A IMPORTÂNCIA DA
FARMACOVIGILÂNCIA PARTE 1
Organização
Mundial da Saúde. Departamento de Medicamentos Essenciais e Outros
Medicamentos. A importância da Farmacovigilância / Organização Mundial da Saúde
– Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005. Monitorização da
segurança dos medicamentos).
Título original:
THE IMPORTANCE OF
PHAMACOVIGILANCE .(ISBN 85-87943-34-0)
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
Os
objetivos deste documento são:
•
apresentar as razões por que a farmacovigilância é importante;
•
registrar seu crescimento e potencial como disciplina significativa nas
ciências
médicas;
e
•
descrever seu impacto no bem-estar dos pacientes e na saúde pública.
Este
documento realça a necessidade de análise crítica dos pontos positivos e
negativos dos sistemas atuais de farmacovigilância, a fim de aumentar seu
impacto. Antecipa o desenvolvimento necessário para enfrentar os desafios dos
próximos dez anos. Argumenta que abordagens distintas, adotadas por países
diferentes, com respeito às suas necessidades individuais devem ser apoiadas e
incentivadas. O documento também realça a importância de colaboração e
comunicação nos âmbitos local, regional e internacional, para assegurar que a
farmacovigilância proporcione o máximo de benefícios possível.
A
farmacovigilância e todas as questões de segurança de medicamentos são
pertinentes a todos os que têm sua vida afetada, de uma forma ou de outra, por
intervenções médicas. Este documento destina-se a diversos tipos de leitores:
profissionais
responsáveis pelo desenvolvimento de políticas em todas as esferas da saúde,
particularmente os que se ocupam das políticas de medicamentos; equipes e
consultores das autoridades regulatórias nacionais de medicamentos;
profissionais da saúde, incluindo-se médicos, enfermeiros e farmacêuticos;
executivos e cientistas de indústrias farmacêuticas; equipe profissional dos
centros nacionais de farmacovigilância; editores de periódicos médicos e
científicos; epidemiologistas; economistas da saúde; equipes profissionais dos
centros de intoxicação e centros de informações sobre medicamentos;
administradores da saúde; grupos de consumidores e grupos de apoio a pacientes;
advogados da área da Saúde; faculdades de ciências de saúde; e leigo
interessado.
ABREVIAÇÕES COMUNS UTILIZADAS
NESTE DOCUMENTO
RAM
Reação Adversa a Medicamentos.
ICH International Conference on Harmonization
(Conferência Internacional sobre Harmonização).
UMC
the Uppsala Monitoring Centre (Centro Colaborador da OMS para Monitorização
Internacional de Medicamentos).
OMS Organização Mundial da Saúde.
Outras
abreviações e termos especializados encontram-se no Glossário.
CAPÍTULO 2
BREVE HISTÓRIA DO
ENVOLVIMENTO DA OMS COM A MONITORIZAÇÃO
DA SEGURANÇA DE
MEDICAMENTOS
Este
capítulo introduz os acontecimentos e as idéias que embasaram o surgimento e o
desenvolvimento inicial da farmacovigilância ao longo dos últimos trinta anos,
sob a égide da Organização Mundial da Saúde. Em 2002, mais de sessenta e cinco
países tinham seu próprio centro de farmacovigilância. A participação no
Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos da OMS é coordenada
pelo Centro Colaborador da OMS para Monitorização Internacional de
Medicamentos, conhecido como the Uppsala Monitoring Centre (UMC).
Descreve-se
também a evolução da farmacovigilância nos últimos anos e sua importância
crescente como ciência crítica da prática clínica efetiva e da ciência da saúde
pública. Os centros nacionais de farmacovigilância tornaram-se influência
significativa sobre as autoridades regulatórias de medicamento num período em
que as preocupações com segurança de medicamentos tornaram-se cada vez mais
importantes na saúde pública e prática clínica. A farmacovigilância está agora
firmemente apoiada em princípios científicos e é parte integrante da prática
clínica efetiva. A disciplina precisa se desenvolver
ainda
mais para atender às expectativas públicas e às demandas da saúde pública
moderna.
Antecedentes
De
acordo com o artigo 2.o da sua constituição, a Organização Mundial da Saúde tem
autorização de seus Estados-membros para desenvolver, estabelecer e promover
padrões internacionais com respeito a produtos alimentícios, biológicos,
farmacêuticos e congêneres.
Há
também uma cláusula no artigo 21 da constituição da Assembléia Mundial da Saúde
sobre a adoção de regulamentos relacionados a padrões de segurança, pureza e
potência de produtos biológicos, farmacêuticos e congêneres existentes no
comércio internacional.
Especialmente
depois da tragédia causada pela talidomida, em 1961, foram feitos os primeiros
esforços internacionais sistemáticos para abordar questões de segurança de
medicamentos. Naquela época, nasceram milhares de crianças com má-formação
congênita como resultado da exposição, ainda no útero, a um medicamento inseguro
indicado para uso em mulheres grávidas. A décima-sexta Assembléia Mundial da
Saúde (1963) adotou uma resolução (WHA 16.36) que reafirmou a necessidade de
ações imediatas em relação à disseminação rápida de informações sobre reações
adversas a medicamentos e que conduziu, posteriormente, à criação do Projeto de
Pesquisa Piloto para a Monitorização Internacional de Medicamentos da OMS em
1968. Seu propósito era desenvolver um sistema aplicável na esfera
internacional, para identificar previamente efeitos adversos a medicamentos
desconhecidos ou pouco estudados. Em seguida, a OMS produziu um relatório
técnico com base na reunião consultiva realizada em 1971.
Desse
começo, emergiram a prática e a ciência da farmacovigilância. Sistemas
foram desenvolvidos nos Estados-membros
para a coleta e avaliação de casos individuais de RAMs. A junção das
notificações internacionais de RAMs numa base central de dados desempenharia a
importante função de contribuir para o trabalho das autoridades regulatórias
nacionais de medicamentos, para melhorar o perfil de segurança dos medicamentos
e ajudar a evitar outras tragédias.
Do piloto para a
permanência
As
principais realizações da reunião consultiva da OMS em 1971 foram:
• defender o estabelecimento de centros
nacionais para monitorização de medicamentos;
• fornecer diretrizes; e
• identificar a contribuição que os
centros nacionais podem oferecer ao sistema internacional.
Diante
disso, esperava-se que o tempo necessário para reconhecer que um medicamento
produz uma reação adversa poderia ser reduzido, e a importância da reação, mais
prontamente avaliada. Percebeu-se que
• os dados coletados pelos profissionais
da saúde,
• a monitorização sistemática das
populações,
• a revisão das estatísticas da saúde e
dos dados sobre consumo ou uso
de
medicamentos e
• a análise efetiva de dados das
notificações eram elementos necessários para que os objetivos da
farmacovigilância fossem alcançados.
Atenção
especial precisaria ser dada aos medicamentos novos. Centros de referência
especializados seriam requisitados para fornecer dados adicionais aos centros
nacionais e para investigar problemas específicos de segurança de medicamentos.
Desde
o começo do Programa Internacional, em 1968, muito já foi realizado:
• o projeto piloto estendeu seu âmbito
de abrangência, compondo o Programa Internacional de Monitorização de
Medicamentos da OMS, ora coordenado pelo the Uppsala Monitoring Centre (UMC) em
Uppsala, Suécia, com supervisão de um comitê internacional;
• o Programa expandiu-se para incluir
mais de sessenta países-membros;
• em muitos países, desenvolveram-se
centros de notificação, grupos interessados, faculdades de medicina e
departamentos de farmacologia locais, dedicados à questão, centros de
informações sobre medicamentos e centros de intoxicação e outras organizações
não-governamentais;
• a idéia de que centros de
farmacovigilância eram um luxo restrito ao mundo desenvolvido foi substituída
pela consciência de que um sistema confiável de farmacovigilância é necessário
à saúde pública e ao uso racional, seguro de medicamentos e custo-efetivo em
todos os países. Onde não existe nenhuma infra-estrutura regulatória
estabelecida, um sistema de monitorização de medicamentos é uma forma efetiva e
custo-eficiente de identificar e minimizar os danos aos pacientes e evitar
tragédias em potencial. Interesse profissional
A
instituição da Sociedade Internacional de Farmacoepidemiologia (ISPE), em 1984,
e da Sociedade Européia de Farmacovigilância (ESOP), mais tarde ISoP (Sociedade
Internacional de Farmacovigilância), em 1992, marcou formalmente a introdução
da farmacovigilância na pesquisa e no mundo acadêmico e sua integração
crescente com a prática clínica. Surgiram periódicos médicos específicos, e
vários países 6 Breve história do envolvimento da OMS com a monitorização da
segurança de medicamentos implementaram sistemas ativos de vigilância para
complementar os métodos convencionais de monitorização de medicamentos. São
exemplos de tais sistemas:
• a monitorização de eventos
relacionados a prescrição (Prescription Event Monitoring - PEM) na Nova
Zelândia e no Reino Unido;
• • os sistemas de conexão de registros
entre diferentes bases de dados (record linkage systems) nos Estados Unidos da
América e Canadá;
• • os estudos de caso-controle nos Estados
Unidos da América.
As
atividades da Farmacovigilância também evoluíram como atividades regulatórias.
No início dos anos 80, em colaboração intensa com a OMS, o Conselho para
Organizações Internacionais das Ciências Médicas (the Council for International
Organizations of Medical Sciences – CIOMS) lançou seu programa de
desenvolvimento e uso de medicamentos.
O
CIOMS promoveu um fórum destinado a profissionais responsáveis pelo
desenvolvimento de políticas, empresas farmacêuticas, representantes do Governo
e integrantes do meio acadêmico, com a finalidade de fazer recomendações sobre
a comunicação de informações sobre segurança entre reguladores e a indústria
farmacêutica. A adoção de muitas das recomendações do CIOMS pela Conferência
Internacional sobre Harmonização
(International
Conference on Harmonization – ICH), nos anos noventa, teve impacto notável na
regulação internacional de medicamentos. Ampliando horizontes
Na
última década, houve conscientização crescente de que o escopo da
farmacovigilância deveria ser estendido além dos limites rígidos da
identificação de novos sinais relativos a segurança. A globalização, o
consumismo, a explosão do livre comércio, a comunicação entre fronteiras e o
uso crescente da Internet resultaram numa mudança do acesso a todos os
medicamentos e às informações sobre eles. Essas mudanças fizeram surgir novos
tipos de questões relativas à segurança, como, por exemplo:
• venda ilegal de medicamentos e drogas
de abuso pela Internet;
• prática crescente de automedicação;
• práticas irracionais e potencialmente
inseguras de doação de medicamentos;
• ampla fabricação e venda de
medicamentos falsificados e de baixa qualidade;
• uso crescente de medicamentos
tradicionais fora do âmbito da cultura de uso tradicional;
• uso crescente de medicamentos
tradicionais e plantas medicinais com outros medicamentos com potencial para
interações medicamentosas adversas.
Há
necessidade de se reconsiderar a prática da farmacovigilância, observada a
falta de definição clara das fronteiras entre:
• alimentos;
• medicamentos (incluem-se medicamentos
tradicionais, medicamentos fitoterápicos e “produtos naturais”);
• produtos para a saúde; e
• cosméticos.
A
crescente expectativa pública de segurança em relação a todos esses itens
adiciona outra dimensão de pressão para mudanças. Os centros nacionais de
farmacovigilância não estão em condições de tratar sozinhos todas essas
questões de segurança, mas são especialmente capazes de identificá-los e de se
anteciparem ao impacto de tais problemas na segurança dos pacientes. Por meio
de fortes ligações com a autoridade regulatória nacional de medicamentos, bem
como com outros países, os centros nacionais estão em posição de influenciar as
decisões sobre medicamentos e outras políticas relacionadas à saúde.
O propósito da
farmacovigilância
A
farmacovigilância consiste da ciência e das atividades relativas à detecção,
avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou quaisquer outros
possíveis problemas relacionados a medicamentos. Recentemente, seu campo de
atuação foi ampliado .
- produtos fitoterápicos;
- medicamentos tradicionais e
complementares;
- hemoterápicos;
- produtos biológicos;
- produtos para a saúde;
- vacinas.
Muitas outras questões
também são de relevância para a ciência:
• medicamentos de baixa qualidade;
• erros de medicação;
• notificações de perda de eficácia;
• uso de medicamentos para indicações
não aprovadas e para as quais não há base científica adequada (off lable use);
• notificações de casos de intoxicação
aguda e crônica;
• avaliação da mortalidade relacionada a
medicamentos;
• abuso e uso indevido de medicamentos;
• interações medicamentosas adversas com
substâncias químicas, outros medicamentos e alimentos.
Os objetivos específicos
de farmacovigilância são:
•
melhorar o cuidado com o paciente e a segurança em relação ao uso de
medicamentos e a todas as intervenções médicas e paramédicas;
•
melhorar a saúde pública e a segurança em relação ao uso de medicamentos; •
contribuir para a avaliação dos benefícios, danos, efetividade e riscos dos medicamentos, incentivando sua utilização
de forma segura, racional e mais efetiva (inclui-se o uso custo-efetivo); e
•
promover a compreensão, educação e capacitação clínica em
farmacovigilância e sua comunicação
efetiva ao público.
A
farmacovigilância se desenvolveu e continuará a se desenvolver como
resposta a necessidades especiais,
pautando-se nos pontos fortes específicos dos membros do Programa da OMS e indo
além deles. Tal influência ativa precisa ser encorajada e nutrida; é uma fonte
de vigor e originalidade que tem contribuído muito para a prática e os padrões
internacionais.
CAPÍTULO 3
PARCEIROS DA
FARMACOVIGILÂNCIA
Há
relação complexa e vital entre uma ampla gama de parceiros na práticada
monitorização da segurança de medicamentos. Colaboração contínua e
comprometimento são vitais se se pretendem enfrentar os desafios futuros da
farmacovigilância
e fazer com que a área continui a se desenvolver e desabroche. Esses parceiros
devem, em conjunto, antecipar-se às demandas continuamente crescentes e às
expectativas do público, dos administradores da saúde, profissionais
responsáveis pelo desenvolvimento de políticas, políticos e profissionais da
saúde, compreender essas demandas e responder a elas. Há poucas chances de que
isso ocorra na ausência de sistemas abrangentes e confiáveis que tornem tal
colaboração possível. Os parceiros envolvidos e as limitações presentes sob as
quais funcionam são descritos neste capítulo. As limitações incluem
capacitação, recursos, apoio político e, especialmente, infra-estrutura
científica. Entender e trabalhar tais questões prepararia o cenário para o
desenvolvimento futuro da ciência e da prática da
farmacovigilância.
A
equipe do the WHO Quality Assurance and Safety: Medicines (Garantia de
Qualidade e Segurança de Medicamentos da OMS) é responsável por orientação e
apoio aos países em questões de segurança de medicamentos. A equipe é parte do
Departamento de Medicamentos Essenciais e Política de Medicamentos, dentro do
conjunto Tecnologia da Saúde e Medicamentos da OMS. O propósito do departamento
é: ajudar a salvar vidas e melhorar a saúde, diminuindo a enorme distância
entre o potencial que os medicamentos essenciais têm a oferecer e a realidade
de milhões de pessoas, particularmente os pobres e desfavorecidos quanto a
indisponibilidade, inacesibilidades, insegurança ou uso indevido de
medicamentos.
A
OMS trabalha para cumprir essa missão, provendo orientação global sobre
medicamentos essenciais e trabalhando com os países para implementar políticas
nacionais de medicamentos.
Tais políticas são
elaboradas para assegurar:
• eqüidade de acesso aos medicamentos
essenciais;
• qualidade e segurança de medicamentos;
• uso racional de medicamentos.
O
objetivo explícito da equipe do Quality Assurance and Safety: Medicines é:
• preservar a qualidade, segurança e
eficácia de todos os medicamentos, fortalecendo e pondo em prática padrões
regulatórios e padrões de garantia da qualidade. Para que essa política atinja
seus objetivos, o escopo da farmacovigilância precisa ser expandido para
envolver a segurança de todas as tecnologias relacionadas à saúde, incluindo-se
medicamentos, vacinas, hemoterápicos, medicamentos biotecnológicos,
medicamentos fitoterápicos e medicamentos tradicionais.
The Uppsala Monitoring
Centre
A
função principal do the Uppsala Monitoring Centre é administrar a base de
dados internacional de notificações de
RAM recebidas dos centros nacionais. Em 2002, essa base de dados registrou
quase três milhões de notificações de casos. A maioria dos centros nacionais
que contribuem tem fácil acesso eletrônico à base de dados. O UMC estabeleceu
notificações padronizadas para todos os centros nacionais e facilitou a
comunicação entre os países para
promover a identificação rápida de sinais.
Um
programa sofisticado, baseado em uma rede neural – Bayesian Confidence
Propagation
Neural Network (BCPNN) – foi elaborado em 1998. Esse programa
automatiza
parcialmente o sistema de detecção de sinal e fornece sinais de alerta
precocemente aos métodos anteriores(8).
A
efetividade desse sistema depende:
• do tamanho da base de dados;
• da qualidade das notificações
recebidas dos centros colaboradores;
• do momento (oportuno) em que tais
notificações são feitas;
• cultura de notificação ativa e segura
dentro dos países participantes.
Um
painel de consultores internacionais, especialistas clínicos, determina a
validade e a importância clínica dos sinais gerados.
Nos
últimos anos, o UMC ampliou seu papel como centro de comunicação e capacitação
e como sede de informações sobre segurança de medicamentos. Por meio de
•
grupos de discussão (correio eletrônico e via postal),
•
desenvolvimento de páginas eletrônicas da Internet,
•
boletins informativos e
•
reuniões anuais dos centros nacionais,
A
equipe do UMC, em colaboração com a OMS, facilita e encoraja a colaboração
internacional, que foi considerada, em 1972, vital para o sucesso da
farmacovigilância. As terminologias desenvolvidas dentro do programa da OMS
para codificar as reações adversas e medicamentos foram adotadas amplamente
pelos centros nacionais, indústrias farmacêuticas e reguladores de
medicamentos. Nos últimos anos, a introdução de nova terminologia, conhecida
como MedDRA (Medical Dictionary for Drug Regulatory Activities – Dicionário
Médico para Atividades Regulatórias de Medicamentos), substituiu
a
Terminologia de Reações Adversas da OMS (WHO-ART) nos países desenvolvidos.
No
entanto o WHO-ART permanece como o principal elemento da comunicação de reações
adversas na maioria dos países em desenvolvimento dentro do Programa
Internacional.
Outro
projeto do UMC é a criação de um sistema de monitorização de RAM para
medicamentos fitoterápicos e tradicionais. (A importância crescente de tal
sistema é tratada no Capítulo 4, que aborda Regulação de Medicamentos.)
Apesar
de o UMC ter contribuído muito, melhorando as atividades, o apoio e o
reconhecimento dos centros nacionais em cada país, muito ainda poderia ser
feito quanto a capacitação e estímulo a especialização em âmbito nacional. Há
necessidade de consultas e comunicação mais bem qualificadas entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento quando discussões sobre harmonização
internacional das questões da farmacovigilância estiverem em pauta.
A
comunicação mais efetiva de informações está sendo promovida e encorajada pelo
Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos da OMS e o UMC. Eles
estão trabalhando para desempenhar um papel mais pró-ativo no trabalho em
conjunto com os países na abordagem de questões específicas de segurança e
estabelecendo um sistema que tornaria possível a avaliação das questões de
segurança de importância internacional por organismo supranacional de
especialistas. Um exemplo de tal sistema, como o aplicado à segurança das
vacinas, é descrito no Capítulo 6
Centros Nacionais de
Farmacovigilância
No
momento, a vigilância pós-comercialização de medicamentos é coordenada,
principalmente, pelos centros nacionais de farmacovigilância. Em colaboração
com o UMC, os centros nacionais alcançaram muito quanto a:
• coleta e análise das notificações de
casos de RAM;
• distinção de sinais advindos de
rumores;
• decisões regulatórias na fase de
fortalecimento de sinal;
• alerta aos prescritores, fabricantes e
ao público sobre novos riscos de reações adversas.
O
número de centros nacionais que participam do Programa Internacional de
Monitorização de Medicamentos da OMS aumentou de 10, em 1968, quando o Programa
começou, para 67 em 2002. Os centros variam consideravelmente em tamanho,
recursos, estrutura de apoio e escopo das atividades. Sua atividade precípua é
a coleta de notificações espontâneas
de
suspeitas de RAMs.
Os
centros nacionais tiveram papel significativo no aumento da conscientização
pública quanto à segurança dos medicamentos. Como resultado, a farmacovigilância,
cada vez mais, é vista como mais que uma atividade regulatória, tendo também
papel importante a desempenhar na prática
clínica e no desenvolvimento de políticas de saúde pública. Esse
desenvolvimento é, em parte, atribuível ao fato de que muitos centros nacionais
e regionais estão localizados dentro de hospitais, faculdades de medicina ou
centros de intoxicação e centros de informação sobre medicamentos, em vez de
estarem reservados à autoridade regulatória de medicamentos.
O
escopo das atividades dos centros nacionais expandiu-se para incluir
comunicação de informações sobre benefícios, danos, efetividade e riscos aos
profissionais da saúde, aos pacientes e ao público. Os principais centros dos
países desenvolvidos estabeleceram programas de vigilância ativa, utilizando
sistemas de conexão de registros entre diferentes bases de dados (record
linkage systems) e de monitorização de eventos relacionados à prescrição
(Prescription Event Monitoring – PEM) para coletar informações epidemiológicas
sobre reações adversas a medicamentos específicos.
Tais
sistemas já foram implementados na Nova Zelândia, no Reino Unido, na Suécia e
nos Estados Unidos de América.
Na
natureza do seu trabalho, os centros nacionais também já se familiarizaram com
as crises, reais ou criadas, de temor a medicamentos, as quais eles têm
administrado com sucesso variável. Alguns centros também estão envolvidos na
capacitação, em farmacovigilância e importância das notificações das RAMs, de
estudantes universitários e profissionais qualificados da saúde. A extensão de
tais atividades varia entre os países.
A
fonte e extensão dos recursos financeiros dos diferentes centros nacionais
variam significativamente. A maioria dos ministérios da saúde mantém seus
centros nacionais pelo menos em parte. O custo total de um sistema de
farmacovigilância, comparado com os gastos nacionais em medicamentos ou o custo
das RAMs para a nação, é certamente muito baixo.
Com
a rápida divulgação das informações sobre medicamentos pelo mundo, há, reconhecidamente,
a necessidade de comunicação rápida e rotineira entre os centros nacionais e as
autoridades regulatórias nacionais. Muitas autoridades regulatórias, em
diferentes regiões do mundo, desenvolveram laços, umas com as outras, para
discutir dados de segurança obtidos sobre medicamentos específicos e sobre as
decisões no campo regulatório tomadas em resposta a eles.
Políticas
e diretrizes regulatórias são freqüentemente debatidas entre os centros
nacionais. A Conferência Internacional para Autoridades Regulatórias de
Medicamentos (International Conference for Drug Regulatory Authorities -
ICDRA), as reuniões anuais dos centros nacionais de farmacovigilância que
participam do Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos da OMS e
outras conferências semelhantes facilitam tais discussões.
O
desenvolvimento da farmacoepidemiologia como disciplina não teria ocorrido sem
os esforços colaboradores da indústria farmacêutica e da universidade. A
infra-estrutura das bases de dados, registros e estudos publicados para apoiar
as atividades de vigilância pós-comercialização podem, em grande parte, ser
atribuídas às necessidades da indústria farmacêutica e das autoridades em
medicamentos. Os conceitos de avaliação de risco e gerenciamento de risco, emprestados
do setor financeiro, foram modificados para refletir as necessidades da
assistência à saúde.
A
indústria farmacêutica tem responsabilidade primordial pela segurança dos
medicamentos. Os fabricantes estão em posição privilegiada para monitorar a
segurança dos medicamentos no começo do desenvolvimento e ao longo da vida do
medicamento. Muitas empresas desenvolveram sistemas de monitorização inovadores
e eficientes, que têm contribuído para a identificação de novos sinais
relativos a segurança. A indústria farmacêutica tem alcançado
grandes
avanços tecnológicos no desenvolvimento de medicamentos, os quais melhoraram a
segurança desses novos produtos.
O
número de profissionais na indústria farmacêutica envolvidos com a
farmacovigilância está crescendo. Isto se dá em resposta aos altos padrões
regulatórios que foram estabelecidos nas esferas nacional e internacional e à
crescente exigência de monitorização pós-comercialização do medicamento pelas
autoridades regulatórias nacionais de medicamentos. A comunicação e a troca de
informações entre a indústria e as autoridades regulatórias melhoraram como
resultado da organização regional e internacional de harmonização que emergiu
em anos recentes. A educação profissional continuada, a educação do paciente e
o patrocínio da indústria às atividades relativas à informação sobre
medicamentos também contribuíram para o seu uso seguro.
Hospitais universitários
Os
esforços da farmacologia clínica e dos departamentos de farmácia ao redor do
mundo resultaram no desenvolvimento da farmacovigilância como disciplina
clínica. Várias instituições médicas desenvolveram sistemas de vigilância a
reações adversas e erros de medicação em suas clínicas, enfermarias e salas de
emergência. Estudos caso-controle e outros métodos farmacoepidemiológicos têm
sido, cada vez mais, usados para estimar os danos associados aos medicamentos
durante sua comercialização.
A
expansão do conhecimento científico sobre segurança de medicamentos pode ser
atribuída à maior conscientização e interesse acadêmico nesse campo. Centros
universitários de farmacologia e farmácia tem desempenhado papel importante por
meio de ensino, capacitação, pesquisa, desenvolvimento de políticas,
investigações clínicas, comitês de ética (conselhos institucionais de revisão)
e dos serviços clínicos que proporcionam(12). Em muitas instituições médicas,
particularmente nos países desenvolvidos, a monitorização de RAMs é reconhecida
como uma atividade essencial de garantia da qualidade.
É
preciso que haja ainda maior integração da farmacovigilância com a prática
clínica. A segurança de medicamentos deveria constar dos currículos dos cursos
de Medicina e Farmácia. Atualmente o acesso a informações atualizadas,
imparciais e clinicamente relevantes sobre medicamentos é inadequado. A
pesquisa e a capacitação em cursos de pós-graduação nessa área permanecem
negligenciadas por muitas escolas de Ciências da Saúde. A crescente aliança
entre a indústria a universidade e as autoridades regulatórias de medicamentos
tem implicações para a farmacovigilância. Esses assuntos são abordados nos
Capítulos 4 e 5 .
Profissionais da saúde
O
sucesso ou fracasso de qualquer sistema de notificação espontânea depende da
participação ativa dos notificadores. Embora esquemas limitados de notificações
feitas por pacientes tenham-se iniciado recentemente, os profissionais da saúde
vêm sendo os principais provedores de notificações de suspeita de casos de RAMs
ao longo da história da farmacovigilância.
Originalmente,
os médicos eram os únicos profissionais convidados a notificar, na forma de
julgamento, se uma doença ou medicamento causava certo sintoma por sua
habilidade de executar diagnóstico diferencial. Argumentou-se que o aceite de
notificações de RAMs somente de médicos asseguraria a obtenção de informações
de alta qualidade e minimizaria o número de notificações de associações
irrelevantes, aleatórias. Porém, estudos mostraram que diferentes categorias de
profissionais da saúde observam tipos diferentes de problemas relacionados a
medicamentos.
Somente
com o estímulo das notificações de todos os profissionais envolvidos
no
cuidado dos pacientes será possível identificar um amplo espectro de
complicações relacionadas ao tratamento medicamentoso. Se, por exemplo, só
clínicos gerais contribuírem para o conjunto de informações, os medicamentos
usados principalmente por especialistas não serão incluídos. Para se obter um
quadro representativo da realidade, todos os setores do sistema de assistência
à saúde precisam ser envolvidos, tais como hospitais públicos e privados,
clínicos gerais, asilos, farmácias e clínicas de medicina tradicional. Onde
quer que os medicamentos estejam sendo usados deve haver prontidão para
observar e notificar eventos médicos indesejados e inesperados.
Pacientes
Só
o paciente conhece os reais benefícios e danos dos medicamentos usados.
Observações
e notificações feitas por profissional da saúde serão uma interpretação da
descrição originalmente feita pelo paciente, juntamente com mensurações
objetivas. Alguns acreditam fortemente que a participação do paciente na
notificação dos problemas relacionados a medicamentos aumentará a eficiência do
sistema de farmacovigilância e compensará algumas falhas do sistema, que recebe
notificações somente dos profissionais da saúde.
Normalmente,
recomenda-se aos pacientes que suspeitem ter sido afetados
por
uma RAM que notifiquem a seus médicos para que eles possam notificar ao centro
de farmacovigilância. Porém, uma vez que se estima que só 5% dos médicos
participam do sistema de farmacovigilância, esse processo não é eficiente para
assegurar que as preocupações do paciente estejam sendo registradas. Há estudos
que indicam que sistemas de registro de queixas dos pacientes poderiam
identificar novos sinais de segurança de medicamentos precocemente aos sistemas
que contam somente
com
a notificação do profissional.
Outros parceiros
A
contribuição de outros parceiros na segurança de medicamentos, incluindo-se a
mídia, grupos de defesa e advogados, precisa ser reconhecida. Esses parceiros
da farmacovigilância têm, direta ou indiretamente, facilitado o desenvolvimento
de novas e consistentes políticas de medicamentos e decisões, ao mesmo tempo em
que realçam as deficiências e fraquezas das políticas de segurança de medicamentos
existentes.
Em
muitos casos, esses grupos ou indivíduos têm a capacidade de se expressar e,
freqüentemente, mudar a opinião pública. Além disso, eles geralmente facilitam
o debate público ativo e a discussão de questões que têm relevância direta para
a sua saúde. Em muitos países, os responsáveis pela formulação de políticas
vinculam-se pró-ativamente a esses parceiros, quando questões importantes de
interesse público estão sendo tratadas. A cooperação e a manutenção de linhas
abertas de comunicação com organismos não-governamentais, incluindo-se a mídia
e os grupos de defesa dos consumidores, tendem a facilitar a criação de
políticas e legislação relativas à farmacovigilância, que desfrutarão de amplo
apoio e confiança públicos.
Muito
precisa ser feito para melhorar as relações entre esses e outros parceiros da
farmacovigilância. A apresentação equivocada de dados e o sensacionalismo das
questões de segurança de medicamentos na mídia e nos tribunais provocaram o
surgimento de rumores infundados e preocupações despropositadas sobre a
segurança de medicamentos potencialmente valiosos. Situações em que houve
divergências quanto à perspectiva de questões específicas de segurança entre
esses e outros parceiros resultaram num impacto devastador na confiança pública
em relação aos organismos regulatórios e outras organizações.
É
importante que todos os parceiros reconheçam a responsabilidade considerável,
inerente à condução de atividades relativas à farmacovigilância e à sua efetiva
comunicação.
CAPÍTULO 4
FARMACOVIGILÂNCIA NA
REGULAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Boas
medidas regulatórias de medicamentos formam a base cultural em âmbito nacional,
para a segurança de medicamentos e para a confiança pública em medicamentos. As
questões com as quais as autoridades reguladoras de medicamentos têm de tratar,
além da aprovação de medicamentos novos, incluem:
• pesquisas clínicas;
• segurança de medicamentos
complementares e tradicionais, vacinas e medicamentos biológicos;
• desenvolvimento de canais de
comunicação entre todas as partes que têm interesse em segurança de
medicamentos, assegurando que eles estejam abertos e aptos a funcionar de forma
efetiva, particularmente em períodos de crise.
Os
programas de farmacovigilância precisam de fortes ligações com os reguladores
para assegurar que as autoridades estejam bem informadas sobre questões de
segurança na prática cotidiana, que podem ser relevantes para as ações
regulatórias futuras. Os reguladores entendem que a farmacovigilância
desempenha papel especializado e fundamental na garantia contínua da segurança
de medicamentos. Os programas de farmacovigilância precisam ser adequadamente
apoiados para alcançar seus objetivos.
Introdução
Um
novo medicamento deve atender a três exigências antes de sua aprovação pela
autoridade regulatória nacional . Exige-se a demonstração de evidências
suficientes de que o novo medicamento seja de boa qualidade; eficaz; e seguro
para o objetivo ou objetivos para os quais é proposto.
Enquanto
os primeiros dois critérios devem ser atendidos antes que qualquer consideração
possa ser feita quanto à aprovação, a questão da segurança é menos exata. A
segurança não é absoluta e pode ser julgada somente em relação à eficácia,
necessitando-se de análise por parte dos reguladores para decidir quanto aos
limites aceitáveis de segurança.
Há
possibilidade de que eventos adversos raros, porém graves (como os que ocorrem
com a freqüência de, digamos, um em cinco mil), não sejam identificados no
desenvolvimento do medicamento anterior ao registro. Por exemplo, discrasia
sanguínea fatal, que ocorre em um de cada 5.000 pacientes tratados com um
medicamento novo, só é provável que seja identificada depois que 15.000
pacientes tenham sido tratados e observados, contanto que a incidência prévia
de tal reação seja zero ou que haja uma associação causal clara com o
medicamento.a Essa “regra do três” arbitrária se baseia na experiência de que,
para qualquer efeito adverso determinado, aproximadamente o triplo do número de
pacientes precisa ser tratado e observado para que o efeito colateral possa
manifestar-se e ser relacionado, de forma confiável, ao medicamento,
assumindo-se a incidência prévia zero do efeito em observação.
A Farmacovigilância na
regulação de medicamentos
Regulação de pesquisas
clínicas
Nos
últimos anos, houve aumento significativo no número de pesquisas clínicas nos
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Somente nos Estados Unidos da
América, as pesquisas clínicas quase dobraram entre 1990 e 1998. Com o
seqüenciamento do genoma humano, as pesquisas clínicas sobre terapias
potenciais com novos medicamentos provavelmente aumentarão.
Há
também uma crescente aliança entre as universidades e as indústrias
farmacêuticas e de biotecnologia. Isto tem causado o surgimento de graves e
difundidas questões com respeito a assuntos éticos e científicos como:
• o potencial para conflitos de
interesse;
• práticas não-éticas de recrutamento de
pacientes;
• inadequação do consentimento escrito;
• falta de capacidade para assegurar
monitorização contínua das pesquisas clínicas e adesão aos princípios de
práticas clínicas éticas e idôneas;
• baixo número de notificações e
gerenciamento inadequado de eventos adversos.
Para
reguladores de medicamentos, as tendências de mudança na conduta de pesquisas
clínicas durante os últimos anos apresentam desafios especiais e urgentes,
particularmente quanto ao asseguramento de que os direitos e a saúde dos
pacientes e suas comunidades sejam protegidos. Para a aprovação de pesquisas
clínicas, os organismos regulatórios analisam a segurança e eficácia dos novos
produtos sob investigação. Eles também têm de prestar atenção aos padrões
gerais de assistência e segurança dos sujeitos de pesquisa juntamente com os
conselhos institucionais de revisão (Institutional
Review
Boards - IRBs) apropriados.
Os
medicamentos necessários a doenças como tuberculose, malária, HIV/AIDS e
meningite meningogócica do tipo A e aqueles que tenham perfil de
efetividade/segurança questionável ou incerto requerem vigilância cuidadosa
quando introduzidos em grande escala nas comunidades.
• A complexidade crescente das pesquisas
clínicas apresenta desafios adicionais aos reguladores.
• A elaboração de estudos freqüentemente
exige grandes grupos de participantes. Em muitos casos, as pesquisas são
conduzidas em vários locais de diversos países. Os comitês locais de ética e
reguladores de medicamentos nem sempre estão cientes das experiências de
pacientes e investigadores em outros locais internacionais. As pesquisas
clínicas estão cada vez mais limitadas às organizações de pesquisas clínicas e
agências de recrutamento de pacientes, as quais atuam como intermediárias entre
os patrocinadores do estudo, os investigadores e os pacientes.
• A responsabilidade em assegurar
conduta apropriada de pesquisa clínica pode, em tais circunstâncias, ser
dividida entre as partes. Informações pedidas por comitês de ética e
reguladores podem ser de difícil obtenção num curto período de tempo. Os
reguladores e comitês de ética nem sempre têm capacidade para desempenhar
efetivamente essas funções. Isto pode acarretar graves implicações para a
segurança dos pacientes.
• A monitorização da segurança durante
pesquisas clínicas é agora reconhecida como uma das preocupações principais no
desenvolvimento de um novo medicamento. Essa questão está sendo tratada,
atualmente, por um grupo de trabalho do CIOMS. Três tópicos
Principais estão sendo
abordados:
1)
a coleta de informações de experiências adversas;
2)
avaliação e monitorização de dados clínicos;
3)
notificação e comunicação de dados clínicos.
A Farmacovigilância na
regulação de medicamentos
Um
sistema padronizado para notificação de questões de segurança surgidas durante
as pesquisas clínicas pode servir como ferramenta útil para as agências
regulatórias e para os comitês de ética (conselhos institucionais de revisão),
desde que haja troca plena de informações entre eles e os investigadores e
patrocinadores. O envio rápido de notificações de segurança por meio eletrônico
em países do ICH tem facilitado o processo de notificação
até
certo ponto. Porém a revisão rotineira de informações de segurança requer
recursos consideráveis, conhecimento, apoio e compromisso dos envolvidos.
Uma
vez que as pesquisas sobre novos medicamentos estejam na fase de
pós-comercialização (Estudos da Fase IV), a segurança pode ser monitorada para
se fazerem cumprir as condições do registro, particularmente quando há questões
não resolvidas. Isso pode conduzir a melhorias e mudanças mais rápidas nas
informações de registro ou, até mesmo, à retirada de um novo medicamento do
mercado(24). A aplicação rotineira dos princípios de boas práticas clínicas que
preserve a segurança do paciente e o cumprimento rigoroso das exigências
regulatórias prescritas melhoraria substancialmente os padrões das pesquisas
clínicas .
Monitorização da
segurança pós-comercialização
É
consenso, atualmente, que parte do processo de avaliação da segurança dos
medicamentos precisa ocorrer na fase pós-comercialização (aprovação), para não
perder inovações importantes numa rede regulatória indevidamente restritiva. A
decisão de se e como isso deve ser feito está nas mãos dos reguladores.
Quanto
mais forte for o sistema nacional de farmacovigilância e de notificações de
RAMs, mais provável será que decisões regulatórias equilibradas sejam tomadas
para uma pronta liberação de novos medicamentos, com a promessa de avanços
terapêuticos. A legislação que governa o processo regulatório, na maioria dos
países, permite o estabelecimento de condições para registro, tal como a exigência
de que deve haver farmacovigilância minuciosa nos primeiros anos da liberação
do medicamento para o mercado.
Porém
a monitorização cuidadosa da segurança não está limitada aos novos
medicamentos
ou aos avanços terapêuticos significativos. Ela tem papel importante a
desempenhar na introdução de medicamentos genéricos e na revisão do perfil de
segurança de medicamentos mais antigos já disponíveis, em que novas questões de
segurança podem ter surgido. Em um país em desenvolvimento, estas últimas
considerações são, provavelmente, mais importantes que os benefícios que uma
entidade terapêutica moderna possa trazer a um serviço de saúde já limitado.
Enquanto
a notificação espontânea permanece como pedra fundamental da farmacovigilância
no ambiente regulatório e é indispensável para a identificação de sinais, a
necessidade de uma vigilância mais ativa também tem-se tornado cada vez mais
clara. Sem informação sobre o uso e a extensão do consumo, as notificações
espontâneas não possibilitam determinar a freqüência de uma RAM atribuível a um
produto ou sua segurança em relação a um produto comparável.
Métodos
epidemiológicos mais sistemáticos e consistentes que levem em conta as
limitações da notificação espontânea são necessários para que essas questões
importantes da segurança sejam trabalhadas. Eles precisam ser incorporados aos
programas de vigilância pós-comercialização.
Há
outros aspectos da segurança de medicamentos que têm sido bastante
negligenciados até então, que deveriam ser incluídos na monitorização dos
efeitos latentes e de longo prazo dos medicamentos. Incluem:
• identificação das interações do
medicamento;
• medição do impacto ambiental dos
medicamentos utilizados em grandes populações;
• avaliação da contribuição dos
“componentes inativos” (excipientes) para o perfil de segurança;
• sistemas para comparar perfis de
segurança de medicamentos da mesma classe terapêutica;
• vigilância dos efeitos adversos à
saúde humana de resíduos de medicamentos em animais, e.g., antibióticos e
hormônios.
Uma
questão mais difícil é se a farmacovigilância tem resultado na remoção
imprópria do mercado de medicamentos potencialmente úteis, como resultado de
temores infundados ou falsos sinais.
O
relatório do CIOMS sobre avaliação do benefício-risco de medicamentos após
registro tem contribuído para a abordagem mais sistemática que determine o
mérito dos medicamentos disponíveis. Sistemas de conexão de registros médicos e
relacionados à prescrição entre diferentes bases de dados operados
sistematicamente (record linkage), com dados sobre consumo ou uso de
medicamentos, contribuiriam para maior precisão.
Essa
é uma responsabilidade que vai além das rígidas atividades tradicionais de
referência dos centros nacionais de farmacovigilância.
Atividades promocionais
A
segurança de medicamentos na fase de desenvolvimento é cada vez mais afetada
pelas limitações impostas pelos patrocinadores no plano de estudo, programa de
laboratório e no compartilhamento explícito de informações, enquanto a
programação da pesquisa é negociada com colaboradores clínicos.
Há
preocupação pública crescente de que a colaboração íntima entre as
universidades e a indústria farmacêutica possa afetar adversamente a prática
médica e as pesquisas clínicas.
Preocupante
para a segurança dos medicamentos é o desenvolvimento da propaganda “direta ao
consumidor”, feita por fabricantes farmacêuticos, outros vendedores de
medicamentos e outras partes com interesses específicos. Os gastos nessa
atividade dobraram nos E.U.A. nos últimos quatro anos(19). Apesar da
possibilidade de tais propagandas melhorarem a compreensão dos pacientes e de
estarem de acordo com a necessidade de melhorar o acesso às informações sobre
os medicamentos, a ausência de confiabilidade e precisão pode comprometer a
assistência e segurança do paciente.
Mesmo
nos lugares em que a propaganda direta de medicamentos para consumidores é
ilegal, a Internet possibilita a comunicação além das fronteiras. Isso pode
fazer com que as regulações nacionais sobre propagangas se tornem inefetivas.
Atualmente as páginas eletrônicas tornam possível comprar e vender medicamentos
sem controle, como os benzodiazepínicos. Todo esse desenvolvimento em
comunicação tem impacto na segurança dos medicamentos.
Todas
essas questões sugerem a necessidade de monitorização mais completa da
segurança de medicamentos e o exame minucioso das propagandas. Recursos e
conhecimento são necessários para assegurar que materiais promocionais
contenham informações precisas e equilibradas, e que as práticas sejam éticas. A
auto-regulação feita pela indústria é, provavelmente, insuficiente em muitos
países. A colaboração regional ou internacional na implementação de um código
regulatório de práticas para propagandas de medicamentos, vigiado por um
organismo consultivo imparcial, ajudaria nessa questão. A apresentação
equivocada e a falta total de transparência podem igualmente ter implicações de
segurança importantes e potencialmente graves. Certos periódicos médicos
internacionais desenvolveram uma política uniforme, que lhes reserva o direito
de se recusarem a publicar estudos patrocinados por empresas de medicamentos, a
menos que os investigadores tenham garantia de independência científica. Um
editorial conjunto, que delineia
o
embasamento teórico dessa política, afirma que essa ação é uma resposta ao
controle cada vez mais rígido da indústria sobre as pesquisas, resultados e, em
muitos casos, sobre se e como os resultados são levados a público(33). Maior
colaboração com os jornalistas e a mídia precisa ser incentivada para assegurar
a objetividade e confiabilidade da publicação de informações médicas.
Harmonização
internacional das exigências regulatórias de medicamentos
A
harmonização de vários elementos das atividades regulatórias de medicamentos
foi empreendida na última década por várias organizações intergovernamentais
nos âmbitos regionais e inter-regionais. A força motriz desses esforços foi o
aumento de comércio global de medicamentos e o crescimento, em complexidade, de
regulações técnicas relacionadas à segurança e qualidade dos medicamentos.
Atividades
de harmonização relacionadas à regulação de medicamentos estão sendo
estimuladas em todas as regiões da OMS. A iniciativa da ICH, que começou em
1990, é uma empreitada inter-regional, que abrange dezessete países de renda
elevada. As diretrizes produzidas por esses grupos de especialistas,
provenientes das autoridades regulatórias e empresas farmacêuticas membros do
ICH, representam as idéias mais recentes e estão tendo impacto em todos os
países.
A
OMS tem o papel de observadora em todas as atividades do ICH. Discussões estão
em desenvolvimento para considerar as implicações do processo do ICH e da
globalização de suas diretrizes. Isso inclui a descrição dos benefícios do
processo e a explicação de preocupações com a expansão de sua influência em
países que não fazem parte do ICH.
Se
o ICH passar para o campo da farmacovigilância, o grupo deverá ser encorajado a
aproveitar o trabalho já desenvolvido pela OMS nessa área. Todos os países da
ICH devem ser encorajados a participar ativamente do Programa Internacional de
Monitorização de Medicamentos da OMS.
Promovendo a comunicação
na área de segurança de medicamentos
A
sociedade tem grande preocupação com os perigos da vida moderna. Os
medicamentos estão entre os avanços tecnológicos que proporcionaram grandes
benefícios e riscos adicionais à sociedade. O conhecimento da percepção que o
público tem desses riscos é essencial se houver a intenção de gerenciá-los
efetivamente. Até onde o seguro é seguro o bastante? Que riscos são aceitáveis?
Essas são duas questões críticas que os provedores de medicamentos precisam
considerar ao se comunicarem com os pacientese com o público. Reconhecendo que
há discrepância entre a visão que os especialistas têm de risco e a percepção
pública, há necessidade de se analisarem e entenderem as diferenças de modo
muito mais abrangente. Não é suficiente, para os especialistas, estar
satisfeito com as evidências de segurança. A indústria farmacêutica, governos e
provedores de assistência à saúde têm de construir a confiança pública por meio
de comunicações efetivas dos riscos. Isto só pode ser alcançado quando a
mentalidade pública for examinada e compreendida.
Algumas
autoridades regulatórias estão intensificando a transparência com que
conduzem
seu trabalho. Porém, muitas autoridades continuam sendo restringidas por
cláusulas sigilosas reais, cuja intenção é proteger os direitos de propriedade
intelectual dos fabricantes farmacêuticos. O problema com o sigilo é que ele
cria um ambiente de desconfiança e mal-entendidos.
Espera-se,
agora, dos reguladores, que eles tratem da regulação de medicamentos, incluindo
questões de segurança, com novo comprometimento com a abertura, com a
participação de pacientes e seus representantes no processo. Em relação a isso,
progresso considerável tem sido alcançado em muitos países, particularmente
quanto à regulação de medicamentos para HIV/AIDS e câncer.
Tem
havido tendência de que as questões de segurança de medicamentos sejam tratadas
de forma que se protejam, em primeiro lugar, os interesses dos fabricantes
farmacêuticos .
Os
centros nacionais de farmacovigilância, desde que tenham conhecimento e
recursos necessários, estão particularmente bem posicionados para coletar,
avaliar e fazer recomendações sobre segurança de medicamentos, livres de
influências limitadoras.
Deve
haver a possibilidade de se proteger o sigilo do paciente por meio da aplicação
de cuidadosos procedimentos operacionais padronizados.
O
maior desafio para os Centros Nacionais e para as autoridades regulatórias de
medicamentos é promover e manter a comunicação efetiva e aberta de informações
relativas aos benefícios, danos, efetividade e riscos dos medicamentos,
incluindo-se a incerteza de conhecimentos nessa área, com o público e os
profissionais da saúde. A Declaração de Erice, de 1998, sobre Comunicação de
Informações sobre Segurança de Medicamentos, solicitava esforço unificado por
parte de todos os interessados para estabelecer nova cultura de transparência,
eqüidade e responsabilidade na comunicação de informações sobre segurança de
medicamentos. Muito já foi realizado internacionalmente nesse sentido. Desde a
Declaração de Erice, muitas autoridades regulatórias ampliaram suas atividades
de comunicação, desenvolveram páginas eletrônicas e boletins informativos e se
engajaram ativamente com a mídia para fornecer informações atualizas sobre
segurança ao público.
Os
princípios de boa comunicação e até que ponto eles foram alcançados e são
alcançáveis são considerados no Capítulo 5.
Riscos e gerenciamento
de crise
A
importância de sistema eficiente para tratar dos riscos e das crises
relacionadas à segurança de medicamentos tornou-se cada vez mais evidente nos
últimos anos. As questões de segurança tendem a assumir importância
internacional rapidamente. A velocidade com que as informações se alastram no
mundo moderno significa que as questões de segurança de medicamentos já não se
limitam aos países individualmente. Freqüentemente, a mídia e o público geral
são informados ao mesmo tempo, ou, até mesmo, antes que as autoridades
regulatórias nacionais. Quando as crises surgem, sejam elas reais ou
imaginárias, questões ou preocupações com a segurança local surgem no exterior,
e se espera que as autoridades regulatórias as enfrentem de forma aberta,
eficiente, rápida e abrangente.
Muitas
autoridades nacionais identificaram a necessidade de desenvolver um plano
organizacional para gerenciar riscos e para a comunicação e ação durante as
crises. Os próprios reguladores, freqüentemente, reagem sob pressão numa crise
de segurança de medicamentos inserida numa estrutura legislativa ou
administrativa que seja inadequada ou excessivamente restritiva. Deve haver
procedimentos operacionais claros, porém flexíveis, de forma que suas reações
não sejam demoradas, desnecessariamente complicadas ou indevidamente cautelosas
(a precaução imprópria pode resultar na remoção de um produto do mercado, até
mesmo quando não houver nenhuma justificativa possível e uma reação mais
racional e menos drástica seja apropriada). Em tais circunstâncias, quanto
maior a disparidade nas informações sobre segurança entre a avaliação
pré-registro e a real situação na prática, maior a probabilidade de a reação
regulatória ser inapropriada. Quando as crises surgirem, a autoridade
regulatória terá poderes para suspender o registro, impor condições especiais
ou restringir severamente o uso por determinados pacientes ou profissionais.
A
autoridade pode exigir que os fabricantes mudem a informação do produto de uma
maneira específica. Essas decisões, normalmente, são comunicadas por alertas de
medicamentos, cartas gerais a médicos e farmacêuticos, declarações na imprensa,
páginas eletrônicas, boletins informativos e periódicos, publicações,
dependendo do tipo e urgência da mensagem e a quem ela se dirige.
A Farmacovigilância e a
autoridade regulatória nacional de medicamentos
As
limitações dos dados de segurança de medicamentos na fase pré-comercialização
são bem conhecidas. Elas são agravadas pela crescente pressão exercida sobre os
reguladores de medicamentos por parte da indústria farmacêutica para abreviar o
tempo de revisão para a liberação de medicamentos novos. A aprovação do
registro de um medicamento novo será,
provavelmente,
seguida por intensa propaganda e exposição rápida de milhares ou até milhões de
pacientes a ela. As implicações do desenvolvimento gradual dessa situação para
a segurança dos medicamentos precisam ser analisadas.
A
farmacovigilância se tornou componente essencial na regulação de medicamentos
Futuramente, nos países em desenvolvimento, é provável que ela assuma a forma
convencional de notificação espontânea, embora esteja longe de ser um sistema
perfeito. Muitos países em desenvolvimento não têm sistemas básicos organizados
para tal propósito, e, até mesmo nos locais em que os sistemas de
farmacovigilância existem, é provável que falte apoio e participação ativa dos
profissionais da saúde, reguladores e administradores. A subnotificação de RAMs
por parte dos profissionais da saúde permanece como o problema principal em
todos os países.
Para
a autoridade nacional regulatória de medicamentos, a vigilância
pós-comercialização, normalmente, representa uma função distinta, separada do
processo de avaliação e registro de novos medicamentos. A vigilância
pós-comercialização utiliza suas próprias fontes especiais de informação,
infra-estrutura e conhecimento, embora haja boas razões para esses sistemas e
recursos serem compartilhados com outras disciplinas.
Por
exemplo, é necessário que, na própria conduta da farmacovigilância, haja acesso
à informação sobre a qual foi feita a determinação original de riscos e danos.
Arquivos pré-registro, incluindo-se as orientações e opiniões dos analistas
originais dos dados, são essenciais para decisões equilibradas e clinicamente
pertinentes. Além da reação aos eventos e dos relatos da mídia, a investigação
ativa e exame clínico detalhado são ferramentas essenciais desse trabalho.
Em
muitos países, a farmacovigilância e os registros regulatórios de medicamentos
estão unidas por um comitê consultivo de RAMs, designado pela autoridade
regulatória nacional, à qual se reporta diretamente. O comitê se compõe de
profissionais independentes, especialistas em medicina clínica, epidemiologia,
pediatria, toxicologia e farmacologia clínica, entre outros. Tal combinação
inspira confiança aos profissionais da saúde, e pode-se esperar que sejam
feitas contribuições significativas para a saúde pública.
Medicamentos
fitoterápicos e tradicionais
O
uso de medicamentos fitoterápicos e tradicionais traz preocupações quanto à sua
segurança. Há uma concepção equivocada, amplamente difundida, de que “natural”
significa “seguro”. Há a crença comum de que o uso prolongado de um
medicamento, baseado na tradição, assegura sua eficácia e segurança. Há
exemplos de medicamentos tradicionais e fitoterápicos que foram adulterados ou
contaminados com medicamentos alopáticos, substâncias químicas como
corticosteróides, agentes antiinflamatórios não-esteroidais e metais pesados.
Muitos medicamentos tradicionais são fabricados para uso global e vão além do
cenário cultural e tradicional para o qual foram originalmente destinados. A
automedicação agrava os riscos aos pacientes.
Quando
medicamentos tradicionais e fitoterápicos são usados juntamente com outros
medicamentos, há o potencial para graves interações adversas entre
medicamentos.
Da
mesma forma que outros produtos destinados a consumo humano (medicamentos,
suplementos dietéticos e alimentos), os medicamentos fitoterápicos deveriam ser
incorporados a um esquema regulatório. Esses produtos deveriam ser governados
por padrões de segurança, qualidade e eficácia, que são equivalentes aos
exigidos para outros produtos farmacêuticos.
As
dificuldades para que isto seja alcançado advém do surgimento de uma zona
ambígua entre alimentos e medicamentos, em que se enquadra um número crescente
de produtos fitoterápicos. O perfil regulatório dos produtos fitoterápicos
difere significativamente de país para país. Atualmente, menos de setenta países
regulam os medicamentos fitoterápicos, e poucos países têm sistemas organizados para a regulação de
profissionais tradicionais da saúde.
Essas
disparidades na regulação entre países têm graves implicações para o acesso
internacional e distribuição de tais produtos. Em um país, por exemplo, um
produto fitoterápico só pode ser obtido sob prescrição e em farmácia
autorizada, enquanto que, num outro país, pode ser obtido em loja de alimentos
naturais, ou até mesmo, como já se tornou comum, pelo correio ou pela Internet.
Por
todas essas razões, a inclusão de medicamentos fitoterápicos e tradicionais em
programas nacionais de farmacovigilância tornou-se importante e inevitável. Os
profissionais da saúde, até mesmo os profissionais tradicionais, reguladores e
fabricantes, e o público, compartilham a responsabilidade pelo uso seguro e
informado de tais produtos. A Organização Mundial da Saúde produziu diretrizes
para avaliação da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos
fitoterápicos .
Novas
abordagens sistemáticas para a monitorização da segurança de medicamentos
derivados de plantas estão sendo
desenvolvidas(47). Vários centros nacionais de farmacovigilância estão, agora,
monitorando a segurança de medicamentos tradicionais. Para que isso seja bem
sucedido, a colaboração e o apoio de consumidores, profissionais tradicionais
da saúde, fornecedores
de
medicamentos tradicionais e fitoterápicos e outros especialistas são
necessários. Mais atenção precisa ser dada à pesquisa e à capacitação de
profissionais da saúde e consumidores nessa área.
Vacinas e medicamentos
biológicos
Por
várias razões, as vacinas e os medicamentos biológicos requerem sistemas
modificados de monitorização da segurança. Eles são, freqüentemente,
administrados a crianças saudáveis. Isso se aplica, particularmente, às vacinas
usadas em programas nacionais de imunização. Em muitos países, aqueles expostos
a uma determinada vacina representam todo um grupo etário e, portanto, uma
parte considerável da população inteira. As expectativas das pessoas em relação
à segurança são altas, e elas relutam em admitir até mesmo um pequeno risco de
eventos adversos. As preocupações relativas à segurança das vacinas, reais ou
imaginárias, podem ocasionar a perda da confiança em todo o programa de
vacinação. Isso pode resultar em baixa aceitação e no conseqüente ressurgimento
da morbidade e mortalidade causadas por doenças que podem ser prevenidas por
vacinas.
É
essencial que haja vigilância adequada da segurança, apoiando-se os programas
de imunização. As habilidades e infra-estrutura para lidar com eventos adversos
genuínos
são
essenciais para prevenir ou administrar temores indevidos causados por falsos
sinais ou sem fundamento de pacientes e profissionais da saúde que podem afetar
adversamente a cobertura da imunização. Por exemplo, preocupações com a
segurança da Pertussis de célula inteira resultou em reduções dramáticas na
cobertura de vacinas e no ressurgimento da Pertussis em muitos países.
As
dificuldades em monitorar e tratar da segurança das vacinas são intensificadas
por problemas inerentes à determinação da ligação causal entre um evento
adverso após imunização e uma vacina (49, 50). Por exemplo, freqüentemente
faltam informações sobre suspensão do uso (dechallenge) e readministração
(rechallenge), e vacinas são aplicadas à maioria das pessoas de um grupo etário
da população de um país, numa idade em que doenças coincidentes são prováveis.
Várias vacinas, certamente, serão administradas
concomitantemente.
A possibilidade de erros programáticosb nunca deve ser negligenciada.
Porém,
a responsabilidade da autoridade regulatória não está, de modo algum, limitada
à segurança de vacinas utilizadas em programas de imunização. Vários produtos
biológicos são usados em populações específicas de pacientes como medida
preventiva ou curativa.
A
regulação eficiente desses produtos é crucial para evitar danos potenciais ao
público como resultado de fabricação de baixa qualidade ou transporte e
armazenamento impróprio de vacinas e produtos biológicos importados. Nos
últimos anos, a segurança de produtos biológicos e derivados do sangue sofreu
exame
apurado pelo público. Surgiram preocupações com a segurança de medicamentos de
origem animal em relação à doença variante Creutzfeldt-Jacob (vCJD) e com a
contaminação do sangue e derivados do sangue por organismos infecciosos como
HIV e hepatite B.
A
qualidade dos procedimentos de análise e esterilização e a seleção apropriada
de doadores estão vinculadas aos riscos de contaminação. Tais questões de
segurança, relacionadas ao uso de medicamentos derivados de plasma sangüíneo,
deveriam estar sob a égide do programa de farmacovigilância. Para que isso
ocorresse, os centros de farmacovigilância teriam de considerar as questões
especiais concernentes à segurança desses produtos. Seria necessário
conhecimento especializado sobre produtos biológicos, virologia e microbiologia
médica.
Novas
vacinas para doenças pandêmicas - como HIV/AIDS e malária - estão em fase mais
avançada de desenvolvimento. Pesquisas clínicas em grandes populações de
pacientes estão sendo conduzidas para testar a eficácia e a segurança dessas
vacinas. Desafios éticos, legais e regulatórios específicos estão surgindo na
conduta de tais pesquisas clínicas, particularmente as implicações que as
vacinas podem ter para a epidemiologia da doença e os possíveis riscos diretos
e indiretos de danos associados com a introdução de vacinas em grandes
comunidades.
Outros
produtos que provavelmente serão regulados pela autoridade competente são medicamentos
veterinários, produtos de biotecnologia e medicamentos geneticamente derivados
ou modificados. Todos esses produtos podem representar desafios incomuns para a
monitorização da segurança. Eles exigirão conhecimentos específicos,
possivelmente de vários tipos, para que se possam avaliar as questões de
segurança decorrentes do seu uso. Tais conhecimentos podem não estar
disponíveis no âmbito da autoridade regulatória. Podem ser necessárias
adequadas colaborações e consultas com especialistas no país ou em outros
países.
Um
erro programático é um incidente médico que foi causado por algum erro no
transporte, armazenamento, manuseio ou na administração de vacinas.
CAPÍTULO 5
A FARMACOVIGILÂNCIA NA
PRÁTICA CLÍNICA
A
monitorização da segurança de medicamentos de uso comum deveria ser parte
integrante da prática clínica. A forma com que os clínicos gerais são
informados sobre os princípios da farmacovigilância e o quanto tais
profissionais atuam de acordo com eles tem um grande impacto na qualidade da
assistência médica. A educação e a capacitação dos profissionais da saúde com
respeito à segurança de medicamentos, a troca de informações entre centros
nacionais, a coordenação de tais trocas e a conexão de experiências clínicas
sobre segurança de medicamentos com pesquisas e políticas de
saúde,
tudo serve para tornar efetiva a atenção ao paciente. Programas nacionais de
farmacovigilância estão perfeitamente posicionados para identificar pesquisas
necessárias à melhor compreensão e tratamento de doenças induzidas por
medicamentos.
Introdução
A
monitorização da segurança de medicamentos é elemento essencial para o uso
efetivo de medicamentos e para a assistência médica de alta qualidade. Ela tem
a capacidade de inspirar segurança e confiança de pacientes e profissionais da
saúde em relação aos medicamentos e contribui para elevar os padrões da prática
médica. A farmacovigilância é uma disciplina clínica por direito - ela
contribui para a ética de segurança e serve como indicador dos padrões de assistência
clínica praticados dentro de um país. Os profissionais da saúde estão em
condições de fazer bom uso das experiências positivas e negativas de tratamento
de seus pacientes para contribuir com a ciência médica e melhorar a compreensão
das doenças e seus medicamentos.
Há
três abordagens que podem servir para aumentar a conscientização e o interesse
pela segurança de medicamentos entre clínicos gerais e para tratar de questões
de pesquisa. Essas abordagens são descritas nas seções seguintes. Educação, capacitação
e acesso a informações confiáveis
As
reações adversas tendem a ser vistas, incorretamente, como “efeitos colaterais”
e, sendo assim, como desvios das prioridades de pacientes e médicos. Aprender
sobre a extensão e a severidade das RAMs deveria começar cedo na capacitação
profissional. A boa monitorização da segurança encoraja os profissionais da
saúde a assumir responsabilidade mais completa
pelos
medicamentos que usam. Ela melhora a efetividade clínica e aumenta a confiança
com que eles e seus pacientes utilizam medicamentos.
Para
se alcançar algo mais próximo da prática ideal, é necessário mais atenção na
capacitação dos profissionais da saúde no que se refere a diagnóstico,
gerenciamento e prevenção de RAMs. Nem todos os sinais são tão específicos,
dramáticos e prontamente diagnosticados como foram a focomelia e micromelia
causadas pela talidomida. O reconhecimento de efeitos adversos menos óbvios
requer atenção, agilidade, diagnóstico preciso e compreensão
dos
princípios da avaliação da causalidade.
É
mais provável que os profissionais da saúde identifiquem e informem RAMs
importantes se eles tiverem confiança na sua habilidade para diagnosticar,
gerenciar e prevenir tais reações. Os centros nacionais de farmacovigilância e
as instituições de capacitação desempenham
A Farmacovigilância na
prática clínica
Tem
papel central nesse contexto, com o encorajamento da inclusão dos princípios e
métodos da farmacovigilância e do estudo de doenças iatrogênicas nos cursos de
graduação e pós-graduação em escolas de Medicina, Farmácia e Enfermagem.
Os
currículos de farmacologia deveriam dar a mais alta prioridade ao estudo da
segurança de medicamentos. Isto conduziria a maior conscientização do
equilíbrio entre os benefícios e danos dos medicamentos. Uma abordagem
integrada à tomada de decisões no âmbito terapêutico poderia ser encorajada. O
uso excessivo e irracional de medicamentos contribui para as reações adversas.
O uso equivocado de medicamentos é, em grande parte, causado pela baixa qualidade
e inacessibilidade de informações sobre medicamentos disponíveis aos
profissionais da saúde. Esses problemas são agravados por:
• divulgação e propagandas imprecisas e
agressivas;
• uso de medicamentos sem a informação
devida por parte do paciente e sua demanda por medicamentos mais recentes;
• falta de informações precisas sobre o
medicamento.
Indicadores
sobre uso impróprio de medicamentos podem ser obtidos a partir de notificações
espontâneas de RAMs. Exemplos de casos podem servir como ferramentas pedagógicas
úteis para intensificar o uso seguro de medicamentos. Em alguns países, um
volume avassalador de informações (em vez de comunicação efetiva de informação
crítica) pode servir como impedimento ao uso racional.
Erros
de medicação e RAMs em pacientes hospitalizados e não-hospitalizados têm sido
bastante documentados e contribuem substancialmente para a morbidade e
mortalidade. Eles também contribuem para o aumento do número de internações
hospitalares, e se sabe que ocorrem no ambiente da comunidade. Muitos são
previsíveis e evitáveis.
Isso
sugere a existência de oportunidade considerável para minimizar os riscos de
RAMs com o uso racional, monitorização e acompanhamento. A identificação
precoce é importante, particularmente em hospitais, em que os sistemas de
identificação de RAMs e erros de medicação pouparão vidas e dinheiro. Tais
sistemas podem estar ligados a conselhos institucionais, regionais ou nacionais
de farmácia e terapêutica, de forma que as informações
possam
ser utilizadas para educar os profissionais sobre uso seguro de medicamentos.
A
vigilância prospectiva, baseada em hospitais, reduz o risco e a severidade das
RAMs Além disso, há a necessidade de se propiciarem aos profissionais da saúde
as habilidades necessárias para que eles possam avaliar criticamente as
informações sobre medicamentos e decidir como o perfil de segurança de um
medicamento (por exemplo, desenvolvido a partir dos dados de uma população)
poderia ser aplicado a um paciente em particular.
Freqüentemente,
as informações sobre o produto e os materiais promocionais fornecidos pelo
fabricante são as únicas informações disponíveis ao profissional. Fontes
abrangentes e baseadas em evidências podem não estar disponíveis. A
disponibilidade de informações equilibradas e seguras sobre medicamentos
possivelmente melhora os padrões de uso e reduz a freqüência das reações
adversas. Informações que incluem experiências subjetivas de pacientes com
reações adversas seriam muito úteis a pacientes e prescritores de medicamentos.
As informações sobre a segurança do produto, do modo que são apresentadas
atualmente, quase sempre consistem em uma lista de reações adversas, talvez
arroladas em ordem de freqüência, sem real descrição de como elas poderiam
afetar a qualidade de vida. Além do mais, os prescritores devem ser livres para
desenvolver seu trabalho, sem estar sujeitos aos interesses específicos de
fabricantes ou a qualquer conflito de interesses.
Também
há outras oportunidades para integrar a farmacovigilância à prática clínica por
intermédio da capacitação e da educação. A participação da equipe do Centro
Nacional em programas continuados de educação, conferências, publicações
científicas e grupos de discussão por correio eletrônico contribuem para isso.
O Centro Nacional pode servir como base de ensino e como centro de capacitação
para estudantes de medicina e farmácia, estudantes de pós-graduação, médicos
residentes e para a equipe de informações sobre medicamentos. As pesquisas
sobre RAMs e farmacoepidemiologia devem ser incentivadas e promovidas dentro
dos departamentos de Medicina Interna e Farmacologia.
Na
capacitação de profissionais da saúde, é importante desenvolver competência na
avaliação e comunicação de informações sobre os benefícios, danos, efetividade
e riscos para o paciente. Dificuldades de comunicação entre os pacientes e
profissionais da saúde representam uma fonte potencial importante e evitável de
problemas. Os elementos seguintes apresentam a probabilidade de reduzir
significativamente os riscos dos efeitos adversos e sua severidade:
• anaminese farmacológica dos
medicamentos usados pelo paciente;
• prescrição e dispensação racionais;
• orientação apropriada;
• fornecimento de informações claras e
compreensíveis sobre medicamento.
A comunicação com os
profissionais da saúde
Uma
estratégia adicional para integrar a farmacovigilância à prática clínica é a
criação de linhas abertas de comunicação e colaboração mais amplas entre
profissionais da saúde e centros nacionais. Para que isto ocorra, o centro
nacional ou os regionais precisam ser preparados de forma que a comunicação em
mão-dupla entre os profissionais da saúde e a equipe profissional do centro
seja fácil. Os centros de informações sobre medicamentos e intoxicação são
locais ideais para esse propósito, uma vez que muitas notificaçõesde
intoxicação e dúvidas sobre informações de medicamento são, na realidade, RAMs.
As equipes desses centros estão em posição ideal para apoiar o trabalho da
farmacovigilância.
Os
centros de farmacovigilância devem propiciar acesso imediato ao conhecimento
clínico e compartilhar os recursos, até mesmo as bases de dados. Os materiais
de comunicação desenvolvidos pelos centros de informações sobre medicamentos e
intoxicação, com inclusão de boletins informativos e outras publicações, podem
ser utilizados para disseminar alertas sobre medicamentos e outras informações
de segurança de medicamentos aos diversos profissionais.
Os
departamentos acadêmicos e hospitais universitários têm-se revelado bem
sucedidos como centros nacionais e regionais de farmacovigilância por vários
razões. Estas incluem:
• a farmacovigilância pode ser unida
prontamente à farmacologia experimental e clínica e à epidemiologia naquele
ambiente;
• a localização faz com que a revisão em
grupo das notificações de reações adversas seja mais fácil e mais eficiente e
provê acesso imediato a especialistas hospitalares em departamentos
universitários. A partir dessa base, uma banca consultiva, composta por
especialistas das áreas médica e científica, pode ser formada para o Centro
Nacional;
• as informações obtidas de notificações
espontâneas podem ser incorporadas no ensino de graduação e pós-graduação das
ciências da saúde;
• os profissionais da saúde
provavelmente se sentirão mais confiantes em notificar problemas e dilemas
terapêuticos a uma unidade acadêmica com a qual estão familiarizados e que
sabem que considerará suas notificações de forma completa e hábil;
• dadas essas circunstâncias,
estratégias efetivas de educação médica como detalhamento, feedback de casos
individuais, lembretes e solicitação de apoio de especialistas reconhecidos são
prontamente realizáveis .
Os
clínicos gerais que fazem notificações esperam acesso imediato ao centro
e
a orientações especializadas e feedback. Eles deveriam ser encorajados a
publicar notificações de casos interessantes ou incomuns sem retardar a
submissão de tais notificações ao Centro Nacional. Boletins informativos,
publicações e respostas por carta ou telefone incentivam o diálogo com esses
profissionais. A colaboração com organismos de credenciamento profissional e
associações, instituições acadêmicas, organizações de educação continuada,
outras instituições mantenedoras (por exemplo, instituições de assistência,
companhias de seguro-saúde) e outras organizações não-governamentais somam à
extensão e qualidade do trabalho do Centro Nacional.
Relacionando descobertas
clínicas com pesquisa e política
O
estudo cuidadoso de eventos adversos de medicamento pode identificar
características diagnósticas, síndromes ou mecanismos patogênicos. Além disso,
informações clínicas, patológicas e epidemiológicas, relativas a reações
adversas, são necessárias à completa compreensão da natureza de uma reação
adversa e à identificação de pacientes em risco.
Embora
a notificação espontânea seja o esteio da vigilância passiva, as informações
obtidas são inerentemente limitadas e provavelmente insuficientes para a tomada
de decisões clínicas e regulatórias. Programas ativos ou intensivos de
vigilância, por tratarem de graves questões de segurança, tiveram sucesso na
identificação e quantificação de questões de segurança de medicamentos,
utilizando:
• redes de caso-controle;
• sistemas de monitorização intensiva
baseados em hospitais;
• sistemas de conexão de registros entre
diferentes bases de dados (record linkage systems);
• estudos epidemiológicos.
As
informações recebidas dos centros de farmacovigilância devem ser diretamente
incorporadas à política de medicamentos e à prática de consumo e uso de
medicamentos. As informações sobre segurança dos centros nacionais têm
influência nos programas de medicamentos essenciais, nas diretrizes
padronizadas de tratamento e nos compêndios médicos nacionais e institucionais.
A
mensuração do impacto de tais informações no consumo e uso de medicamentos e na
qualidade da atenção ao paciente tem potencial considerável para pesquisas. É
necessário que as decisões sobre regulação de medicamentos estejam pautadas em
informações sobre segurança, que reflitam experiências nacionais bem como
internacionais, e que isto seja revisto de forma completa e hábil. Os padrões
de consumo e uso de medicamentos também precisam ser levados em conta.
As
RAMs têm o potencial de propiciar idéias sobre relação estrutura-atividade,
fatores farmacocinéticos, farmacodinâmicos e genéticos que afetam a ação dos
medicamentos. Elas podem sinalizar outras novas indicações. Por isso é
importante que a conotação negativa de uma RAM seja removida, e que sistemas
sejam desenvolvidos para possibilitar que as informações médicas, farmacêuticas
e químicas sejam aplicadas construtivamente, para melhor entendimento de como
os medicamentos funcionam.
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