FORMULÁRIO
TERAPÊUTICO NACIONAL E A CONSTRUÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL
Luciane Cruz Lopes
SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E
INSUMOS ESTRATÉGICOS/MS - FTN
Em 1998 foi
criada a Política Nacional de Medicamentos no Brasil (PNM), com a intenção de
ampliar a oferta de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade, promovendo o
seu uso racional e aumentando o acesso da população aqueles considerados indispensáveis.
Uma das
quatro prioridades da PNM e revisar permanentemente a Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (Rename), com base nas prioridades nacionais de saúde
tendo em conta eficácia terapêutica, segurança, comodidade e custo.
Os
medicamentos essenciais constituem um dos principais instrumentos para a realização
de efetiva política de medicamentos, e são definidos pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) como aqueles que servem para satisfazer as necessidades de atenção
a saúde da maioria da população.
A Rename
2010 e suas edições anteriores foram elaboradas pela Comissão
Técnica e
Multidisciplinar de Atualização da Rename (Comare) atendendo recomendações da
OMS.
Assim,
todos os medicamentos considerados básicos e indispensáveis para atender a
maioria dos problemas de saúde da população são parte integrante da Rename
2010.
Usados no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS) e mesmo fora dele, servem como base para a aquisição,
prescrição e dispensação de medicamentos no setor publico, bem como de orientação
para a elaboração de listas estaduais e municipais de medicamentos essenciais.
A Rename 2010
contem 343 fármacos, oito produtos correspondentes a fármacos, imunoterápicos,
designados por 372 denominações comuns brasileiras, contidos em 574 apresentações
farmacêuticas.
A existência
de uma política nacional de medicamentos e considerada, pela
OMS,
importante instrumento para a Assistência Farmacêutica e para toda a
política de
saúde.
Trabalhar
com o conceito de medicamento essencial e uma lista de medicamentos essenciais
selecionados por critérios com base em provas cientificas faz parte das dez recomendações
que melhoram o uso de medicamentos em países em desenvolvimento.
Em verdade,
políticas de medicamentos essenciais promovem disponibilidade, acesso,
qualidade e uso racional de medicamentos, garantindo a sustentação do próprio
desenvolvimento da politica, e a chave para isso esta na cuidadosa seleção de
medicamentos essenciais.
Portanto, o
desenvolvimento da PNM foi responsável por avanços na politica
de saúde,
sobretudo no que se refere a reorientação da assistencia farmacêutica no pais.
Em maio de
2004, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Política Nacional de Assistência Farmacêutica
(PNAF) e esta passou a ter importancia relevante para o atendimento no SUS.
Segundo a PNAF, a Assistência Farmacêutica e definida como o:
..conjunto
de ações desenvolvidas pelo farmacêutico, e outros profissionais
de
saúde, voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto no
nível
individual como coletivo, tendo o medicamento como insumo essencial
e
visando o acesso e o seu uso racional. Envolve a pesquisa, o desenvolvimento e
a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação,
aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e
serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, na perspectiva da
obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da
população..
Compete ao
Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF), da
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério
da Saúde, a formulação e coordenação da gestão da PNAF; desenvolver cooperação
para o aperfeiçoamento da capacidade gerencial e operacional de Estados e Municípios
bem como normatizar, organizar, promover e coordenar a aquisição e distribuição
de insumos estratégicos para a saúde e a Assistência Farmacêutica, nos diferentes
níveis de atenção a saúde, entre outros.
Com o foco
no acesso a medicamentos, o DAF nos últimos anos acompanha
a organização
e o desenvolvimento da Assistência Farmacêutica no SUS, por
meio de
providencias administrativas. Uma delas foi a ampliação do financiamento para aquisição
e distribuição de medicamentos para a atenção básica.
As Portarias
GM 3.237/2007 e GM 2.982/2009 contem as normas de financiamento e de execução
do Componente Básico do Bloco de Financiamento da Assistência Farmacêutica, com
base na Rename vigente, o que significa que este documento passa também a
constituir-se lista de pacto no SUS, quanto ao componente básico, alem de
instrumento orientador da construção das listas locais.
Não
obstante esses avanços tecnico-administrativos, a Assistência Farmacêutica ainda
apresenta muitos problemas a serem superados. Por exemplo, estrutura e gestão
insuficientes, ausência de informações ou informações não confiáveis, difícil
atendimento da demanda gerada por estados e municípios e de manutenção precária
de estoques dos medicamentos, dificultando, assim, o acesso.
Organizar
um serviço nacional de tamanha envergadura exige grande esforço, preparação técnica
e determinação. Para que prescritores, dispensadores, administradores, com a colaboração
de usuários de medicamentos, possam atuar efetivamente na promoção do uso
racional de medicamentos, muitas atividades, projetos e programas devem ser
desenvolvidos .
Alguns
dados permitem entender os problemas enfrentados pela Assistência
Farmacêutica
em um pais em desenvolvimento. Em 2009 havia 66.524 apresentações comerciais,
correspondentes a 8.000 marcas de medicamentos para 2.000 princípios ativos e,
ate junho de 2009, a Anvisa tinha registrado 403 produtos biológicos, 200 homeopáticos,
512 fitoterápicos, 7.952 medicamentos similares, 1.457 medicamentos novos e
2.730 medicamentos genéricos
Nesse cenário,
acrescem-se problemas complexos que podem se resumir principalmente em administrar
ações judiciais relacionadas a solicitação de medicamentos, elaboração de
listas municipais e estaduais sem os rigorosos critérios estabelecidos pela
OMS, alem da medicalização da saúde.
Utilizados
de maneira inadequada tornam-se importante problema de saude
publica,
gerando consequências econômicas e sanitárias. Vale citar aumento do custo do
tratamento de determinada doença; exposição da população a reações adversas;
perda de sua eficácia; resistência de microrganismos principalmente a antibióticos;
dependência química e psicológica; risco de aumento de infecções e intoxicações
farmacológicas .
Dados
provenientes de Centros de Informação e Assistência Toxicológicas relativos a
2007 e 2008 mostram que em 30% dos registros, produtos farmacêuticos sao o
principal agente envolvido.
Dado
provenientes do sitio eletrônico do Centro de Informacoes Toxicológicas
(CIT/SC) entre os anos de 1994 a 2006, verificam-se registrados 14.312 casos de
intoxicação por medicamentos, dos quais 1.335 (9,3%) foram provocadas por erro
de medicação. Destes, 1.071 (80%) casos ocorreram por erro de administração e 264
casos devido a prescrição medica inadequada e consequentemente dispensação e administração
inadequada.
Desta
forma, varias circunstancias podem levar a um quadro de intoxicação
por
medicamentos: acidentes, tentativas de autoextermínio, tentativa de aborto,
automedicação,
erro de administração, prescrição medica inadequada e abuso,
entre
outras.
Os
medicamentos tem características definidas na pratica de saúde e são reconhecidos
como meio eficaz para diagnosticar e/ou enfrentar doenças e
promover a saúde,
sendo seu uso consolidado pelo resultado histórico de seu
emprego no
tratamento de numerosas enfermidades.
No entanto,
a multiplicidade de produtos farmacêuticos disponíveis, a frequência de novas
descobertas farmacológicas, as pressões exercidas pela industria farmaceutica,
pela mídia e por pacientes tornam difícil aos profissionais de saúde
manterem-se atualizados e procederem de forma prudente quanto a escolha do
melhor tratamento.
Tal processo
traz implicações que oneram indivíduos, instituições e os serviços de saúde. A informação
fidedigna e isenta sobre medicamentos e a educação de seus usuários faz parte
das intervenções recomendadas pela OMS para a promoção do uso racional.
A qualidade
da informação e tão importante quanto a do medicamento. Atualmente, não ha
falta de informação e sim de habilidade para selecionar aquela que e util,
imparcial e confiável.
Existem diferenças
importantes entre publicidade de produtos com interesses comerciais e difusão
de informações cientificas com base em evidencias.
Desta
forma, alem de saber selecionar o material de qualidade, o profissional de
saude deve ter suficiente conhecimento de inglês e espanhol para utilizar
convenientemente fontes importantes de informações.
As informações
prestadas sobre medicamentos e tratamentos devem ser precisas, atualizadas,
obtidas de fontes independentes, em linguagem de fácil
compreensão
a todos os profissionais de saúde e aos usuários com o proposito
de aumentar
a efetividade do tratamento e a adesão, permitindo facil prescrição, dispensaçao,
uso e acompanhamento.
Praticamente
todos os países com política nacional de uso de medicamentos
possuem um formulário
terapêutico. Alguns sao respeitados em todo lugar
e podem ser
facilmente consultados.
Destaca-se
o WHO Model Formulary (WMF), lançado em 2002, atualizado em 2004, 2006 e 2008,
tendo sido recém- -lançado o WHO Model Formulary for Children (WMFC) em marco
2010.
O principal
propósito do WMF e prover informação geral e especifica sobre o que consta na
lista de medicamentos essenciais da OMS.
Outro
importante formulário e o British National Fomulary (BNF), criado nos anos 1960
e no numero 60 (setembro de 2010), alem do British National Formulary for
Children (BNFc), lancado ha poucos anos.
Alguns países
latino americanos ja produzem seus formulários e os atualizam periodicamente: e
o caso da Chile (1967), Argentina (1977), Cuba (1987) e Peru, entre outros.
Em 2008,
pela primeira vez no pais, surgiu o Formulário Terapêutico Nacional,
elaborado
com base na Rename 2006.
Neste
momento, 2010, ocorre sua primeira atualização. Elaborado por uma subcomissão
da Comare, formada principalmente por membros representantes de CIM (centro de informações
de medicamentos), o FTN do Brasil utilizou-se das melhores fontes cientificas
para a sistematização das informações nele contidas.
Com o propósito de orientar preceptores e
demais profissionais do cuidado a saúde, no exercício profissional no tocante a
utilização racional dos medicamentos, o FTN contem informações precisas e
objetivas sobre indicações terapêuticas, contraindicações, precauções, efeitos
adversos, interações, esquemas e cuidados de administração, orientação ao
paciente, formas e apresentações disponíveis comercialmente, alem de aspectos farmacêuticos
dos medicamentos selecionados.
Entende-se
que a Política Nacional de Medicamentos e a Política Nacional de
Assistência
Farmacêutica estabeleceram fortes estratégias para permitir o acesso e uso
racional de medicamentos a todos os cidadãos.
Cabe aos
profissionais de saúde apropriar-se das informações aqui dispostas
para, com
responsabilidade e compromisso não só atenderem melhor aos pacientes como
tornarem-se agentes da política de uso racional de medicamentos.
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