domingo, 12 de dezembro de 2010

FARMÁCIA HOSPITALAR - PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS

FARMÁCIA HOSPITALAR - PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS


Vera Lúcia Edais Pepe
e Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro

A prática clínica se depara muitas vezes com incertezas, especialmente quanto às conseqüências das tomadas de decisão, em termos de seus riscos e benefícios.

A prescrição é ato que depende de amplo conjunto de fatores, podendo resultar em diferentes desfechos. O paciente é, na verdade, um ator ativo e tem importante papel nesse processo. Antes que a prescrição aconteça é preciso, em primeiro lugar, que o paciente sinta-se comprometido com sua saúde física e busque ajuda de um profissional de saúde.

Estudo realizado em Fortaleza concluiu que 56,4% das consultas resultam em prescrição médica. Apenas em cerca de 30% das consultas se pergunta sobre reações alérgicas e uso de outros medicamentos. Nelas, pouco se informa aos pacientes sobre possíveis reações adversas (26,7%) ou interações medicamentosas (41,8%).

Os profissionais da saúde legalmente aptos a prescrever são médicos, médicos-veterinários e cirurgiões-dentistas e os enfermeiros, conforme estabelecido na Portaria MS nº 1.625 de 10 de julho de 2007.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere seis etapas para o processo de prescrição racional de medicamentos.

Como 1ª etapa, é preciso que o profissional colete as informações do paciente e investigue e interprete seus sinais e sintomas, para definir o problema e realizar um diagnóstico. A partir do diagnóstico, o prescritor deve especificar os objetivos terapêuticos (2ª etapa) e selecionar o tratamento (3ª etapa) que considera mais eficaz e seguro para aquele paciente. Vários fatores, relacionados à paciente, profissional de saúde, processo e ambiente de trabalho, podem influenciar o ato prescritivo.

O ato da prescrição pode conter medidas medicamentosas e/ou medidas não medicamentosas (4ª etapa). Muitas vezes, estas contribuem sobremaneira para a melhoria das condições de saúde do paciente. Condutas medicamentosas ou não devem constar de forma compreensível e detalhada na prescrição para facilitar dispensação do medicamento e uso pelo paciente.

Após escrever a prescrição, o profissional deve informar ao paciente sobre a terapêutica selecionada (5ª etapa) e combinar reconsulta para monitoramento do tratamento proposto (6ª etapa).

Na etapa da informação, o profissional deve, em linguagem clara e acessível, explicar ao paciente sobre o que lhe está sendo prescrito, os benefícios esperados e os eventuais problemas associados. Deve explicitar a duração de tratamento, como armazenar o medicamento e o que fazer com suas sobras.

Faz parte do ato de prescrever o estímulo à adesão ao tratamento, entendida como a etapa final do uso racional de medicamentos. Estima-se que o cumprimento da prescrição ocorra em pelo menos 80% de seu total, considerando horários de administração, doses e tempo de tratamento. O grau de adesão pode chegar a apenas cerca de 50% na população infantil. Isso pode comprometer o resultado esperado da terapêutica.

Bases legais e regras básicas da prescrição

A prescrição é um documento legal pelo qual se responsabilizam aqueles que prescrevem, dispensam e administram os medicamentos/terapêuticas ali arrolados. É importante que a prescrição seja clara, legível e em linguagem compreensível. Alguns preceitos gerais, definidos em lei (Leis Federais 5.991/73, 9.787/99 e as RDC ANVISA nº 80/2006 e 16/2007) são obrigatórios, outros correspondem a Boas Práticas (Resolução CFF 357/2001 e Código de Ética Médico).

A prescrição deve ser escrita sem rasura, em letra de fôrma, por extenso e legível, utilizando tinta e de acordo com nomenclatura e sistema de pesos e medidas oficiais. No âmbito do Sistema Único de Saúde, adota-se a Denominação Comum Brasileira (DCB) e, em sua ausência, a Denominação Comum Internacional (DCI). Nos serviços privados de saúde, a prescrição pode ser feita utilizando o nome genérico ou o comercial. Da prescrição constam:

         Nome e quantidade total de cada medicamento (número de comprimidos, drágeas, ampolas, envelopes), de acordo com dose e duração do tratamento.

         Via de administração, intervalo entre as doses, dose máxima por dia e duração do tratamento. Em alguns casos pode ser necessário constar o método de administração (por exemplo, infusão contínua, injeção em bolus); cuidados a serem observados na administração (por exemplo, necessidade de injetar lentamente ou de deglutir com líquido); horários de administração (nos casos de possível interação alimentar ou farmacológica, visando maior comodidade, adesão ou melhora do efeito terapêutico) ou cuidados de conservação (por exemplo, manter o frasco em geladeira).

2. Não se abreviam formas farmacêuticas (comprimido ou cápsula e não comp. ou cáp.), vias de administração (via oral ou via intravenosa e não VO ou IV), quantidades (uma caixa e não 1 cx.) ou intervalos entre doses (“a cada 2 horas” e não 2/2h).

3. Prescrever “se necessário” é um erro, pois o prescritor transfere, ilegalmente, a responsabilidade da prescrição ao paciente ou a quem deve administrar o medicamento, incentivando a automedicação.

4. O prescritor deve manifestar por escrito se não deseja permitir a intercambialidade
do medicamento de marca prescrito pelo genérico (Lei nº 9.787, 1999).

5. São obrigatórios assinatura e carimbo do prescritor. Nome por extenso, endereço e telefone do prescritor são desejáveis, de forma a possibilitar contato em caso de dúvidas ou ocorrência de problemas relacionados ao uso de medicamentos prescritos.

6. A data da prescrição deve ser explicitada. Há fármacos que necessitam de receituário específico para sua prescrição, pois se encontram sob controle da autoridade reguladora. Algumas substâncias, como hormônios, entorpecentes e psicofármacos têm seu uso controlado por legislação específica, a Portaria SVS/MS 344/98. A lista dessas substâncias é constantemente atualizada. Elas são classificadas em duas categorias – substâncias entorpecentes e psicotrópicas que exigem formulários de receita específicos (Notificações de Receita A e B) e se diferenciam quanto às exigências para a prescrição ambulatorial. Formulários de Notificação de Receita A, de cor amarela, são fornecidos, de forma numerada e controlada, pela vigilância sanitária estadual. A quantidade máxima a ser prescrita corresponde a 30 dias de tratamento, não podendo conter mais que cinco ampolas no caso de medicamento para uso injetável. Formulários de Notificação de Receita B, de cor azul, são fornecidos por profissional, hospital ou ambulatório. A quantidade máxima a ser prescrita corresponde a 60 dias de tratamento, não podendo conter mais que cinco ampolas no caso de medicamento para uso injetável.

Nos estabelecimentos hospitalares, clínicas médicas, oficiais ou particulares, os medicamentos a base de substâncias constantes das listas A1, A2, A3, B1 B2, C2, C3 poderão ser dispensados ou aviados a pacientes internados ou em regime de semi-internato, mediante receita privativa do estabelecimento, subscrita por profissional em exercício no mesmo.

Outros fármacos podem ser dispensados sem receita médica, segundo a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa, RDC 138/2003).

Na prescrição, recomenda-se não indicar atos desnecessários ou proibidos pela legislação do País (Lei nº 9.787, 1999). Outra norma é não receitar ou atestar de forma secreta ou ilegível, nem assinar em branco folhas de receituários, laudos, atestados ou outros documentos médicos.

Referências

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Fonte

Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos  Formulário Terapêutico Nacional Brasilia , 2008

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