domingo, 12 de dezembro de 2010

FARMÁCIA HOSPITALAR - FÁRMACOS EM IDOSOS

FARMÁCIA HOSPITALAR - FÁRMACOS EM IDOSOS




Patrícia Medeiros de Souza,
Leopoldo Luiz Santos,
Celeste Aída Nogueira Silveira

O envelhecimento é processo biológico natural, no qual as funções de diferentes órgãos tornam-se deficientes, alterando a atividade dos medicamentos. A presença de diversas patologias concomitantes também é comum, o que facilita a polifarmácia.
A longevidade é crescente, aumentando a incidência de doenças agudas ou crônicas, com considerável aumento do uso de medicamentos. Isso pode asso-ciar-se a doenças iatrogênicas aumento de hospitalizações.
Como as prescrições são feitas por diferentes profissionais, aumenta o risco de associações medicamentosas prejudiciais, e geralmente não há esforço no sentido de formular esquemas de administração integrados, mais cômodos para o paciente. polifarmácia
Considera-se haver polifarmácia quando há uso desnecessário de pelo menos um medicamento ou presença de cinco ou mais fármacos em associação. Alguns autores consideram também polifarmácia como tempo de consumo exagerado (pelo menos 60 a 90 dias).
A polifarmácia, praticada em grande escala, seja por prescrição médica ou automedicação, favorece a ocorrência de efeitos adversos e interações medicamentosas.
Cautela, pois, deve ocorrer em relação a associações de medicamentos, principalmente em doses fixas. O uso de um medicamento para tratar o efeito adverso de outro (efeito corretivo) é exceção a esse contexto, como, por exemplo, suplementação de potássio para terapia diurética.É grande o impacto da polifarmácia em saúde pública.
Os medicamentos mais consumidos incluem anti-hipertensivos, analgésicos, antiinflamatórios, sedativos e preparações gastrintestinais. Idosos na faixa de 65 a 69 anos consomem em média 13,6 medicamentos prescritos por ano, enquanto aqueles entre 80 a 84 anos podem alcançar 18,2 medicamentos/ano.
Estudo prospectivo1 com acompanhamento de quatro anos mostrou que a polifarmácia ocorreu em 42% dos idosos e que a presença de hipertensão arterial e fibrilação atrial está associada a aumento significativo de fármacos utilizados1.
Em outro estudo,2 efeitos adversos foram responsáveis por 3,4% (964/28.411) das internações, e 4% (40/964) dos pacientes foram a óbito. Para cada medicamento utilizado pelo idoso, existe um aumento de 65% de chance de internação por complicações medicamentosas.
Acresce que o custo de tratamento aumenta com a polifarmácia, principalmente quando os prescritores privilegiam fármacos de introdução recente no mercado3. A maior parte dos gastos relaciona-se com hospitalizações.
Os problemas ou doenças iatrogênicos surgidos aumenta o consumo de novos fármacos. Dessa forma, a polifarmácia torna-se problema de saúde pública, devido ao aumento do custo com os serviços de saúde e medicamentos, sem que isso se traduza em aumento da qualidade de vida da população.
Adesão a tratamento
Idosos não têm necessariamente menor adesão a tratamento do que adultos mais jovens. Porém, as deficiências sensoriais (visão, por exemplo) e de capacidade cognitiva contribuem, respectivamente, para dificuldade de leitura de bulas e instruções e para não-compreensão e esquecimento da prescrição, o que resulta em uso inadequado ou abandono do tratamento. Idosos necessitam de acompanhamento mais próximo e constante orientação. Aqueles com funções cognitivas preservadas terão maior sucesso no tratamento.
Aspectos farmacodinâmicos
Há respostas diferenciadas em idosos, especialmente com respeito a medicamentos sedativos e psicotrópicos, quando se observa efeito paradoxal. A sensibilidade de fármacos varia em função do número de receptores e da capacidade de ligação a eles.
A resposta cardíaca a catecolaminas (estímulos beta-adrenérgicos) é reduzida. Aumento de tônus vagal e redução da sensibilidade de receptores adrenérgicos levam à diminuição da freqüência cardíaca máxima, que se mantém em repouso. Fibrose do sistema de condução e perda de células do nódulo sinoatrial aumentam a chance de arritmias cardíacas. Por espessamento da camada íntima do vaso, há aumento da parede arterial, conseqüentemente estreitando o calibre da artéria e levando à perda de elasticidade. Isso pode predispor ao desenvolvimento de aterosclerose na presença de fatores de risco. Há incremento de pressão arterial sistólica e manutenção da diastólica. A sensibilidade dos barorreceptores diminui, aumentando o risco de hipotensão postural. Essas mudanças podem ser prejudiciais em situações de maior demanda do sistema cardiovascular.
A incidência de doença coronariana aumenta em associação com fatores de risco específicos –fumo, sedentarismo, hiperlipidemia, hipertensão arterial, diabetes e obesidade4.
Há diminuição das reservas pulmonares. Reduz-se a elasticidade do parênquima pulmonar, com diminuição da superfície alveolar total e colapso de pequenas vias aéreas. Enfraquece-se a musculatura respiratória. Menor capacidade pulmonar e menos vigor no ato de tossir, junto à debilidade da ação mucociliar, predispõem a infecções pulmonares 4.
Aspectos farmacocinéticos
O declínio de funções fisiológicas se traduz por alterações em alguns parâmetros farmacocinéticos.
Absorção
As mudanças fisiológicas incluem diminuição da superfície de absorção, diminuição do volume sangüíneo esplâncnico, aumento do pH gástrico e alterações da motilidade do trato gastrintestinal. Observam-se diminuição do pico de concentração sérica e demora no início do efeito (aumento da latência).
Distribuição
Diminui a proporção de água em relação ao peso corporal, com diminuição no volume de distribuição de fármacos, por exemplo, digoxina. Reduz-se também a concentração plasmática protéica em pacientes debilitados ou desnutridos, reduzindo a forma conjugada e permitindo que a forma livre vá mais agilmente a sítio-alvo e emunctórios. Conseqüentemente, o efeito do fármaco aumenta em intensidade (intoxicação), e diminui sua duração.
Há também diminuição de massa corporal, levando a diminuição de fármacos que se ligam ao músculo. O mesmo ocorre com estoques de gorduras, fazendo com que fármacos lipossolúveis não se acumulem no tecido adiposo5.
Biotransformação
Diminuição de fluxo sangüíneo hepático a partir dos 65 anos acarreta alterações nas fases I e II do metabolismo de fármacos. Há conseqüências clínicas quando o metabolismo de fase II resulta em metabólitos ativos que se acumulam, como diazepam. Se os metabólitos são inativos, não há problemas6. Alterações no metabolismo acarretam prolongamento da meia-vida de alguns fármacos e podem alterar a biodisponibilidade daqueles que sofrem metabolismo de primeira passagem.
Excreção
É influenciada principalmente pela função renal. Nos idosos, há diminuição de fluxo renal e filtração glomerular. Fármacos com excreção renal preponderante, aumentam a meia-vida, o que pode resultar em acúmulo e toxicidade, o que ocorre com digoxina, vancomicina e lítio.
Reações adversas
Dados revelam que 10% dos pacientes hospitalizados entre 40-50 anos e 25% dos acima de 80 anos apresentam doenças iatrogênicas, muitas associadas a classes específicas de medicamentos,7 como os cardiovasculares, psicotrópicos, fibrinolíticos e diuréticos.
O termo “cascata da prescrição” (prescribing cascade) tem sido usado para descrever a situação em que o efeito adverso de um fármaco é interpretado incorretamente como nova condição médica que exige nova prescrição, sendo o paciente exposto ao risco de desenvolver efeitos prejudiciais adicionais relacionados a tratamento potencialmente desnecessário8.
Associações medicamentosas
Algumas sinergias são prejudiciais, como as que envolvem álcool e outros depressores do sistema nervoso central (sedativos, antidepressivos, opióides etc.). Essa interação determina anormalidades cognitivas, traumatismos e outros comprometimentos.
Álcool pode potencializar os efeitos dos antiinflamatórios não-esteróides, aumentando o risco de sangramento gástrico. Antiinflamatórios não-esteróides comprometem a eficácia de anti-hipertensivos, diuréticos e inibidores da enzima de conversão de angiotensina. estratégias para melhorar o uso de medicamentos pelo idoso
Frente às peculiaridades do paciente geriátrico, a prescrição medicamentosa deve ser bastante criteriosa, de acordo com os princípios que se seguem:
         Realizar adequada anamnese, revisando antecedentes médicos. Obter história medicamentosa completa, atentando para automedicação e associações medicamentosas.
         Prescrever apenas com indicação específica e cientificamente embasada, definindo claramente os objetivos da terapia proposta.
         Simplificar o regime medicamentoso, quando possível.
         Iniciar com pequenas doses e adequar às respostas desejadas.
         Adequar o esquema de administração às condições clínicas do paciente (insuficiência renal ou hepática, hipoalbuminemia etc.).
         Monitorizar cuidadosamente efeitos adversos.
         Dar orientações repetitivas e certificar-se de que o paciente as incorporou.
         Uma maneira que se mostrou eficaz foi o acompanhamento do paciente idoso por farmacêutico clínico, demonstrando-se redução da prescrição de fármacos não apropriados e diminuição de efeitos adversos9.
Referências

1. Veehof LJ G et al. The development of polypharmacy. a longitudinal study. Fam Pract 2000; 17(3): 261-7.

2. Onder G et al. Adverse drug reactions as cause of hospital admissions: results from the Italian Group of Pharmacoepidemiology in the Elderly (GIFA). J Am Geriatric Soc 2002; 50(12): 1962-86.

3. Bodenheimer TS. Affordable prescriptions for the elderly. JAMA 2001; 286 (14): 1762-3.

4. Azevedo MP, Galvão MPA, Ferreira MBC. Prescrição de medicamentos em odontogeriatria. In: Wannmacher LW, Ferreira MBC, eds. Farmacologia clínica para dentistas. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.

5. Katzung BG. Aspectos especiais da farmacologia geriátrica. In: Katzung BG, ed. Farmacologia básica e clínica. 9ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005: 844-50.

6. Chutka DS et al. Symposium on geriatrics--Part I: Drug prescribing for elderly patients. Mayo Clin Proc 1995; 70 (7): 685-93.

7. Chyka PA. How many deaths occur annually from adverse drug reaction in the United States? Am J Med 2000; 109(2): 122-30.

8. Rochon PA, Gurwitz JH. Optimising drug treatment for elderly people: the prescribing cascade. BMJ 1997; 315: 1096-9.

9. McVeight DM. Polypharmacy in the older population: recommendations for improved clinical practice. Top Emerg Med 2001; 23(3): 68-75.

Fonte

Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos  Formulário Terapêutico Nacional Brasilia , 2008


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