiinflamatórios não-esteróides, aumentando o risco de sangramento gástrico. Antiinflamatórios não-esteróides comprometem a eficácia de anti-hipertensivos, diuréticos e inibidores da enzima de conversão de angiotensina. estratégias para melhorar o uso de medicamentos pelo idoso
Frente às peculiaridades do paciente geriátrico, a prescrição medicamentosa deve ser bastante criteriosa, de acordo com os princípios que se seguem:
         Realizar adequada anamnese, revisando antecedentes médicos. Obter história medicamentosa completa, atentando para automedicação e associações medicamentosas.
         Prescrever apenas com indicação específica e cientificamente embasada, definindo claramente os objetivos da terapia proposta.
         Simplificar o regime medicamentoso, quando possível.
         Iniciar com pequenas doses e adequar às respostas desejadas.
         Adequar o esquema de administração às condições clínicas do paciente (insuficiência renal ou hepática, hipoalbuminemia etc.).
         Monitorizar cuidadosamente efeitos adversos.
         Dar orientações repetitivas e certificar-se de que o paciente as incorporou.
         Uma maneira que se mostrou eficaz foi o acompanhamento do paciente idoso por farmacêutico clínico, demonstrando-se redução da prescrição de fármacos não apropriados e diminuição de efeitos adversos9.
Referências

1. Veehof LJ G et al. The development of polypharmacy. a longitudinal study. Fam Pract 2000; 17(3): 261-7.

2. Onder G et al. Adverse drug reactions as cause of hospital admissions: results from the Italian Group of Pharmacoepidemiology in the Elderly (GIFA). J Am Geriatric Soc 2002; 50(12): 1962-86.

3. Bodenheimer TS. Affordable prescriptions for the elderly. JAMA 2001; 286 (14): 1762-3.

4. Azevedo MP, Galvão MPA, Ferreira MBC. Prescrição de medicamentos em odontogeriatria. In: Wannmacher LW, Ferreira MBC, eds. Farmacologia clínica para dentistas. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.

5. Katzung BG. Aspectos especiais da farmacologia geriátrica. In: Katzung BG, ed. Farmacologia básica e clínica. 9ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005: 844-50.

6. Chutka DS et al. Symposium on geriatrics--Part I: Drug prescribing for elderly patients. Mayo Clin Proc 1995; 70 (7): 685-93.

7. Chyka PA. How many deaths occur annually from adverse drug reaction in the United States? Am J Med 2000; 109(2): 122-30.

8. Rochon PA, Gurwitz JH. Optimising drug treatment for elderly people: the prescribing cascade. BMJ 1997; 315: 1096-9.

9. McVeight DM. Polypharmacy in the older population: recommendations for improved clinical practice. Top Emerg Med 2001; 23(3): 68-75.

Fonte

Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos  Formulário Terapêutico Nacional Brasilia , 2008


FARMÁCIA HOSPITALAR - FÁRMACOS EM CRIANÇAS

FARMÁCIA HOSPITALAR - FÁRMACOS EM CRIANÇAS




Eryck Liberato, Patrícia Medeiros Souza,
Celeste Aída Nogueira Silveira e Luciane Cruz Lopes

A prescrição pediátrica deve ser precisa, segura e eficaz. Isso pode ser difícil porque não há suficientes evidências para embasá-la, o que pode acarretar risco para a criança. A aprovação por órgãos reguladores é mais influenciada por considerações comerciais do que clínicas1. Isso resulta em uso de medicamentos não licenciados e prescrição off label. Em geral, pediatras, médicos gerais e outros provêm tratamento com base em sua experiência e julgamento, decidindo sobre indicações, dosagens e formulações.
Na prática clínica, a prescrição racional de medicamentos deve considerar o emprego de dose capaz de gerar efeito farmacológico (eficácia) com mínimos efeitos tóxicos (segurança). Assim, surge a necessidade de se considerarem características fisiológicas da criança, de acordo com seu período de desenvolvimento, e parâmetros farmacocinéticos do fármaco.
As características fisiológicas são variáveis, principalmente na primeira década de vida, acarretando mudanças na funcionalidade de cada órgão4. Durante as fases de crescimento (ver Quadro 3), as crianças estão em contínuo desenvolvimento, quando diferenças e processos de maturação não são matematicamente graduais ou previsíveis.
Quadro 3
Fases de desenvolvimento do ser humano
Fase /idade
·                    pré-natal - 0-9 meses
·                    Embrionária organogênese - 0-3 meses
·                    Fetal - 3-9 meses
·                    Inicial - 3-6 meses
·                    Terminal -6-9 meses
·                    Natal ou perinatal ou intranatal
·                    pós-natal
·                    Infância 0-12 anos
·                    Recém-nascido 0-28 dias
·                    Lactente 0-2 anos
·                    pré-escolar 2-7 anos
·                    Escolar 7-10 anos
·                    Adolescência 10-20 anos
·                    pré-puberal 10 a 12-14 anos
·                    puberal 12-14 a 14-16 anos
·                    pós-puberal 18 a 20 anos
A simples extrapolação de doses de adultos para crianças baseada apenas em peso corporal, área de superfície corporal ou idade  pode trazer conseqüências drásticas. Assim, eficácia e segurança da farmacoterapia nesta fase inicial da vida requerem compreensão completa do desenvolvimento biológico humano e da ontogênese dos processos farmacocinéticos.
O espectro dessas variações se estende desde crianças que nasceram com menos de 36 semanas, tendo imaturidade anatômica e funcional dos órgãos envolvidos nos processos farmacocinéticos, até as que têm mais de oito anos de idade e os adolescentes, em que composição e função dos órgãos aproximam-se das dos adultos jovens4.
Aspectos farmacocinéticos em crianças
Absorção
Logo após o nascimento, o recém-nascido apresenta relativa acloridria; o pH do estômago, praticamente neutro após o parto, decresce para três dentro de quarenta e oito horas e nas vinte e quatro horas seguintes volta a ser neutro, permanecendo assim nos dez dias subseqüentes. A partir de então, há um decréscimo lento e gradual até alcançar valores do adulto por volta dos dois anos de idade. Estas variações de pH não são observadas em prematuros. Eles parecem ter pouco ou nenhum ácido livre durante os primeiros quatorze dias de vida3. O pH intraluminal pode afetar diretamente a estabilidade e o grau de ionização de um fármaco administrado oralmente, influenciando sua absorção.
Esvaziamento gástrico e motilidade intestinal também apresentam alterações na fase inicial da vida. O esvaziamento gástrico pode aumentar cerca de 6 a 8 horas no primeiro ou segundo dia de vida. Fármacos absorvidos primariamente no estômago podem sofrer maior absorção inicialmente, diferentemente dos absorvidos no intestino delgado, que podem ter efeito retardado. O tempo de esvaziamento gástrico se aproxima dos valores dos adultos a partir dos primeiros 6-8 meses de vida.
Em recém-nascidos, o peristaltismo é irregular e lento, ocorrendo aumento do tempo de absorção. Logo, doses usuais podem tornar-se tóxicas. Ao contrário, na vigência de diarréia, o peristaltismo aumentado tende a diminuir o grau de absorção7. Após o nascimento, a alimentação estimula a motilidade gastrintestinal que amadurece durante a primeira infância.
A imaturidade da mucosa intestinal aumenta a permeabilidade, interferindo com absorção intestinal de fármacos e funções biliar e pancreática. Deficiência de sais biliares e de enzimas pancreáticas reduz a absorção de medicamentos que necessitam de solubilização ou hidrólise intraluminal para serem absorvidos. O desenvolvimento dessas funções se dá rapidamente no período pós-natal.
A absorção de fármacos administrados por via intramuscular é afetada pelo reduzido fluxo sangüíneo no músculo esquelético e pelas contrações musculares ineficientes, sobretudo em recém-nascidos. A absorção cutânea de fármacos administrados topicamente aumenta na presença de estrato córneo menos espesso, especialmente em bebês prematuros, maior perfusão cutânea, epiderme mais hidratada e maior relação entre superfície corporal total e peso corpóreo.
A absorção retal não é tão acentuada. Há maior número de contrações pulsáteis de elevada amplitude no reto dos bebês, podendo haver expulsão de fórmulas sólidas de fármacos, diminuindo efetivamente a absorção4. Além disso, o pH local é mais alcalino na maioria das crianças.
Distribuição
A distribuição de fármacos em espaços fisiológicos é dependente de idade e composição corpórea. No recém-nascido, a quantidade total de água está em torno de 78% do peso corporal, a água extracelular é de 45%, e a intracelular corresponde a 34%. Na criança, esses valores são, respectivamente, 60%, 27% e 35%. No adulto, os mesmos parâmetros correspondem a 58%, 17% e 40%, respectivamente. Como muitos fármacos se distribuem através do espaço extracelular, o volume deste compartimento pode ser importante para determinar a concentração do fármaco no seu sítio ativo, sendo mais significante para compostos hidrossolúveis do que para os lipossolúveis.
A distribuição de fármacos com alta ligação a proteínas plasmáticas pode ser influenciada por mudanças em sua concentração. No recém-nascido a termo, a porcentagem de proteína total em relação à massa corpórea total é de 11%, aos quatro meses aumenta para 11,5% e com um ano de idade fica em torno de 15%8. O nível reduzido de proteínas totais do plasma, especialmente de albumina, promove aumento das frações livres de fármacos.
Durante o período neonatal, presença da albumina fetal (com reduzida afinidade de ligação para ácidos fracos) e aumento em bilirrubina e ácidos graxos livres endógenos são capazes de deslocar um fármaco do sítio de ligação na albumina, elevando as frações livres de fármacos, o que aumenta o efeito e acelera a eliminação.
Prematuros, recém-nascidos a termo, lactentes de quadro meses e crianças com um ano de idade têm proporção variável de gordura: cerca de 1%, 14%, 27% e 24,5% do peso corporal, respectivamente. Essa variação pode comprometer diretamente a distribuição de medicamentos lipossolúveis.
A barreira hematoencefálica no recém-nascido é incompleta e facilita, conseqüentemente, a penetração de fármacos no sistema nervoso central5. Haverá maior permeabilidade para fármacos mais lipossolúveis. Além da maior permeabilidade da barreira hematoencefálica em recém-nascidos, há preocupação com a maior suscetibilidade dessa faixa etária a fármacos que atuam no sistema nervoso central, dentre eles os analgésicos.
Biotransformação
O metabolismo hepático sofre alterações de acordo com a idade da criança. As isoformas enzimáticas envolvidas na biotransformação de fármacos (fases I e II) sofrem mudanças específicas4. As isoformas do citocromo P.450 (CYP) seguem três padrões gerais: expressa pelo fígado fetal e ativa para substratos endógenos (CYP3A7); expressas horas após o nascimento (CYP2D6 e CYP2E1); expressas mais tarde no desenvolvimento neonatal (CYP1A2, CYP2C e CYP3A4). CYP1A2 é a última isoforma a ser expressa no fígado humano. A CYP3A4 parece ter regulação tanto no fígado como nos enterócitos6. Outras enzimas também demonstram possuir padrões específicos de regulação durante o desenvolvimento.
Logo, o metabolismo hepático de xenobióticos é especialmente reduzido durante o primeiro mês de vida (a concentração de hepatócitos em neonatos corresponde a menos de 20% da dos adultos)11. Como conseqüência, a imaturidade hepática traduz-se por toxicidade marcante de alguns fármacos em recém-nascidos prematuros ou de baixo peso, como, por exemplo, a síndrome cinzenta associada ao uso de cloranfenicol4. Após maturação das enzimas, fluxo sangüíneo hepático, sistemas de transporte hepático e capacidade funcional do fígado são fatores importantes para a determinação da posologia.
A atividade enzimática do fígado é importante para muitos fármacos de uso oral, cuja biodisponibilidade depende do metabolismo de primeira passagem. Há relato de baixos níveis de atividade enzimática (CYP3A4) observada em crianças até três meses de idade. Quanto às enzimas da fase II, a expressão da beta-glicuronidase aumenta até três anos de idade.
No recém-nascido, a secreção biliar, essencial para eliminação de compostos endógenos e xenobióticos, é incompleta.
Excreção
Ao nascimento, os mecanismos de depuração renal estão comprometidos8. A maturação da função renal começa durante a organogênese fetal e se completa no início da infância. A nefrogênese ocorre a partir de nove semanas de gravidez e se completa na trigésima-sexta semana de gravidez, seguida de mudanças pós-natais no fluxo sangüíneo renal e intra-renal. Em prematuros, a nefrogênese incompleta compromete as funções tubular e glomerular dos rins.
Após o nascimento, a função renal alcança o padrão observado em adultos no primeiro ano de vida. Nas duas primeiras semanas de vida, aumenta a taxa de filtração glomerular devido a maior fluxo sangüíneo renal. Em prematuros, há valores mais baixos de filtração glomerular e mais lento de desenvolvimento durante as primeiras duas semanas pós-parto, em comparação a crianças a termo, assim permanecendo até a quinta semana de vida. Isso é importante para a estimativa da capacidade de eliminação renal em prematuros.
A reabsorção tubular e os processos ativos de secreção e reabsorção tubular podem ser comprometidos por túbulos com tamanho e função limitados, principalmente em prematuros. A maturação desta função leva aproximadamente um ano, e o desenvolvimento completo se dá em torno de três anos de idade. A excreção de sódio em neonatos prematuros parece ser inversa à idade gestacional, possivelmente devido à imaturidade tubular.
Os rins dos recém-nascidos apresentam capacidade reduzida de excretar ácidos orgânicos fracos como penicilinas, sulfonamidas e cefalosporinas. Valores baixos do pH da urina, em relação aos do adulto, podem aumentar a reabsorção de ácidos orgânicos.
Aspectos farmacodinâmicos em crianças
As diferenças farmacodinâmicas entre pacientes pediátricos e adultos ainda não foram exploradas de modo detalhado. Crianças, em franco desenvolvimento e crescimento, acabam sendo mais suscetíveis a certos medicamentos. Pode-se citar o efeito danoso das tetraciclinas na formação dentária e das fluoroquinolonas na cartilagem de crescimento.
Doses para crianças
Não há consenso relativo à determinação da posologia em crianças. Em geral, os cálculos usam peso, superfície corporal e idade, devendo ser individualizados, embora em muitas bulas de medicamentos o fabricante coloque doses de acordo com peso ou faixa etária. Esse cuidado é tanto mais importante, quanto menor for a idade da criança. Os reajustes de dose são necessários até o peso máximo de 25 a 30 kg. Além desse peso, utiliza-se a dose preconizada para adultos.
A dose máxima calculada não deve superar a do adulto. Em algumas situações, especialmente quando o medicamento é novo, pode-se calcular a dose da criança em função da do adulto, utilizando-se valores e fórmulas apresentadas nos Quadros 4, 5 e 6. Porém, se ainda não há doses para crianças, muito provavelmente esse medicamento ainda não foi testado suficientemente, necessitando indicação e monitoramento ainda mais criteriosos. logo, os cálculos individualizados são meras aproximações.
A utilização da superfície corporal baseia-se no fato de que, na criança, ela é maior em relação ao peso do que nos adultos. A razão superfície corporal/ peso varia inversamente com a altura. Prefere-se a utilização da superfície corporal quando o peso da criança for superior a 10 kg. Quando for inferior a esse valor, o próprio peso é utilizado. Assim, a dose do medicamento é apresentada em mg/kg/dia ou mg/m2/dia.
Quando a idade é levada em conta para cálculo de dose, usa-se a regra de Law. Alguns fármacos indicados em crianças têm restrição por idade (ver Quadro 7). Outro aspecto a considerar é a medição da dose de medicamentos por meio de utensílios domésticos. Há variabilidade de volume contidos em diferentes colheres, copos e outros recipientes. Assim, é preferível escolher preparados comerciais que contenham suas próprias medidas com visível calibragem.
Quadro 4
Fatores para cálculo estimado da superfície corporal em crianças (Adaptado de Burg)
peso (kg)
Fator 1
Fator 2
0-5
0,05
0,05
5-10
0,04
0,10
10-20
0,03
0,20
20-40
0,02
0,40
Superfície corporal = peso x fator 1 x fator 2
Quadro 5 : Determinação da posologia com base na área de superfície corporal (Adaptado de Koren)
Peso (em kg)
Idade
Aárea de Superficie Corporal (m2)
Percentagem da dose aproximada do adulto %
3
Recém-nascido
0,20
12
6
3 meses
0,30
18
10
1 ano
0,45
28
20
5,5 anos
0,80
48
30
9 anos
1,00
60
40
12 anos
1,30
78
50
14 anos
1,50
90
60
Adulto
1,70
102
70
Adulto
1,73
103
Por exemplo: se a dose de um adulto de 70 kg for 1mg/kg, a dose para lactente de três meses deve ser de aproximadamente 2mg/kg (18% de 70 mg/6 kg).
Quadro 6 : Regras e fórmulas para cálculo de dose com base no peso do paciente12
Nome da regra ou fórmula
Particularidade da regra
Fórmula
Regra de Clark
Peso corporal < 30kg
DP = DA x peso da criança (kg)
70 kg
Regra de Law
< 1 ano de idade
DP = idade da criança (meses) x DA
150
Fórmula de Yong
1ª 12 anos de idade
DP = idade da criança (anos) x DA
(Idade da criança + 120
DP = dose pediátrica DA = dose do adulto já estabelecida
Quadro 7 : Medicamentos com restrição por idade (Adaptado de WHO15)
Medicamento/ Restrição
·                    Atropina só em maiores de 3 meses
·                    Azitromicina só em maiores de 6 meses
·                    Benzoato de benzila só em maiores de 2 anos
·                    Cefazolina só em maiores de 1 mês
·                    Clorfeniramina só em maiores de 1 ano
·                    Clindamicina só em maiores de 1 mês
·                    Doxiciclina só em maiores de 8 anos
·                    Efavirenz só em maiores de 3 anos
·                    Fluoxetina só em maiores de 8 anos
·                    Ibuprofeno só em maiores de 3 meses
·                    Mefloquina só em maiores de 3 meses
·                    penicilina procaína só em maiores de 1 mês
·                    prometazina só em maiores de 2 anos
·                    Sulfadiazina de prata só em maiores de 2 meses
·                    Trimetoprima só em maiores de 6 meses
Formulações para crianças: orientações e cuidados
Para uso oral
Para crianças, especialmente de pouca idade, a palatabilidade das formas farmacêuticas líquidas é aspecto a considerar no sentido de facilitar a adesão ao tratamento.
Formulação como elixir que contém álcool como adjuvante é desaconselhada. Mesmo que o álcool esteja em pequena quantidade, desconhece-se quanto o fígado ainda imaturo pode metabolizá-lo.
Edulcorantes são outros adjuvantes freqüentemente utilizados para tornar mais palatáveis as formulações orais para crianças. Estudo que avaliou 449 xaropes em apresentações pediátricas (incluindo antitussígenos, antimicrobianos, analgésicos, antieméticos e antiparasitários) mostrou que 82% deles continham açúcar, o que contra-indica seu uso em crianças diabéticas e favorece o aparecimento de cáries dentárias. Aspartame como adoçante também aparece em preparações pediátricas. Mostrou potencial carcinogênico em ratos, na dose diária equivalente à utilizada em humanos. Mulheres grávidas não devem consumir esse adoçante que pode passar diretamente para o feto, causando-lhe mal formação cerebral.
A placenta pode concentrar a fenilalanina presente no adoçante, causando fenilcetonúria em indivíduos que têm deficiência da enzima fenilalanina hidroxilase.
Corantes também são empregados em formulações para crianças. Amarelo de tartrazina, por exemplo, tem estrutura química semelhante à de salicilatos, benzoatos e indometacina, possibilitando reações alérgicas cruzadas com esses fármacos16. A Câmara Técnica de Alimentos da Anvisa e a Universidade Federal Fluminense estão avaliando evidências clínicas do potencial alergênico daquele corante. Os dados ainda não são conclusivos para que seja acrescentado aviso de precaução no rótulo.
Para uso injetável
A administração intravenosa de fármacos em recém-nascidos requer atenção especial devido a pequeno calibre das veias, presença de maior camada adiposa e emprego de pequenos volumes (expondo a erros de diluição).
Os excipientes presentes em algumas das formulações intravenosas podem causar diversos efeitos adversos. Há relatos de hiperosmolaridade resultante da administração intravenosa de preparação de multivitamínicos contendo propilenoglicol.
Propilenoglicol, álcool benzílico e polietilenoglicol causam toxicidade em neonatos devido à função renal imatura.
Preparações injetáveis contendo álcool benzílico têm sido relacionadas à ocorrência de síndrome respiratória em prematuros e crianças. Possivelmente, seu metabólito promove acidose metabólica, o que aumenta a hemorragia intraventricular e conseqüente mortalidade.
Para uso tópico
A aplicação cutânea de alguns fármacos, pela maior permeabilidade da pele infantil, pode gerar efeitos sistêmicos, principalmente sob curativos oclusivos ou por tempo prolongado ou em grandes extensões de pele. É o caso do emprego de corticóides tópicos, por exemplo. Deve-se ter cautela também em relação a formulações iodadas, vaselina salicílica, cânfora, mercúrio e hexaclorofeno19.
Interações de medicamentos e alimentos

É relevante avaliar essa interação em crianças, quando a aceitação do medicamento é por vezes dificultosa, obrigando os responsáveis a misturar o fármaco com alimentos para otimizar a aceitação. A interação pode anular ou potencializar o efeito do medicamento em uso, sendo dado de fundamental conhecimento12.
Adesão a tratamento
Costuma ser mais difícil obter adesão a tratamento em paciente pediátrico, pois depende de compreensão e esforço de pais e responsáveis. Além disso, perdas são freqüentes quando a criança não deglute adequadamente.
Referências
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4. Kearns GL, Abdel-Rahman SM, Alander SW, Blowey DL, Leeder JS, Kauffman RE. Developmental pharmacology: drug disposition, action, and therapy in infants and children. N Engl J Med 2003; 349:1157-67.
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9. Labaune J-P. Farmacocinética. São Paulo: Andrei; 1993. 200 p.
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11. Piñeiro-Carrero VM, Piñeiro EO. Liver. Pediatrics 2004; 113; 1097-1106.
12. Mello ED. Prescrição de medicamentos em pediatria. In: Fuchs FD, Wannmacher L, Ferreira MBC, eds. Farmacologia clínica: fundamentos da terapêutica racional. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004: 942-8.
13. Burg FD, Bourret JA. Current pediatric drugs. Philadelphia: Saunders; 1994:135.
14. Koren G. Aspectos especiais de farmacologia perinatal e pediátrica. In: Katzung BG. Farmacologia básica e clínica. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003: 889-98.
15. World Health Organization. WHO Model List of Essential Medicines for Children. First List, October 2007. [Cited 2008 Jan 10]. Available from: .
16. Balbani APS, Stelzer LB, Montovani JC. Excipientes de medicamentos e as informações da bula. Rev Bras Otorrinolaringol 2006; 72 (3):400-6.
17. Soffritti M, Belpoggi F, Tibaldi E, Esposti DD, Lauriola M. Life-span exposure to low doses of aspartame beginning during prenatal life increases cancer effects in rats. Environ Health Perspect 2007; 115(9):1293-97.
18. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. (ANVISA). Informes Técnicos no 30 de 24 de julho de 2007. Câmara Técnica de Alimentos.Disponível em: .
19. Autret-Leca E, Bensouda-Grimaldi L, Le Guellec C, Jonville-Béra AP. L’enfant et les médicaments: application à la prescription en pédiatrie. Arch Pédiatr 2006; 13: 181–5.
20. Giacoia GP, Mattison DR. Selected Proceedings of the NICHD/FDA newborn drug development initiative: Part II. Clin Ther 2005; 27 (6):796-813.

Fonte

Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos  Formulário Terapêutico Nacional Brasilia , 2008