FARMACOTÉCNICA HOSPITALAR
PARTE 9
FORMAS FARMACÊUTICAS LÍQUIDAS
I - PRINCIPAIS VEÍCULOS,
AGENTES COADJUVANTES E INCOMPATIBILIDADES
CARACTERÍSTICAS DOS EXCIPIENTES:
Nas
formas farmacêuticas, os excipientes representam a maior parte da forma farmacêutica
(em relação ao volume da forma), quando comparados com a concentração do ativo.
Do
ponto de vista químico, a inércia atribuída aos excipientes deve ser encarada
com certas reservas. Sua reatividade, apesar de baixa, pode ser potencializada
por fatores físico-químicos do meio, desencadeando reações que podem levar à
desestabilização da forma e/ou degradação do fármaco: presença de grupos
funcionais alcoólicos, grupos terpênicos em flavorizantes, corantes contendo
iodo, espécies complexantes (EDTA) ou substâncias redutoras (lactose). Inúmeros
excipientes possuem centros quirais (amido e celulose) que podem interagir com
fármacos racêmicos.
Outra
característica dos excipientes clássicos é a inatividade farmacológica e
toxicológica, o que não pode ser generalizado.
CARACTERÍSTICAS DE UM EXCIPIENTE
IDEAL:
Ø
-
Toxicologicamente inativo.
Ø
-
Química e fisicamente inerte frente ao fármaco.
Ø
-
Compatível com outros ingredientes da formulação.
Ø
-
Incolor e insípido.
Ø
-
Elevada fluidez e boa capacidade de escoamento.
Ø - Disponível a partir de diversas
fontes, com custos adequados.
Ø
-
Fácil de ser armazenado.
Ø
-
Características reprodutíveis lote-a-lote.
Ø - Desempenho consistente com a forma
farmacêutica ao qual se destina.
INSTABILIDADES
E ASPECTOS CRÍTICOS NA FORMULAÇÃO DE LÍQUIDOS:
- Instabilidade
Química:
Fármacos em preparações líquidas podem
estar mais susceptíveis a reações químicas de degradação, como hidrólise,
oxidação e redução. A velocidade da reação de degradação é influenciada pelo
pH, pela presença de metais, pela exposição à luz, pela temperatura (geralmente
é maior em temperaturas mais altas). Fármacos em solução são mais vulneráveis à
degradação química do que no estado sólido (em suspensões).
- Instabilidade
Física:
Suspensões
podem ser susceptíveis à sedimentação
dos fármacos não solubilizados, causando “caking” (massa compacta formada pela
sedimentação das partículas que estavam suspensas de difícil dispersão).
A
dificuldade de ressuspender ou a rápida sedimentação após agitação pode levar à
erro de medida da dose do medicamento (no caso de suspensões para uso oral); a
própria refrigeração, aconselhável para aumentar a estabilidade química e
reduzir o crescimento microbiano, também pode aumentar demasiadamente a
viscosidade de uma suspensão dificultando a sua ressuspensão ou causar a
precipitação do fármaco ou de conservantes; o pH também pode causar a precipitação de fármacos.
C.
Instabilidade Microbiológica:
O
crescimento microbiano em uma preparação oral líquida pode causar um odor
desagradável, turbidez, um efeito indesejável de palatabilidade e na aparência
da formulação (o metabolismo microbiano pode causar alterações no pH da
preparação e reduzir a estabilidade química ou solubilidade do fármaco).
A
contaminação microbiana durante a preparação da formulação deve ser minimizada
pela utilização de equipamentos e vidrarias limpos e sanitizados, pela
utilização de água purificada e/ou outros veículos com qualidade microbiológica
adequados e evitando a utilização de matérias-primas e embalagens contaminadas.
O
pH final da preparação deve ser compatível com o conservante a ser utilizado (o
benzoato de sódio ou o ácido benzóico, por exemplo, apresentam atividade
antimicrobiana numa faixa de pH menor que 5,0) e com a estabilidade do fármaco.
PRINCIPAIS
EXCIPIENTES FARMACOTÉCNICOS:
Avaliadas
as propriedades físico-químicas do fármaco e estabelecida a melhor via de
administração, a escolha dos adjuvantes mais adequados para determinada
formulação deverá basear-se nas características das substâncias contidas na
fórmula, bem como na possibilidade de interações entre os excipientes e o(s)
fármaco(s). Os principais adjuvantes farmacotécnicos encontram-se descritos a
seguir:
Veículos: preparação inerte destinada à
incorporação do (s) ativo(s). Podem ser edulcorados e conter agentes
suspensores.
Exemplos:
xarope simples, sorbitol 70%, glicerina, água, etc.
Solventes:
usados para dissolver
outra substância na preparação de uma solução; pode ser aquoso ou não (ex.
oleaginoso). Co-solventes, como a água e álcool (hidroalcóolico) e água e
glicerina, podem ser usados quando necessários.
Exemplos:
álcool, óleo de milho, óleo de algodão, glicerina, álcool isopropílico, óleo
mineral, ácido oléico, óleo de amendoim, água purificada, água para injeção.
Absorventes:
substâncias
adicionadas para absorverem água presente nos extratos ou para fixar certos
compostos voláteis, como as essências. Exemplos: fosfato de cálcio, caolim,
carbonato de magnésio, bentonita, talco.
Agentes
molhantes:
substâncias adicionadas com a finalidade de diminuir a tensão superficial na
interface sólido/líquido. Age diminuindo o ângulo de contato entre a água e as
partículas sólidas, aumentando a molhabilidade das partículas. Exemplos: lauril
sulfato de sódio (LSS), docusato sódico, polissorbatos 20, 60, 80 (Tweens®).
Agentes
tamponantes: usados
para fornecerem às formulações, resistência contra variações de pH, em casos de
adição de substâncias ácidas ou básicas. Exemplos: tampão citrato, tampão
fosfato, tampão borato.
Corantes,
aromatizantes e flavorizantes:
adjuvantes empregados para corrigir cor, odor e sabor desagradáveis, tornando a
preparação mais atraente. Os corantes devem ser escolhidos em uma tabela que
fornece os nomes daqueles que são permitidos para uso alimentício. Alguns podem
causar reações alérgicas e/ou desencadear processos de irritação gástrica.
Exemplos de flavorizantes: baunilha, mentol, óleo de canela, óleo de anis,
cacau, dentre outros.
Agentes
emulsificantes:
usados para estabilizar formulações que possuem um líquido disperso no seio de
outro líquido com ele imiscível. O emulsionante ou emulsificante mantém a
estabilidade da dispersão. O produto final pode ser uma emulsão líquida ou
semisólida (creme). Podem ser aniônicos, catiônicos ou anfotéricos. Ainda,
podem ser naturais ou sintéticos. Exemplos: monoestearato de glicerila, álcool
cetílico e gelatina. Podem ser empregados como agentes emulsivos auxiliares:
CMC-Na, MC, alginato e pectina.
Agentes
surfactantes (tensoativos):
substâncias que reduzem a tensão superficial. Podem ser usados como agentes
molhantes, detergentes ou emulsificantes. Exemplos: cloreto de benzalcônio,
nonoxinol 10, octoxinol 9, polissorbato 80, lauril sulfato de sódio.
Agentes
suspensores: agentes
utilizados para aumentar a viscosidade da fase externa de uma suspensão
(dispersão de sólidos, finamente divididos, no seio de um líquido no qual o
fármaco é insolúvel). Reduzem a velocidade de sedimentação das partículas do
fármaco. Agente doador de viscosidade ao meio.
EXEMPLOS:
Agente
suspensor
|
Concentração
usual
|
pH
aplicável
|
Goma
adraganta
|
0,50 -
2,00%
|
1,90 -
8,50
|
Goma
arábica (goma acácia)
|
5,00 -
10,00 %
|
--------
|
Goma
xantana
|
0,3 - 0,5
%
|
3,0 -
12,0
|
Celulose microcristalina/CMC-Na
(Avicel®
RC 591)
|
0,50 -
2,00%
|
3,50 -
11,00
|
CMC-Na
|
0,50 - 2,00%
|
2,00 -
10,00
|
Hidroxipropilmetilcelulose
(HPMC)
|
0,30 -
2,00%
|
3,00 -
11,00
|
Metilcelulose
|
0,50 -
5,00%
|
3,00
-11,00
|
Hidroxietilcelulose
(Natrosol®)
|
0,10 -
2,00%
|
2,00 -
12,00
|
Bentonita
|
0,50 -
5,00%
|
3,00 - 10,00
Dispersões
melhores em
pH neutro
|
Agente suspensor
|
Concentração
usual
|
pH aplicável
|
Alginato sódico
|
1,00 -
5,00%
|
4,00
-10,00
|
Carbômero (Carbopol®)
|
0,50 -
1,00%
|
5,00 -
11,00
|
Povidona
|
Até 5,00%
|
Não é afetado
pelo pH, exceto
por pH
muito cáustico
|
Pectina
|
1,00 -
3,00%
|
2,00 -
9,00
|
Silicato de Alumíno e Magnésio
(Veegun®)
|
0,50 -
2,50%
|
3,50 -
11,00
|
Dióxido
de silício coloidal (Aerosil®)
|
2,00 -
10,00%
|
Até 10,70
|
Adaptado:
Rowe et al., 2003.
Agentes
de tonicidade (Isotonizantes):
usados para obtenção de soluções com características osmóticas semelhantes às
dos fluidos biológicos, à serem administradas pelas vias: ocular, nasal,
parenteral. Exemplos: NaCl , manitol e dextrose.
Agentes
levigantes: líquido
usado como agente facilitador no processo de redução de partículas do fármaco,
durante o preparo de emulsões, bases oleosas, dentre outras. Triturado
juntamente com o fármaco.
Exemplos:
Agente
levigante
|
Densidade
|
MIscibilidade
|
Uso
|
Óleo mineral (vaselina líquida)
|
0,88
|
miscível
em óleos fixos (exceto óleo de rícino) imiscível com água, álcool, glicerina,
propilenoglicol, PEG 400, e óleo de rícino
|
bases oleosas
base de absorção
emulsões
água/óleo
|
Glicerina
|
1,26
|
miscível com água, álcool,
propilenoglicol e PEG 400
imiscível com óleo mineral
e óleos
fixos
|
emulsões bases óleo/água
bases
solúveis em água e ictiol
|
Propilenoglicol
|
1,04
|
miscível com água, álcool, glicerina
e PEG 400
imiscível com óleo mineral
e óleos
fixos
|
emulsões base óleo/água
bases
solúveis em água
|
PEG 400
|
1,13
|
miscível em água, álcool, glicerina e propilenoglicol imiscível com
óleo mineral
e óleos
fixos
|
emulsões base
óleo/água
bases
solúveis em água
|
Óleo de algodão
|
0,92
|
miscível com óleo mineral e outros
óleos fixos incluindo o óleo de rícino
imiscível
com água, álcool, glicerina , propilenoglicol e PEG 400
|
o óleo de algodão ou algum outro
óleo vegetal; pode ser usado
como
substituto para o óleo mineral quando um óleo vegetal é preferido ou quando o
sólido pode ser incorporado mais facilmente nestes óleos.
|
Óleo de rícino
|
0,96
|
miscível com álcool e outros óleos
fixos.
Imiscível
com água, glicerina, propilenoglicol, PEG 400 e óleo mineral
|
ictiol ou
bálsamo do Peru, mesmos usos descritos para o óleo de algodão.
|
Polissorbato 80
(Tween ® 80)
|
1,06-1,09
|
miscível com água, álcool,
glicerina, propilenoglicol,
PEG 400, óleo mineral e óleos fixos.
|
Coaltar
Circunstâncias
em que um surfactante é desejado, pode ser incompatível com algumas emulsões
água /
óleo
|
Agentes
alcalinizantes ou acidificantes ;
usados para alcalinizar ou acidificar o meio, respectivamente, para fornecer
estabilidade ao ativo ou promover sua dissolução.
Exemplos:
Agentes
acificantes (acidulantes)
|
Agentes
alcalinizantes
|
Ácido cítrico
|
Solução
de amônia
|
Ácido
acético
|
Carbonato
de amônio
|
Ácido
tartárico
|
Hidróxido
de potássio (KOH)
|
Ácido
fumárico
|
Dietanolamina
|
Ácido
clorídrico (HCl)
|
Monoetanolamina
|
Ácido
bórico
|
Hidróxido
de sódio (NaOH)
|
Bicarbonato
de sódio
|
|
Trietanolamina
|
|
Borato de
sódio
|
Conservantes:
usados em preparações
líquidas e semi-sólidas para prevenção do crescimento e desenvolvimento de
microrganismos (fungos e bactérias). Exemplos de anti-fúngicos: ácido benzóico,
benzoato de sódio, butilparabeno, metilparabeno (Nipagin®), propilparabeno
(Nipasol®), etilparabeno, propionato de sódio. Anti- bacterianos: cloreto de benzalcônio,
cloreto de benzetônio, álcool benzílico, cloreto de cetilpiridíneo,
clorobutanol, fenol.
Agentes
antioxidantes: empregados
na tentativa de proteger a formulação de qualquer processo oxidativo e
conseqüente desenvolvimento de ranço em substâncias de natureza oleosa e
gordurosa e/ou inativação do fármaco. Podem atuar de diferentes modos:
interrompendo a formação de radicais livres (BHA, BHT, ά-tocoferol); promovendo
redução das espécies oxidadas (ácido ascórbico, palmitato de ascorbila, metabissulfito
de sódio); prevenindo a oxidação (EDTA, ácido cítrico, cisteína, glutationa).
Em sistemas aquosos, preferencialmente, são empregados: vitamina C,
metabissulfito de sódio, cisteína e tiossulfato de sódio. Nos sistemas
lipofílicos, preferencialmente, BHT, BHA e vitamina E.
Agentes
quelantes (seqüestrantes):
substância que forma complexos estáveis (quelatos) com metais. São usados em
preparações líquidas como estabilizantes para complexar os metais pesados que
podem promover instabilidade. Exemplos: EDTA-Na2, ácido edético.
II
- SOLUÇÕES
“Soluções
são preparações líquidas que contêm uma ou mais substâncias químicas
dissolvidas, ou seja, molecularmente dispersas, em um solvente adequado ou em
uma mistura miscível de solventes (USP Pharmacist’s, 2005).
Podem
ser destinadas para uso oral, tópico ou parenteral.
Também
chamadas de soluções verdadeiras ou soluções completas, são dispersões moleculares, ou seja, os fármacos
estão completamente dissolvidos, acarretando em sistemas monofásicos, homogêneos, termodinamicamente
estáveis.
Vantagens:
v - Flexibilidade de dosagem;
v - Facilidade de administração;
v - Rápida absorção (em relação às
formas sólidas);
v - Homogeneidade na dosificação,
independente da agitação quando comparada à forma de suspensão;
v - Possibilidade de adição de
co-solventes para princípios ativos pouco solúveis no veículo principal.
Desvantagens:
v - Maior possibilidade de alterações
físico-químicas;
v - Maior possibilidade de contaminação;
v - São mais difíceis de serem
transportadas pelo paciente do que as formas sólidas;
v - O paciente pode não ter acesso a
sistema de medida de volume preciso e uniforme, podendo haver variação de uma
dose para outra.
Expressão
de concentração do soluto em soluções:
A
concentração do soluto pode ser expressa como:
* % p/p = gramas presentes em 100g da solução;
* % p/v = gramas presentes em 100ml da
solução;
* % v/v = mililitros do soluto líquido
miscível em 100ml da solução;
* Quantidade / unidades de volume: ex.:
100mg/5ml; 500mg/10ml; etc.
Aditivação
de Princípios Ativos em Soluções:
1-
Incorporar o(s) ativo(s), diluindo-o(s) previamente em solvente adequado
compatível (ex.: água, qs de álcool) ou diretamente no veículo. Se o ativo não
for facilmente solúvel, será recomendável levigá-lo antes com agente levigante
apropriado (glicerina, propilenoglicol), como forma de favorecer sua dissolução.
2-
Adicionar aos poucos o veículo solicitado pelo prescritor (ou o qmais
apropriado à formulação) ao passo anterior, até obter um volume próximo ao
final. Agitar com auxílio do bastão de vidro ou agitador magnético;
3-
Medir o pH, se necessário ajustar para um valor na faixa compatível com a maior
estabilidade do(s) ingrediente(s) ativo(s).
4-
Se necessário, filtrar em gaze.
5-
Envasar e rotular.
III - SUSPENSÕES
“Uma
suspensão consiste em um sistema bifásico composto por uma fase sólida
finamente dividida (fase interna, descontínua ou dispersa) dispersa em uma fase
líquida (fase externa, contínua ou dispersante) (USP Pharmacists.Pharmacopeia,
2005)”.
Também chamadas de dispersões particuladas, onde os fármacos
estão dispersos, acarretando em sistemas bifásicos, heterogêneos,
termodinamicamente instáveis.
As partículas sólidas são insolúveis na fase
líquida e tendem a sedimentar. Porém, devem ser facilmente dispersas com
agitação. A fase líquida consiste em um líquido que possui uma certa
consistência e que pode ser aquoso ou de natureza graxa (ex. óleos fixos). A
fase dispersa não atravessa o papel de filtro, portanto por este motivo as
suspensões não devem ser filtradas.
As
suspensões são utilizadas para formulações de uso oral (suspensão oral),
parenteral, dermatológico, oftálmico, nasal, retal, otológico dentre outros.
Algumas suspensões orais já vêm prontas para o uso, ou seja, já estão
devidamente dispersas num veículo líquido com ou sem estabilizantes e outros
adjuvantes farmacêuticos.
Outras
preparações estão disponíveis para uso na forma de pó seco destinado a ser
misturado com veículos líquidos. Este tipo de produto geralmente é uma mistura
de pós que contém fármaco e agentes suspensores e de dispersão; essa mistura,
ao ser diluída é agitada com uma quantidade especificada do veículo (geralmente
água purificada), formando uma suspensão apropriada à administração chamada
suspensão extemporânea. Esta forma em pó é ideal para veicular fármacos
instáveis em meio líquido (ex.antibióticos betalactâmicos).
Vantagens
das Suspensões:
v
-
Forma farmacêutica
ideal para veicular ingredientes ativos insolúveis em veículos normalmente
utilizados em formulações líquidas.
v
-
Apresentam maior estabilidade quando comparadas às soluções. Por estar disperso
e não solubilizado o fármaco está mais protegido da rápida degradação
ocasionada pela presença de água.
v
-Fármacos
instáveis quando em contato com o veículo aquoso, podem ser preparadas na forma
de suspensão extemporânea (forma de pó para reconstituição caseira).
v
-
Fármacos que se degradam em soluções aquosas podem ser suspendidos em fase não
aquosa (anidra), por exemplo em óleos.
Características
de uma boa suspensão:
- Formada
por partículas sólidas de tamanho reduzido, distribuídas uniformemente
na fase contínua. No preparo de suspensões, as partículas sólidas devem ser
reduzidas para diminuir a velocidade de sedimentação destas. Um suspensão ideal
apresenta as partículas sólidas com tamanhos variáveis entre 1 a 50 µm, embora várias
suspensões apresentem tamanho de partículas variando de 1 a 100 µm (USP Pharmacists.,
2005).
O tamanho
reduzido das partículas sólidas é uma característica muito importante pois
evitam que as mesmas se sedimentem facilmente, facilitando também sua
redispersão e prevenindo ainda a formação de cristais (crescimento cristalino).
O tamanho
das partículas dispersas deve permanecer constante ao longo dos períodos de
repouso.
v
-
Uma boa suspensão deve sedimentar lentamente e redispersar facilmente
com a agitação suave do recipiente.
v
-
Não formar sedimento duro não dispersível (caking.) no fundo do frasco.
v
-
Não produzir o fenômeno de crescimento cristalino.
v
-
Fluidez: quanto mais viscosas, mais estáveis serão as suspensões. Porém,
o excesso de viscosidade compromete o aspecto e a retirada do medicamento do
frasco. A suspensão deve escoar com rapidez e uniformidade do recipiente.
v
-
Elegância farmacêutica: conceito que envolve a idéia de cor, odor,
sabor, bom aspecto aceitável para o paciente.
v
-
Um boa suspensão deve apresentar estabilidade química, física e
microbiológica.
v
-
Uma suspensão deve permitir a administração ao paciente de uma dose uniforme,
terapeuticamente ativa do medicamento em uma preparação agradável de tomar ou
usar.
v
A
velocidade de sedimentação das partículas suspendidas em um veículo com uma
dada densidade será maior para partículas maiores que para partículas menores.
Além disso, quanto maior for a densidade das partículas maior será a velocidade
de sedimentação. Aumentando-se a viscosidade do meio (dentro de certos limites
em que a suspensão ainda permaneça fluida e escoável) reduz-se a velocidade de
sedimentação das partículas sólidas do fármaco.
Portanto, o
decréscimo da sedimentação das partículas sólidas em uma suspensão pode ser
obtido pela redução do tamanho das partículas a serem dispersadas e pelo
aumento da densidade e viscosidade da fase contínua (líquida).
Composição
básica de uma suspensão
v
-
Fármaco sólido a ser disperso: devem ser triturados em um gral com
auxílio de um pistilo, por levigação com o veículo viscoso ou com agentes de
levigação (ex. glicerina, propilenoglicol, polietinoglicol de baixo PM).
Geralmente, a parte sólida de suspensões pode estar presente em concentração de
até 40% do total da formulação.
v
-
Agente suspensor: é usado para aumentar a viscosidade e retardar a
sedimentação.
v
-
Agentes floculantes: favorecem a floculação, processo no qual as partículas se
agrupam formando aglomerados frouxos facilmente redispersíveis. A defloculação
é o processo oposto à floculação, caracterizado pela quebra dos aglomerados em
partículas individuais formando um sedimento compacto de difícil redispersão.
Os sistemas defloculados originam sedimentos que formam muito facilmente uma
pasta ou massa de difícil redispersão (caking. ) e não convenientes para uso
farmacêutico. Do ponto vista farmacêutico, as suspensões floculadas são mais
desejáveis que as defloculadas. Esses agentes são divididos em
surfactantes, polímeros hidrofílicos, argilas e eletrólitos.
Agentes
floculantes:
-
Lauril sulfato de sódio (0,5 . 1,0%)
-
Docusato sódico (0,01-1,0%)
-
Polissorbato 80 (Tween®80) - (0,1 . 3%)
-
Monooleato de sorbitano (Span® 80) . (0,1- 3,0%)
-
Polietilenoglicol 300 / 400 . (até 10%)
-
Colóides hidrofóbicos (ex. goma xantana, Veegum®, CMC, etc)
-
Argilas (ex.bentonita)
-
Cloreto de sódio (até 1%)
-
Fosfato diácido de potássio (KH2PO4) .
Propriedades
|
Floculadas
|
Defloculadas
|
Velocidade de sedimentação
|
Rápida
|
Lenta
|
Sobrenadante
|
Límpido
|
Turvo
|
Sedimento
|
Volumoso
|
Compacto
|
Redispersibilidade
|
Fácil
|
Difícil
|
Adaptado:
Prista et al., 1995.
Figura: Tipos de agregados de partículas que
podem originar por sedimentação de suspensões: a) suspensões floculadas, b)
suspensões defloculadas.
Cargas Superficiais e
Redispersibilidade:
As
partículas dispersas em uma suspensão podem apresentar, na sua superfície,
grupos ionizáveis ou podem adsorver íons da solução, os quais lhe conferem
carga positiva ou negativa. As moléculas do solvente (veículo) podem igualmente
se fixarem fortemente nas superfícies das partículas suspensas. Estas
partículas, ficando carregadas eletricamente, são rodeadas por uma atmosfera
iônica. em que predominam íons de cargas opostas.
Estes
íons formam uma camada elétrica dupla, consistindo numa camada à superfície das
partículas e numa camada difusa, livremente móvel. A partícula suspensa com a
sua camada elétrica fixa move-se num campo elétrico e a diferença de potencial
ao longo da parte difusa da dupla camada é designada de potencial zeta.
Se
esse potencial zeta, negativo ou positivo, for elevado, as partículas terão
pequena tendência a aglutinar, uma vez que se repelem em virtude da carga
elétrica. Se não houver baixa do potencial zeta, as partículas acabam, muito
lentamente, por se aproximarem umas das outras (por ação da gravidade e também
por forças de atração entre as partículas), constituindo agregados compactos
que sedimentam, deixando sempre a camada do líquido sobrenadante com certa
turvação (suspensão defloculada). Por
um outro lado, uma rápida baixa do potencial zeta leva a que as partículas se
reúnam em flóculos, os quais depositam.
Origina-se
desta forma um sedimento pouco compacto, ficando o líquido sobrenadante
destituído de partículas e por isso perfeitamente límpido (suspensão floculada)
(Prista et al., 1995).
- Agentes
umectantes (agentes molhantes): são acrescidos nas formulações de
suspensões com o objetivo de auxiliar a dispersão do(s) componente(s) ativo(s).
São eles:
- Agentes tensioativos (ex. polissorbatos 20, 60 e 80),
glicerina (2-20%), propilenoglicol (5 - 25%), polietilenoglicol de baixo PM
como o PEG 300 ou 400 (2-30%), sorbitol 70% (5 - 100%), dentre outros. A
umectação de um sólido por um líquido será maior quanto menor for o ângulo de
contato (veja esquema a seguir).
Sustâncias
hidrofílicas se umectam facilmente em água ou outros solventes polares.
Substâncias hidrofóbicas não se molham em água ou solventes polares. Portanto,
na elaboração de uma suspensão de uma substância hidrofóbica em um meio aquoso,
as partículas tendem a flutuarem na superfície do líquido devido a presença de
ar aderido às partículas secas ou umectadas de forma insuficiente.
Esta
flutuação das partículas pode ser evitada com o auxílio de agentes umectantes.
Os agentes umectantes diminuem o ângulo de contato sólido-líquido, facilitando
a umectação das partículas sólidas. Substâncias hidrofóbicas podem ser
umectadas mais facilmente com auxílio de agentes tensioativos (ex.
polissorbatos, docusato sódico, etc).
- Outros
adjuvantes farmacotécnicos utilizados: edulcorantes, flavorizantes,
corantes, corretores de pH (acidulantes, alcalinizantes), tampões, co-solventes
(ex. álcool) e conservantes.
Preparo
de Suspensões
Materiais e
equipamentos necessários:
- Gral e
pistilo / agitador mecânico / moinho coloidal ou moinho de rolos.
- Vidrarias
apropriadas: cálice graduado, béquer, bastão de vidro, etc.
- Placa
de aquecimento (eventualmente necessária).
- Balança
eletrônica de precisão semi-analítica.
Requisitos prévios:
-
O manipulador deverá estar adequadamente paramentado.
- Ligar a balança 30 minutos antes de se
iniciar a pesagem.
-
Verificar a limpeza e sanitização das bancadas, vidrarias e utensílios
utilizados.
-
As vidrarias, utensílios e matérias-primas necessárias deverão ser previamente
separados.
-
Proceder conforme as B.P.M.F., seguindo as técnicas descritas em formulário de
fórmulas padronizadas ou seguindo técnicas gerais apropriadas para a
manipulação da formulação em específico.
-
Condições ambientais recomendadas: umidade relativa até 60% e temperatura de
25± 5ºC (AGEMED). Observar esta condição exceto nos casos em que as
especificações da formulação requeiram outras condições.
-
É recomendável o preparo de um excesso de 5% da formulação para compensar
eventuais perdas que ocorram durante o processo de manipulação.
Fórmula
padrão das suspensões
Ingrediente
ativo (sólido)............................ X %
Umectante
(agente molhante).................... q.s.
Conservante...............................................
q.s.
Agente
suspensor ...................................... q.s.
Agente
floculante (se necessário) .............. q.s.
Meio
dispersante líquido (veículo).............. q.s.p. volume final.
Em
função de cada formulação outros componentes poderão ser acrescidos na
formulação, como: corretivos do sabor, flavorizantes, antioxidantes,
conservantes, floculantes, corretores de pH, etc.
Procedimentos gerais para
o preparo de suspensões:
Esquematicamente
temos os seguintes métodos para o preparo de suspensões:
1.
(sólido + líquido)
2.
(sólido + suspensor) + líquido
3.
(sólido + molhante) + (líquido + suspensor) ***
4.
(sólido + molhante + suspensor) + líquido
5.
(sólido + floculante + suspensor) + líquido
***
Procedimento de preparo mais comum.
Controle da Qualidade de
Suspensões
O
controle de qualidade envolve verificar certas características da suspensão:
-
Avaliação das características organolépticas.
- Verificação do peso / volume.
- Controle do pH.
-
Determinação da viscosidade (a viscosidade deve permitir o fácil escoamento da
suspensão do frasco).
- Determinação da densidade relativa.
- Grau de floculação*.
- Facilidade de dispersão (a redispersão do
sedimento deve ser fácil).
- Determinação do volume de sedimentação.
- Controle microbiológico.
*
O grau de floculação de uma suspensão pode ser observado através da
determinação da relação entre a altura do sedimento (Hs) e a altura da fase
líquida (Hl). A relação Hs/Hl indica o volume de sedimentação (VS).
Quanto maior for o volume de sedimentação (VS) tanto mais elevado
será o grau
de
floculação da suspensão e mais facilmente será sua redispersão. Todavia, os
agentes floculantes não devem ser adicionados em excesso pois podem originar
inversão da carga elétrica das partículas dispersas. De modo geral, é
recomendável a adição de pequenas quantidades de agente floculante (Prista et
al., 1995).
A técnica para determinação do volume de sedimentação consiste em
introduzir a suspensão redispersa após agitação numa proveta e deixá-la em
repouso até que não aumente a altura do sedimento (em geral deixa-se em repouso
por 24 horas) (Prista et al.,1995; Lachman et al., 2001). A figura abaixo
ilustra a determinação da velocidade de sedimentação de duas suspensões
diferentes:
Suspensão A Suspensão B
VS(A)
= Hs / Hl = 10 / 70 = 0,142 VS(B)
= Hs / Hl = 40 /70 = 0,571
Figura:
Exemplos da determinação do volume de sedimentação (VS) em duas suspensões.
Embalagem/ Armazenamento/ Rotulagem ( suspensões)
-
As suspensões devem ser embaladas em recipientes bem vedados e que contenham
uma boca larga suficiente para permitir o escoamento de líquidos viscosos.
-
Deve haver um espaço vazio compreendido entre o produto e a tampa do recipiente
(.headspace.) suficiente para permitir uma fácil agitação.
-
O armazenamento em temperatura ambiente ou sob refrigeração depende das características
físico-químicas e de estabilidade do(s) componente(s) ativo(s) incorporados na
suspensão.
-
As suspensões são sistemas contendo partículas sólidas dispersas que tendem a
sedimentarem-se. Portanto, requerem rótulo auxiliar com a inscrição de “agite
antes de usar”.
Estabilidade
A
estabilidade de suspensões poderá ser avaliada através da observação das suas
propriedades físicas como a uniformidade, sedimento, presença de caking,
crescimento cristalino*, dificuldade de resuspensão, bem como o crescimento de
bolores/bactérias, odor e perda de volume.
*Crescimento
cristalino
Quando os cristais de uma
determinada substância encontram-se em suspensão num meio líquido no qual a
substância é parcialmente solúvel, pode observar-se o fenômeno do crescimento
dos cristais. Isto ocorre quando a concentração da substância na solução é
superior ao coeficiente de solubilidade desta. Este fenômeno pode ocorrer
devido a variações de temperatura (abaixamento da temperatura), ao polimorfismo
da substância suspensa ou ainda às diferenças de tamanho dos cristais dispersos
(Prista et al., 1995). As suspensões são menos susceptíveis à degradação
química que as soluções, mas com a presença de água na formulação seu prazo de
validade é geralmente curto.
Orientação
ao paciente
- O
paciente deve ser instruído da importância de se agitar o frasco antes de usar
o medicamento para garantir a administração da correta dose ou concentração do
ingrediente ativo veiculado.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ANSEL, H. C.;
POPOVICH, N. G.; ALLEN Jr, L. V. Pharmaceutical Dosage
Forms and Drug
Delivery Systems, Eighth Edition. Baltimore: Williams and
Wilkins, 2004.
EUROPEAN
PHARMACEUTICAL MARKETING RESEARCH ASSOCIATION
(EphMRA). New
Form Code Classification Guidelines. Basel,
2006.
Disponível
em: .
EUROPEAN
PHARMACOPOEIA, 5th ed. Strasbourg: Council of Europe (COE)
- European
Directorate for the Quality of Medicines, 2004.
FARMACOPÉIA
BRASILEIRA. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 1988.
FOOD AND DRUG
ADMINISTRATION (FDA). CDER Data Standards Manual.
Rockville:
Center for Drug Evaluation and Research, 2006.
UNITED STATES
PHARMACOPEIA (USP), ed. 28-NF 23. Rockville:
United
States
Pharmacopeial Convention, 2005
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