QUALIDADE DO USO DE MEDICAMENTOS POR IDOSOS:
UMA REVISÃO DOS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DISPONÍVEIS
Quality assessment of
drug use in the elderly: a review of available evaluation methods
Ciência
& Saúde Coletiva
ISSN 1413-8123 versão impressa
Ciênc. saúde coletiva v.10 n.4 Rio de
Janeiro out./dez. 2005
Andréia Queiroz RibeiroI; Cristiana Martins do
Couto AraújoI; Francisco de Assis AcurcioI; Sérgia Maria
Starling MagalhãesI; Flávio ChaimowiczII
IDepartamento de Farmácia Social, Faculdade de Farmácia da
UFMG. Campus Pampulha. Av. Presidente Antônio Carlos, 6.627, 31270-901, Belo
Horizonte MG. aribeiro@farmacia.ufmg.br
IIDepartamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da UFMG
IIDepartamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da UFMG
RESUMO
O
artigo apresenta diferentes métodos de avaliação da adequação da terapia
farmacológica para idosos, a partir da revisão da literatura no período de 1990 a 2003. Na década de
1990, foi criada uma variedade de métodos os quais são classificados, de acordo
com a utilização de critérios, em implícitos, explícitos e aqueles que combinam
ambos. São apresentadas as vantagens e desvantagens de cada método e observa-se
que os métodos que utilizam combinação de critérios permitem uma melhor
avaliação, uma vez que incorporam um maior número de elementos envolvidos no
processo de utilização de medicamentos. A adequação ou adaptação destes métodos
à realidade brasileira e a incorporação dos mesmos às práticas avaliativas em
saúde podem se constituir em um passo fundamental na promoção do uso racional
de medicamentos no país.
Palavras-chave: Idosos, Farmacoterapia, Uso inadequado de
medicamentos, Avaliação
ABSTRACT
The article presents
different methods for the assessment of the pharmacotherapy appropriateness for
the elderly, after the literature review within 1990 and 2003. In the 1990s a great
variety of methods was created and they are classified according to the
criteria use in implicit, explicit and the ones that blend both implicit and
explicit criteria. The advantages and disadvantages of each method are
presented and it is observed that methods that use a criteria combination allow
a better assessment, since they incorporate a greater number of evolved
elements in the drug use process. The suitability and adaptation of these
methods to the Brazilian reality and their incorporation in the evaluative
practices in health can constitute an essential step to the rational drug use
in the country.
Key words: Elderly, Pharmacotherapy, Inappropriate drug use, Assessment
Introdução
O
envelhecimento da população brasileira deverá se acelerar substantivamente a
partir de 2005, quando as coortes de nascidos nos períodos de elevada
fecundidade e baixa mortalidade das décadas de 1940 a 1960 começarem a
alcançar os 65 anos. Estima-se que a proporção de idosos saltará dos atuais
5,1% para 14,2% em apenas 50 anos, fenômeno cuja magnitude e velocidade será
igualada por menos de 10 países em todo o mundo (Chaimowicz, 1997). Esse
fenômeno repercute nas diferentes esferas das estruturas social, econômica,
sanitária, política e cultural da sociedade, uma vez que os idosos,
freqüentemente portadores de múltiplas doenças crônico-degenerativas, possuem
demandas específicas para obtenção de adequadas condições de vida (Siqueira et
al., 2002). Tais demandas fazem do envelhecimento tema emergente de
investigação nas distintas áreas de conhecimento, tais como a
Farmacoepidemiologia. Esta tem como foco o estudo da distribuição e dos
determinantes dos acontecimentos relacionados com os fármacos nas populações e
a aplicação desses estudos a uma terapêutica farmacológica eficaz (Last,
1989).
Com
as alterações fisiológicas e patológicas relacionadas ao envelhecimento, há um
aumento dos riscos associados ao uso de fármacos. Dentre os fatores que
contribuem para este aumento destacam-se o comprometimento da função renal para
a depuração de fármacos que são primariamente excretados pelos rins; a redução
do fluxo sanguíneo e do processo de biotransformação hepática; o aumento da
gordura corpórea, o que resulta no aumento do volume de distribuição de
fármacos lipossolúveis. Além disso, alterações da sensibilidade de receptores e
as modificações da resposta dos sistemas fisiológicos comprometidos por doenças
podem alterar a ação dos fármacos (Katzung, 2002). Permeando todos estes
fatores, destaca-se a influência da qualidade da prescrição e do uso de
medicamentos neste grupo.
Nesta
perspectiva, nos países desenvolvidos, a partir de meados da década de 1980 e,
principalmente, da década de 1990,
a preocupação com os efeitos prejudiciais do uso de
medicamentos por idosos impulsionou prescritores, farmacêuticos e pesquisadores
a desenvolverem e aplicarem diversos métodos e instrumentos para identificar
padrões inadequados de prescrição e problemas farmacoterapêuticos envolvendo
este grupo populacional.
No
Brasil, estudos e aplicações sobre esta temática são escassos. Informações
sobre o padrão de uso de medicamentos entre idosos brasileiros são provenientes
de estudos conduzidos nos municípios do Rio de Janeiro, Fortaleza e nas cidades
de Campo Belo e Bambuí, em
Minas Gerais (Rozenfeld, 1997; Miralles & Kimberlin,
1998; Mosegui et al., 1999; Chaimowicz et al., 2000; Coelho Filho
et al., 2004). Apenas dois destes estudos investigaram aspectos
relacionados à qualidade da farmacoterapia. No estudo realizado no Rio de
Janeiro verificou-se que 17% dos medicamentos utilizados eram inadequados para
uso por idosos. Além disso, 14% das idosas faziam uso de medicamentos
redundantes e 16% estavam expostas às principais interações medicamentosas e,
portanto, sujeitas às conseqüências desses eventos (Mosegui et al.,
1999). Em Fortaleza, quase 20% dos idosos usavam pelo menos um medicamento
considerado inadequado para esta faixa etária (Coelho Filho et al.,
2004). Essa carência de informações caracteriza uma das dificuldades para a
implementação de uma política de assistência farmacêutica adequada à realidade
brasileira e, conseqüentemente, para a melhoria da qualidade da atenção à saúde
do idoso no país.
O
objetivo do presente artigo é revisar os principais instrumentos utilizados no
âmbito internacional para avaliar a adequação da farmacoterapia em idosos, bem
como discutir a aplicação destes instrumentos à luz da realidade brasileira.
Métodos
Foi
realizada busca na base de dados Medline por trabalhos referentes a critérios
de definição de uso inadequado de medicamentos por idosos no período de 1990 a 2003. As
palavras-chave utilizadas foram older adults, elderly, prescription,
criteria, inappropriate, appropriateness.
A
combinação destes descritores identificou um total de 106 documentos distintos,
dentre os quais 46 foram descartados por se referirem a critérios de adequação
de prescrição sobre uma única classe de medicamentos ou sobre terapias não
farmacológicas. Assim, restaram 60 documentos potenciais para análise. Deste
universo, quatro documentos se referiam à implementação de programas
computacionais para aprimorar o processo de prescrição e 29 artigos não
propunham critérios ou métodos específicos. Estes artigos foram excluídos,
restando 27 para análise. Nos documentos selecionados para análise foi
realizada, posteriormente, uma busca manual das referências listadas sobre o
tema em questão. Tais
referências foram obtidas em bibliotecas ou por meio de contato com os autores
responsáveis pelas mesmas. Seguindo esse procedimento, obteve-se a descrição de
seis critérios que foram discutidos nessa revisão. Vale ressaltar que apenas os
estudos que tratavam da descrição dos critérios foram referenciados, uma vez
que este era o objetivo da presente revisão.
Resultados
A
qualidade do uso de medicamentos pode ser abordada sob diferentes aspectos,
tais como a prática de polifarmácia, a subutilização de fármacos necessários e
o uso inadequado de especialidades terapêuticas. Conceitualmente, um
medicamento é considerado inadequado quando os riscos de seu uso superam seus
benefícios (Beers et al., 1991).
Na
atualidade, há uma variedade de métodos destinados à avaliação da adequação
farmacoterapêutica para idosos. De uma maneira geral, estes métodos se baseiam
em critérios implícitos, explícitos, ou na combinação de ambos. Os métodos
implícitos caracterizam-se por revisão clínica dos medicamentos em uso levando
em conta as práticas consideradas adequadas nas revisões de literatura médica
sobre as doenças específicas apresentadas pelos pacientes. Entretanto, não têm
uma preocupação de definir ou padronizar critérios e carecem de uma estrutura
de revisão baseada em
consenso. Os métodos explícitos, mais limitados no que se
refere à adequação clínica, geralmente são baseados em métodos de consenso e
incluem a utilização de listas contendo medicamentos a serem evitados por
idosos (Shelton et al., 2000).
Para
fins desse artigo, serão apresentados os métodos mais importantes, no sentido
de serem pioneiros, serem referência para adaptações e serem mais amplamente
utilizados.
Métodos implícitos
Estes
métodos caracterizam-se por revisões terapêuticas específicas para cada
indivíduo e não estabelecem critérios de avaliação. Um exemplo é o Medication
Reduction Project (MEDRED) desenvolvido em Dakota do Sul (Estados Unidos) em
1993. Trata-se de um programa de base comunitária fundamentado na farmácia
clínica e com intervenções educativas para reduzir a polifarmácia em idosos
(Schrader et al., 1996). Conduzido em diferentes etapas, o MEDRED possui
cinco metas, quais sejam, reduzir o número de medicamentos utilizados; ajustar
as doses; aumentar a adesão à terapia; identificar os impactos social,
funcional e econômico de um tratamento medicamentoso; e incentivar o uso de
alternativas não farmacológicas quando clinicamente indicado.
Na
condução do MEDRED, a etapa de revisão dos medicamentos foi realizada por um
farmacêutico especialista em
geriatria. Esta revisão ocorreu de maneira individualizada
para 83 idosos da comunidade, com enfoque sobre os seguintes aspectos:
conhecimento do indivíduo sobre o medicamento e a doença em tratamento,
existência de um diagnóstico que justificasse a indicação do medicamento,
efetividade e adequação do fármaco e da dose utilizada, existência de condições
clínicas relacionadas ao uso de medicamentos (ou reação adversa) e a adesão
(Schrader et al., 1996).
Embora
os programas que utilizam estes métodos alcancem os objetivos desejados, tais
como a redução do número de medicamentos utilizados, algumas desvantagens
incluem o fato de que os revisores não dispõem de orientações preestabelecidas
que conduzam o processo de revisão, o que faz com que esta ocorra de forma
subjetiva, baseada na experiência clínica do revisor. Ainda que sejam mais
próximos à realidade observada no cotidiano da atenção à saúde do idoso, sua
validade e confiabilidade são de difícil avaliação.
Métodos
explícitos
Um
dos métodos explícitos mais usados na avaliação do uso inadequado de
medicamentos tem sido o proposto por Beers (Beers et al., 1991; Beers,
1997; Fick et al., 2003).
Em
1991, Beers et al. criaram o primeiro conjunto de critérios para
identificar o uso inadequado de medicamentos por idosos institucionalizados nos
Estados Unidos. Este trabalho envolveu um grupo de especialistas em diferentes
áreas do conhecimento, tais como clínica médica, farmacoepidemiologia,
farmacologia geriátrica, entre outros, os quais utilizaram a técnica Delphi.
Essa técnica é usada para se obter consenso a respeito de um tema sob
investigação. Em geral, os critérios são apresentados aos participantes por
meio de inquérito postal. As respostas aos itens são analisadas e um novo
questionário é elaborado, acrescentando-se ou retirando-se itens. Os inquéritos
são repetidos até a obtenção de consenso entre os participantes (Graham et
al., 2003). Por meio desta técnica, estes profissionais definiram, de
maneira consensual, uma lista de 19 medicamentos inadequados e 11 medicamentos
cuja dose, freqüência de uso ou duração do tratamento eram inadequadas (Beers et
al., 1991). Esse critério contempla dois aspectos do uso inadequado de
medicamentos por idosos: 1) medicamentos ou classes de medicamentos que devem
ser evitados exceto sob raras circunstâncias e 2) medicamentos cujas doses,
freqüências de uso ou duração do tratamento não devem ser excedidas (Beers et
al., 1991). A lista inclui sedativos e hipnóticos, analgésicos,
antipsicóticos, antidepressivos, anti-hipertensivos, antiinflamatórios
não-esteróides e hipoglicemiantes orais.
Os
critérios utilizados nesta época possuíam a vantagem de simplificação de uso,
uma vez que para sua aplicação são necessárias somente as informações sobre uso
de medicamentos disponíveis nas bases de dados. Tendo em vista que estes
critérios foram primariamente direcionados para idosos institucionalizados, que
em geral apresentam piores condições de saúde do que aqueles residentes na
comunidade, os autores ressaltaram a necessidade de modificação da lista nos
casos em que esta fosse utilizada para estudos envolvendo estes últimos. Além
disso, salientaram a importância de atualização da lista, diante das constantes
alterações no mercado farmacêutico e da ampliação do conhecimento sobre os
fármacos em uso.
Salientaram , ainda, a necessidade de expansão dos critérios a
fim de que incluíssem variáveis não farmacológicas, tais como diagnósticos,
gravidade das doenças, entre outros.
Assim,
em 1997, Beers atualizou os critérios publicados em 1991 para incluir novos
fármacos e incorporar novas evidências da terapia farmacológica. Além disso, o
critério foi ampliado para aplicação em idosos não institucionalizados e
incluiu itens adicionais sobre o uso de determinados medicamentos em pacientes
com condições patológicas específicas. Esta estratégia resultou numa lista
constituída por 28 medicamentos ou classes de medicamentos inadequados e 35
medicamentos ou classes de medicamentos considerados inadequados em 15
condições patológicas específicas (Beers, 1997).
A
terceira e mais recente revisão dos critérios de Beers ocorreu no ano de 2002
(Fick et al., 2003). Algumas diferenças no processo dessa atualização
são bastante interessantes como, por exemplo, o fato de que, para a seleção dos
fármacos que iriam compor o questionário a ser respondido pelos especialistas,
foi utilizada a revisão sistemática. Após esta revisão, foi conduzido um
inquérito dividido em cinco etapas. Finalmente, foram identificados, por
consenso, 48 medicamentos ou classes de medicamentos inadequados e uma lista de
medicamentos inadequados em indivíduos com 20 condições patológicas específicas
(Fick et al., 2003).
Um
outro método baseado em consenso foi desenvolvido por McLeod et al.
(1997) no Canadá. Por meio de um painel composto por 32 especialistas, foram
identificadas 38 práticas inadequadas de prescrição para idosos. Diferentemente
do critério de Beers et al., estes autores categorizaram as práticas em
três tipos: 1) prescrição de fármacos geralmente contra-indicados para idosos
em função do balanço risco-benefício ser inaceitável; 2) prescrição de fármacos
que podem interagir com outros fármacos; 3) prescrição de fármacos que podem
interagir com alguma doença. Vale a pena ressaltar que a definição da primeira
categoria baseou-se na lista desenvolvida por Beers et al. (1991). Os
fármacos inadequados foram agrupados em quatro categorias: cardiovasculares,
psicotrópicos, antiinflamatórios não-esteróides e outros analgésicos e fármacos
diversos. No entanto, as vantagens e desvantagens desse critério são
semelhantes àquelas do critério de Beers.
O
terceiro método que utilizou critérios explícitos é o DUR (Drug Utilization
Review), desenvolvido por Knapp em 1989, nos Estados Unidos, e que pode ser
usado para avaliar a qualidade e o custo do uso de medicamentos (Knapp, 1991).
Geralmente, utilizam-se dados retrospectivos de grandes bancos de dados de
prescrições médicas para a identificação de problemas relacionados à dose,
duração do tratamento, duplicação terapêutica e interações medicamentosas
(Hanlon et al., 2002). Knapp (1991) desenvolveu critérios explícitos, baseando-se
na literatura científica e no método de consenso para alguns grupos de
medicamentos freqüentemente usados por idosos e com implicações significativas
decorrentes de seu uso indevido, como antagonistas dos receptores H2 de
histamina, digoxina, inibidores da enzima conversora de angiotensina,
antagonistas dos canais de cálcio, benzodiazepínicos, antiinflamatórios
não-esteróides, antipsicóticos e antidepressivos. Segundo esse método, por
exemplo, o uso prolongado de benzodiazepínicos e o uso daqueles de longa ação é
inapropriado para idosos.
A
utilização de critérios explícitos é bastante útil para avaliar o padrão de
prescrição ou de uso de medicamentos por idosos e subsidiar intervenções para
otimizar a atenção a esse grupo de indivíduos (Beers et al., 1991). No
entanto, algumas limitações devem ser apontadas. Sob circunstâncias
específicas, baseadas na avaliação individual, o uso do medicamento considerado
inadequado pode ser justificado (Beers et al., 1991). Dessa forma, não
representam contra-indicação absoluta, mas sinalizam que raramente esses
medicamentos devem ser utilizados. Outro ponto importante a ser considerado é
que os instrumentos desenvolvidos a partir deste método não abrangem todos os
aspectos relacionados à inadequação, como a subutilização de medicamentos
necessários e a administração inadequada (Fick et al., 2003). Além
disso, na maioria das vezes estes métodos se restringem à avaliação de fármacos
ou grupos de fármacos específicos.
Uma
grande vantagem da utilização dos métodos explícitos é a identificação de
grupos vulneráveis à ocorrência de problemas relacionados a medicamentos para
que sua prevenção seja possível. Os critérios representam, assim, mecanismos
para alertar os profissionais de saúde sobre a possibilidade de ocorrência de
uso inadequado de medicamentos (Beers, 1997). Além disso, a utilização de
listas possibilita a comparação de estudos que avaliaram a adequação do uso de
medicamentos realizados em diversos países.
Métodos explícitos e implícitos
Diante
das limitações dos métodos explícitos e implícitos, alguns estudiosos,
isoladamente, desenvolveram instrumentos que combinam critérios explícitos e
implícitos, com a finalidade de contemplar, de forma mais abrangente, o esquema
terapêutico, a condição clínica geral, bem como circunstâncias especiais do
indivíduo, durante o processo avaliativo. Dentre os instrumentos que possuem
estas características, os mais importantes na literatura consultada são aquele
desenvolvido por Lipton et al. (1993) e o MAI (Medication Appropriateness
Index), criado por Hanlon et al. (1992).
Método de Lipton
O
desenvolvimento deste instrumento caracterizou uma etapa de um ensaio clínico
realizado nos Estados Unidos, em 1989, com o objetivo de avaliar o impacto da
participação de farmacêuticos clínicos no processo da prescrição médica para
236 pacientes hospitalizados com mais de 60 anos (Lipton et al., 1993).
O
conteúdo do instrumento foi estabelecido por meio da realização de um painel
formado por cinco clínicos e dois farmacêuticos clínicos. Foram definidas seis
categorias de problemas de prescrição. Além disso, foi criado um sistema de
escores variando de 0 a
2, para classificação da magnitude do problema de cada categoria (Quadro
1). A partir dos escores parciais, foi calculado um escore global de
inadequação da prescrição para cada paciente.
Para
o processo de avaliação da farmacoterapia, os participantes do painel
utilizaram os registros médicos, fontes de informação sobre interações
medicamentosas e informações sobre outros fármacos em uso pelos pacientes (obtidas
por meio de entrevistas telefônicas). Para cada caso (paciente), a avaliação
foi realizada por um par de membros do painel, de forma duplo-cega.
Foi
realizado teste de confiabilidade do instrumento, a partir do número de escores
discrepantes, durante os seis primeiros meses das revisões. Observou-se que a
discrepância diminuiu substancialmente ao longo do tempo. A análise da validade
externa do instrumento não foi possível em função da inexistência de um
padrão-ouro de comparação. Entretanto, foi realizada uma análise indireta
buscando-se uma relação entre os escores médios de prescrição e o relato de
reações adversas pelos pacientes e, ainda, o número de admissões hospitalares
relacionadas com o uso de medicamentos. Os autores evidenciaram um percentual
discretamente superior (7,0%) de hospitalizações entre aqueles pacientes com
pelo menos um problema potencialmente fatal (n = 52) comparado ao percentual de
4% de hospitalização para os demais (n = 184). Observou-se ainda uma correlação
positiva entre o escore global de inadequação e o número de reações adversas
relatadas (Lipton et al., 1993).
O
método de Lipton apresenta algumas vantagens, como a existência de critérios
explícitos combinados com o julgamento implícito do avaliador. Outra vantagem é
o fato de que o instrumento não é fármaco-específico, como ocorre com o DUR. Ao
contrário, ele permite uma avaliação do fármaco no contexto da condição clínica
de cada indivíduo. Entretanto, algumas desvantagens também devem ser apontadas.
Uma vez que cada fármaco é avaliado individualmente, a aplicação do instrumento
pode ser demorada. Outro aspecto destacado pelos autores como desvantagem do
instrumento é a estreita faixa dos escores. O aumento da amplitude da faixa
permitiria maior sensibilidade do instrumento à gravidade dos problemas de
prescrição avaliados (Lipton et al., 1993). Por fim, são necessárias
novas análises de confiabilidade e validade do instrumento para melhor
avaliação deste aspecto e expansão da aplicação deste instrumento (Shelton et
al., 2000).
Medication
Appropriateness Index (MAI)
O
MAI é um instrumento bastante semelhante ao desenvolvido por Lipton et al.
e também foi elaborado como parte de um ensaio clínico para avaliação de
serviços em saúde nos Estados Unidos, desenvolvido por Hanlon e colaboradores
no início da década de 1990 (Hanlon et al., 1992). Diferentemente do
método desenvolvido por Lipton e colaboradores, este instrumento é mais
abrangente e já foi submetido a diversos testes de confiabilidade e validade
(Hanlon et al., 1992; Samsa et al., 1994; Fitzgerald et al.,
1997).
O
instrumento foi elaborado por um geriatra e um farmacêutico clínico e consta da
avaliação de 10 elementos da prescrição medicamentosa. Para cada elemento foram
estabelecidas definições operacionais e instruções para a avaliação. O índice
foi desenvolvido a partir de uma escala de três pontos, em que os índices 1, 2
e 3 representam, respectivamente, "uso adequado", "uso
marginalmente adequado" e "uso inadequado" (Quadro
2).
Outra
etapa no desenvolvimento do MAI foi a definição e validação de um processo de
ponderação no qual cada uma das dez categorias foi pontuada a fim de se obter
um escore global por medicamento. A pontuação variava de 1 a 5, de forma que um escore
igual a 1 para aquela categoria significava ausência de importância, ao passo
que um escore de 5 atribuía grande importância para a categoria. Para isso,
dois farmacêuticos clínicos avaliaram, individualmente, um total de 105
fármacos prescritos para dez idosos hospitalizados numa clínica de medicina
interna nos Estados Unidos. Nesta avaliação o escore global apresentou uma
confiabilidade aceitável (coeficiente de correlação intraclasse igual a 0,74).
Esse procedimento aponta para a validade de conteúdo do instrumento (Samsa et
al.,1994).
O
instrumento foi ainda submetido à análise de confiabilidade, sendo os
coeficientes Kappa obtidos (variação de 0,54 a 0,92) considerados
satisfatórios para que o seu uso seja recomendado em populações de idosos não
hospitalizados (Hanlon et al. 1992; Fitzgerald et al., 1997).
De
forma semelhante ao método de Lipton, o método MAI não teve sua validade
externa atestada, devido à ausência de um padrão de comparação. Por outro lado,
foi avaliada a relação entre o escore global de cada fármaco e a utilização de
serviços por idosos. Observou-se que a média do escore era superior (ou seja,
uso mais inadequado) para aqueles indivíduos com maior número de
hospitalizações (Schmader et al., 1997).
É
interessante ressaltar que ambos os métodos, de Lipton e o MAI, não avaliam
reações adversas a medicamentos (RAM) de uma maneira global. No MAI, somente as
interações medicamentosas são contempladas e no método de Lipton, além de
interações, a hipersensibilidade é considerada no processo de avaliação. No que
se refere ao MAI, os autores atribuem a ausência desse critério no instrumento
à complexidade que envolve a determinação da causalidade de uma RAM, bem como à
existência de algoritmos próprios para essa finalidade (Hanlon et al.,
1992).
Na
atualidade, é possível que o MAI seja o instrumento mais completo, válido e
reprodutível disponível para avaliar a adequação da terapia farmacológica em idosos. Sua principal
desvantagem é o tempo requerido para completar a revisão de cada medicamento, o
que é estimado em 10 minutos. Por outro lado, se utilizado de acordo com as
definições operacionais, torna-se uma ferramenta estruturada e sistemática de
revisão, ao mesmo tempo em que confere uma flexibilidade relacionada à
particularidades de cada indivíduo em uso de medicamento.
Os
idosos são o grupo etário que cresce mais rapidamente no Brasil. A demanda
deste grupo por recursos de saúde é intensa, tanto no que se refere à
utilização de serviços de saúde quanto no que diz respeito ao uso de medicamentos.
Entretanto,
no campo da farmacoterapia, o cenário que se vislumbra é do dilema "acesso
ou excesso". Este dilema é representado pela dificuldade na obtenção de
medicamentos, pela subutilização de classes terapêuticas específicas, pelo
consumo irracional de novidades químicas (Rozenfeld, 2003), enfim, por
distorções nos diferentes elementos que compõem a cadeia medicamentosa. A
coexistência dessas distorções propicia, indubitavelmente, o uso inadequado de
medicamentos por idosos brasileiros. Esta situação carece de iniciativas e
mesmo de uma discussão mais aprofundada para seu adequado enfrentamento.
Nesse
contexto, tão importante quanto o conhecimento dos diferentes métodos
utilizados para avaliar a adequação da farmacoterapia em idosos é se vislumbrar
o potencial de uso dessas ferramentas diante das particularidades dos serviços
de saúde no Brasil.
A
partir da revisão apresentada, é possível observar que a grande maioria dos
métodos é aplicada utilizando-se informações sobre o uso de medicamentos
obtidas em prescrições médicas, bases de dados de farmácias e/ou registros
médicos. É perceptível que a qualidade dessas fontes é fundamental para que o
uso desses instrumentos produza resultados compatíveis com a realidade e, em
especial, úteis como alvos de estratégias de intervenção. Esta condição é um
primeiro desafio para a transposição destes métodos para o Brasil. Aqui, fontes
como os bancos de dados dos programas de atenção à saúde ou das contas
hospitalares, em geral não dispõem de registros sobre o uso de medicamentos.
Eventualmente, os programas de assistência farmacêutica em sistemas locais de
saúde possuem informações sobre a distribuição de fármacos, mas é incomum
encontrar as variáveis representativas do uso de medicamentos associadas às variáveis
de morbidade ou socioeconômicas, de forma que se possam avaliar,
sistematicamente e em profundidade, os diferentes aspectos do processo de
utilização dos mesmos. Além disso, o preenchimento dos prontuários médicos em
diferentes níveis de atenção à saúde é de qualidade bastante insatisfatória, em
especial no que tange às informações relacionadas aos medicamentos prescritos.
A adoção de estratégias focadas na qualidade das informações sobre o uso de
medicamentos nas diversas fontes mencionadas é de grande valia para a
implementação de programas de avaliação da farmacoterapia para pessoas com 60
anos ou mais.
Num
segundo momento, ao se considerar a possibilidade da utilização de listas de
medicamentos classificados como inadequados, é fundamental ressaltar a
necessidade de adaptação destas listas à realidade do mercado farmacêutico
brasileiro. Isso porque alguns fármacos comercializados nos países onde as
listas foram desenvolvidas não o são aqui e algumas especialidades utilizadas
aqui não o são lá. Neste caso, o mais coerente é que sejam elaboradas listas
próprias, ou seja, que traduzam a realidade brasileira. Estas listas, obtidas
por consenso, poderiam ser úteis às atividades de seleção de medicamentos, bem
como poderiam subsidiar a elaboração de protocolos terapêuticos que contemplem
as particularidades dos indivíduos com mais de 60 anos. Os centros
colaboradores de Geriatria e Gerontologia do país, as universidades abertas da
terceira idade, juntamente às comissões de padronização de medicamentos e aos
órgãos reguladores, ressaltado o seu caráter multidisciplinar, podem exercer um
importante papel neste processo, dando suporte ou mesmo desencadeando ações
neste sentido.
Outro
aspecto de importância no que se refere à utilização dos métodos apresentados
para avaliar a adequação da farmacoterapia em idosos no Brasil é a evidência de
um espaço que requer a atuação do farmacêutico. Em geral, todos os métodos
discutidos aqui foram elaborados e/ou conduzidos com a participação do
farmacêutico. Além disso, é interessante observar que os instrumentos
utilizados pelos métodos implícitos e por aqueles que conjugam critérios
explícitos e implícitos se aproximam muito da prática da Atenção Farmacêutica.
Esta, por sua vez, tem como um dos seus objetivos, garantir que os medicamentos
utilizados sejam indicados, efetivos, seguros e convenientes, maximizando os
benefícios e minimizando os riscos decorrentes de seu uso (Cipolle et al.,
1998).
Considerações
finais
Discutir
a qualidade da farmacoterapia em idosos é discutir a atenção à sua saúde, tendo
em vista que o medicamento ainda é um importante instrumento de recuperação e
manutenção da saúde de indivíduos deste grupo populacional, embora resguardada
a preocupação com a não medicalização do conceito de saúde. Assim, a avaliação
da farmacoterapia em idosos é um importante instrumento de avaliação da
qualidade da atenção prestada a este grupo. Esforços para aprimorar a seleção,
prescrição, a dispensação e a utilização de fármacos devem constituir
prioridade nos programas de atenção ao idoso.
O
presente artigo apresentou diferentes métodos utilizados para a avaliação da
qualidade do uso de medicamentos em idosos, com o intuito de subsidiar a
discussão em torno da Farmacoepidemiologia do envelhecimento no país. Embora se
trate de um artigo de revisão, diante da complexidade que permeia os processos
de "qualidade", "uso de medicamentos" e
"envelhecimento populacional", é importante ressaltar que os métodos
apresentados não pretendem esgotar as possibilidades de avaliação e intervenção
nesta temática. Não obstante, a adequação ou adaptação destes métodos à
realidade brasileira e a incorporação dos mesmos às práticas avaliativas em
saúde pode se constituir em um passo fundamental na promoção do uso racional de
medicamentos no país.
Colaboradores
AQ
Ribeiro e CMCA realizaram a busca na base de dados, a seleção e análise dos
documentos e a redação do artigo. FA Acurcio, SMS Magalhães e F Chaimowicz
participaram da análise dos documentos. Todos os autores tomaram parte na
elaboração do artigo final.
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Artigo
apresentado em 26/11/2004
Aprovado em 18/04/2005
Versão final apresentada em 18/04/2005
Aprovado em 18/04/2005
Versão final apresentada em 18/04/2005
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